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Peticionamento eletrônico: avanço ou retrocesso?

Advogado formado há mais de vinte anos, sem contar o período de estágio. Durante todo esse período nunca me foi solicitada a apresentação ou anexação de cópia da Carteira da OAB ou qualquer tipo de comprovação de minha habilitação profissional.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Atualizado em 24 de fevereiro de 2010 13:19


Peticionamento eletrônico: avanço ou retrocesso?

Marcelo Claudio do Carmo Duarte*

Advogado formado há mais de vinte anos, sem contar o período de estágio. Durante todo esse período nunca me foi solicitada a apresentação ou anexação de cópia da Carteira da OAB ou qualquer tipo de comprovação de minha habilitação profissional.

Agora, porém, querem exigir do advogado, comprovação de que é advogado para que possa peticionar eletronicamente.

Explico.

Trata-se da Resolução 219, de 22 de janeiro de 2010 (clique aqui) do E. TRF da 3ª região que dispõe sobre o uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, que no artigo 3º dispõe que "a assinatura nas peças processuais eletrônicas será exclusivamente com certificação digital, em conformidade com a infra-estrutura de Chaves Públicas do Brasil, ICPBrasil, nos termos do artigo 1º, § 2º, III, 'a', da Lei 11.419/06 (clique aqui), e da Medida Provisória 2.200-2 (clique aqui)".

A aberração vem no parágrafo único do supra transcrito artigo 3º que sentencia que "os advogados deverão utilizar exclusivamente o certificado digital emitido pela ICP-OAB".

Ora, eu tenho certificado digital expedido pela AASP, mas o TRF da 3ª Região me diz que esse não vale. Mesmo sendo um certificado válido pela Lei Federal que trata do assunto (que no caso é uma Medida Provisória 2.200-2). Aí então terei que comprar outro emitido pela OAB. Eu e todos os demais advogados que não possuem certificado digital emitido pela ICP-OAB.

Nenhuma outra ICP tem validade para o TRF da 3ª região. Só a da OAB.

Isso significa que os advogados somente poderão utilizar, no exercício da profissão, certificado digital emitido pelo ICP-OAB? Não se estaria aqui criando uma reserva de mercado ilegal como qualquer outra reserva de mercado?

O paralelo que tracei no início deste artigo é real. Nunca precisei juntar cópia ou apresentar minha carteira da OAB para distribuir uma ação ou para protocolar uma petição que estivessem assinadas por mim e nesses mais de vinte anos de atuação nunca questionaram minha capacidade postulatória.

Nunca nenhuma magistrado me convocou para comprovar minha profissão, nem sequer me foi determinada a juntada da cópia da carteira da OAB ou apresentação de certidão para a execução de qualquer ato judicial.

Mas agora, num verdadeiro retrocesso, tenho que comprovar ao TRF da 3ª região que sou advogado, pois só advogado pode ter certificado digital emitido pela ICP-OAB. Ah! Desde que o advogado esteja em dia com os cofres da entidade, é claro.

Não faço aqui crítica à OAB nem aos defensores da medida que afirmam que somente a OAB tem competência para dizer quem é ou não advogado, mas defendo o direito do advogado de adquirir, comprar o seu certificado na autoridade certificadora que melhor lhe aprouver (OAB, AASP, Imprensa Oficial, Serasa, etc.) e pelo preço que for mais condizente com sua capacidade financeira.

A propósito da questão financeira da medida, facilmente se vê o prejuízo ao advogado, pois, exemplificativamente, na AASP o kit de certificação digital (Certificado Digital ICP-Brasil tipo A3, com validade de três anos + cartão inteligente + leitora de cartão inteligente) será fornecido aos associados da AASP pelo valor de R$ 99,001, enquanto que na OAB/SP o mesmo kit custa R$240,002.

É como se o Tribunal me dissesse que eu devo entrar no Fórum de terno, mas esse que esse terno deverá ser um Armani!

