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Maus pagadores privados

Rogério Medeiros Garcia de Lima

Recentemente criticamos neste espaço a demora das fazendas públicas federal, estaduais e municipais em honrar o pagamento dos precatórios para quitar débitos judiciais.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2004

Atualizado às 07:30

Maus pagadores privados


Rogério Medeiros Garcia de Lima*

Recentemente criticamos neste espaço a demora das fazendas públicas federal, estaduais e municipais em honrar o pagamento dos precatórios para quitar débitos judiciais. O Poder Público, litigante intransigente, abarrota a Justiça brasileira com milhares de processos. Infelizmente, poderosos agentes da iniciativa privada adotam idêntica postura. É o que revelou levantamento estatístico divulgado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Os dados levaram o ministro Nélson Jobim, presidente do Supremo Tribunal Federal, a pregar a adoção de medidas legislativas inibidoras da protelação do andamento de processos.

A triste realidade da Justiça brasileira é o favorecimento aos governos, empresas e cidadãos endinheirados. As enferrujadas leis de processo permitem um sem número de manobras que atrasam o final de uma demanda. É irracional e inverossímil a quantidade de recursos permitidos aos tribunais superiores. A decisão de um juiz de primeira instância nada vale. É só figuração.

Quem tem maior poder econômico protela o quanto pode o desfecho de uma ação. Poderá recorrer até a quarta instância. Nesse percurso, chega-se ao absurdo de haver, em um único processo, mais de vinte recursos com nauseantes denominações. Embargos declaratórios, agravo de instrumento, agravo regimental, apelação, embargos infringentes, embargos de divergência, recurso em sentido estrito, carta testemunhável, protesto por novo júri, correição parcial, uniformização de jurisprudência, recurso ordinário, recurso de revista, recurso especial, recurso extraordinário e outros mais. A permissividade é tamanha que, se não tiver um recurso disponível, a parte entra com "recurso inominado".

Hoje se tornou bastante vantajoso protelar ao máximo o pagamento de dívidas aos consumidores e trabalhadores. Uma das causas determinantes dessa conduta são os baixos juros incidentes sobre débitos judiciais. Se o comum dos mortais dever a um banco, pagará juros estratosféricos e diversos outros acréscimos. No Brasil, a taxa dos juros bancários tem ultrapassado o percentual anual de 150%. Em situação inversa, bancos e empresas pagam juros bem inferiores, quando arcam com débitos judiciais.

O Código Civil de 1916 estipulava juros legais de 0,5% ao mês ou 6% ao ano. Se formos estipular juros em contratos, a Lei da Usura somente permite o dobro da taxa legal. Logo, os juros só podiam ser contratados em patamares máximos de 1% ao mês ou 12% ao ano. O Código Civil de 2002 mandou aplicar aos juros legais a "taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional" (artigo 406). Serão de 1% ao mês ou 12% ao ano (artigo 161, *1º, do Código Tributário Nacional). Aplicados os limites da Lei da Usura, chegaremos aos patamares máximos de 2% ao mês ou 24% ao ano.

Negócio da China. Com essas taxas, compreendemos facilmente porque muitas empresas são maus pagadoras de débitos declarados pela Justiça. É melhor especular com o valor da dívida na "ciranda financeira". O cidadão credor fica a ver navios. Desavisado, xinga o juiz.

Para o processualista paranaense Luiz Guilherme Marinoni (in A Antecipação da Tutela, 1998), a morosidade dos processos constitui o principal problema da Justiça civil em nosso País. O procedimento ordinário é injusto com as partes mais pobres, que não podem esperar, sem dano grave, a realização dos seus direitos. A demora no processo, na verdade, sempre lesou o princípio da igualdade. A tão festejada reforma do Poder Judiciário, até aqui, não se move para solucionar tamanha distorção.

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*Juiz de Direito, membro do IAMG - Instituto dos Advogados de Minas Gerais







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