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Breve justificativa histórica das cláusulas pétreas

Winston Churchill afirmou, com sua incomparável oratória, que se Hitler invadisse o inferno formaria uma aliança com o demônio. Mas, apesar da rivalidade com o monstro nazista, Sir Churchill afirmou certa vez que, se Hitler tivesse morrido em 1938, seria lembrado como um dos melhores estadistas do velho continente.

quarta-feira, 1 de novembro de 2006

Atualizado em 31 de outubro de 2006 09:15


Breve justificativa histórica das cláusulas pétreas


Eduardo Simões Neto*


Winston Churchill afirmou, com sua incomparável oratória, que se Hitler invadisse o inferno formaria uma aliança com o demônio. Mas, apesar da rivalidade com o monstro nazista, Sir Churchill afirmou certa vez que, se Hitler tivesse morrido em 1938, seria lembrado como um dos melhores estadistas do velho continente. Churchill estava genuinamente impressionado com o fato de Hitler ter reerguido, em tão pouco tempo, uma Alemanha derrotada física e moralmente na Primeira Guerra Mundial. Mas o encômio ao inimigo nazista também possuía outros fundamentos, como, por exemplo, o fato do inimigo ter habilidade política a ponto de, apesar das suas idéias desumanas, conseguir chegar poder pelas vias legais (em 9 de novembro de 1923 Hitler havia tentando um golpe fracassado que lhe rendera nove meses na prisão de Landsberg, onde decidiu que "a democracia deveria ser destruída por suas próprias forças"). Ocorre que, infelizmente, Hitler não morreu em 1938, tendo, a partir de então, iniciado uma lamentável série de atos desumanos que culminou na Segunda Grande Guerra e, posteriormente, no seu suicídio em Berlin.


O fato de Hitler ter caminhado com o Império Nazista pela estrada constitucional deixou flagrante a fragilidade da Constituição Alemã de 1919 (Constituição de Weimar). Óbvio ululante que nenhuma ordem jurídica, por mais rígida que fosse, seria páreo para a determinação de Hitler. Mas uma ordem jurídica menos frágil poderia dificultar a ascensão do nazismo e, ainda, evitar o mal estar de ver enormes atrocidades praticadas sob manto Constitucional.


A flexibilidade da Constituição de Weimar era, em parte, fruto do pensamento do início do século XX de que Constituições excessivamente rígidas geravam insegurança. O pensamento era uma resposta à história constitucional norte-americana, repleta de crises deflagradas justamente pela dificuldade de alterar a Constituição (a guisa de exemplo, a sua excessiva rigidez havia dificultado a abolição da escravatura e contribuído para Guerra da Secessão).


Assim, após a Segunda Grande Guerra, foi posta em pauta a possibilidade de parte da Constituição ser retirada da esfera de deliberação dos poderes constituídos. Ou seja: ao invés da Constituição ser de difícil alteração, como a Americana, passaria a ter um núcleo com proteção especial.


Com essa idéia, buscou o constituinte alemão de 1949 estabelecer limites constitucionais intransponíveis voltados à proteção de princípios e instituições básicas do Estado de Direito.


Surge um novo modelo de Constituição, que, além um processo mais dificultoso para a sua alteração, protege certas cláusulas, denominadas "pétreas", contra emendas que busquem aboli-las (ainda que votadas pela maioria do Congresso).


Essas cláusulas pétreas protegeriam o núcleo da Constituição contra quaisquer movimentos surgidos em momentos de forte clamor popular, quando a razão cede espaço à emoção. Assim, não haveria possibilidade do nazismo retornar ao poder pelas vias legais, restando-lhe, apenas, a hipótese de um golpe.


No Brasil, o inigualável Geraldo Ataliba abraçou tal idéia, afirmando inclusive que, mesmo no silêncio de uma Constituição, alguns dos seus aspectos podem ser vistos como impossíveis de ser alterados. No caso brasileiro, antes mesmo da Constituição de 1988, defendia que a República e a Federação constituíam princípios "rigidíssimos", eis que protegidos até mesmo contra emendas votadas por maioria no Congresso.


De fato, razoável admitir que uma Constituição possua um núcleo que resguarde sua essência, de modo que sua existência seria vital à sua harmonia do ordenamento que ela organiza.


O constituinte brasileiro, ao arquitetar a Lei Maior de 1988, sofreu nítida inspiração do constitucionalismo alemão pós-guerra, dispondo no art. 60, §4º, que "não será objeto de deliberação de proposta de emenda tendente a abolir: a forma federativa de Estado (I); o voto direito, secreto universal e periódico (II); a separação de poderes (III) ou os direitos e garantias individuais (IV)".


Assim, certos debates sobre alteração da nossa Lei Maior devem ser vistos com o máximo de cautela, vez além de inócuos, por buscarem abolir cláusulas pétreas, importariam em verdadeira falência da ordem constitucional de 1988.


Exemplo é o da PEC n.º 01, apresentada no dia seguinte ao da promulgação da nova Carta Política, na qual pretendia-se emendar o texto magno para abraçar a pena de morte, o que iniciaria processo de desmoronamento dos direitos e garantias previstos na Constituição.


Finalmente, registre-se breve crítica à expressão "cláusulas pétreas", vez que fornece a idéia de que tais cláusulas estariam "petrificadas" e, portanto, protegidas contra qualquer espécie de alteração. Ora, conforme ensinou Gilmar Ferreira Mendes no Parecer 77, de 1994, referente à revisão da Constituição Federal, as "cláusulas pétreas" podem ser alteradas desde que a reforma não as suprima nem inicie um processo de erosão da ordem constitucional.

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* Advogado do escritório Siqueira Castro Advogados

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