Questiono a constitucionalidade e a legalidade da predita Resolução do TRF da 3ª região (e de todos os demais Tribunais que fazem tal absurda exigência).

A matéria é regida basicamente pela MP 2.200-2 e pela lei 11.419/06 (clique aqui) e nenhuma dessas duas normas exigem que as assinaturas digitais nos atos processuais sejam feitas através de certificados emitidos por esta ou aquela certificadora.

Nesse sentido, o artigo 1º, § 3º, letra 'a' da lei 11.419/06, mencionado na Resolução, afirma simplesmente que se considera assinatura eletrônica a assinatura digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma de lei específica, que no caso é a Medida Provisória 2.200-2. Ou seja, pela Lei que trata do processo e do peticionamento eletrônico basta que o certificado seja emitido por uma autoridade certificadora credenciada e não especificamente pela ICP-OAB.

A li 11.419/06 exige apenas para fins de peticionamento eletrônico o credenciamento prévio no Poder Judiciário, apesar de ainda assim considerar tal exigência esdrúxula, pois também nunca precisei me credenciar previamente para atuar como advogado em qualquer comarca do País e já mandei muita petição para ser protocolada por Sedex e fax.

E pelo jeito nunca mais vou poder fazer isso quando (e se) o processo eletrônico estiver totalmente implantado no País, pois dificilmente vou poder (ou querer, pois quem vai pagar a conta?) me deslocar até o Poder Judiciário de qualquer outro Estado da Federação apenas para fazer um desnecessário credenciamento que já foi obrigado a fazer pessoalmente quando adquiri meu certificado digital da AASP.

Outro argumento para ser contra a exigência de utilização do certificado do ICP-OAB é que essa mesma Resolução, em seu artigo 2º. obriga o usuário ao credenciamento prévio com a apresentação do documento de inscrição na OAB na sede do Tribunal (os colegas de outras Comarcas ou de outros Estados vão ter que gastar um pouco, mas será um prazer recebê-los para um café).

Nisso, louvo e aplaudo a Justiça do Trabalho pois nele envio minhas petições eletronicamente, sem qualquer cadastro prévio, mediante simples assinatura digital do meu cartão e leitora que estão sempre ao meu lado na mesa de trabalho. Às vezes dá um trabalhinho pois nem todos os sítios dos Tribunais aceitam o browser de software livre que utilizo (firefox), exigindo a utilização do Internet Explorer, apesar da li 11.419/06 determinar o contrário.

Como se não bastasse, o TRF da 3ª rgião se superou no § 6º do artigo 7º da Resolução em comento, ao determinar que a consulta e visualização das petições eletrônicas protocolizadas pela internet será acessível apenas ao advogado signatário! Ora, qual a lógica disto? Quer dizer que eu só posso ver as minhas petições? Isso eu vejo no meu computador. O que eu quero mesmo é ver a petição da parte contrária, os despachos e decisões judiciais, os laudos periciais.

A deliberação, no meu modo de ver, é ilógica frente ao princípio do processo eletrônico proposto pela li 11.419/06.

Ilógica também é a determinação do artigo 8º da Resolução que determina que as petições eletrônicas de substabelecimento, com ou sem reserva de poderes, resultarão em inclusão/exclusão dos advogados nos registros informatizados dos sistemas processuais em uso no âmbito da Justiça Federal da 3ª rgião. Ahn? O que isso quer dizer? Se entendi bem, se eu substabelecer a um colega eu serei excluído do sistema? Bem, como não entendi, prefiro não comentar.

Enfim estas são algumas considerações que certamente servirão e servem de críticas (sempre construtivas) a outros Tribunais e um apelo para que o CNJ regularize, regulamente e principalmente padronize o processo e o peticionamento eletrônico do País.

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1 Clique aqui acessado em 12 de fevereiro de 2009.

2 Clique aqui acessado em 12 de fevereiro de 2009

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*Sócio da Hodama, Duarte & Chiachio Advogados Associados





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