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Uns e Outros

Quando a divergência, muitas vezes dissimulando arrogância, não encontra razão para abater a ideia em confronto logo diz que o outro está é doido e, numa falsa generosidade, aduz - manda internar.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Atualizado em 28 de abril de 2010 11:15


Uns e Outros

Edson Vidigal*

Quando a divergência, muitas vezes dissimulando arrogância, não encontra razão para abater a ideia em confronto logo diz que o outro está é doido e, numa falsa generosidade, aduz - manda internar.

A Inquisição tinha um catálogo de penas para os condenados por heresias, aqueles que por palavras ou atos ousassem desvios dos parâmetros da fé religiosa, monopolizada pelo catolicismo de então.

Para o Santo Ofício a verdade brotava da confissão do acusado, obtida mediante tortura física impiedosa até não ter como doer mais.

As penas variavam entre remar nas galés até a morte, que nem os escravos, a serem queimados vivos numa fogueira em praça pública.

Para tudo aquilo inerente aos desvios alusivos à fé, o Tribunal da Inquisição do Santo Ofício tinha uma providência previsível.

Mas foi só um acusado, na Bahia, duvidar do Juízo Final e os meritíssimos do inclemente Tribunal regional, sem pensarem muito, foram logo carimbando - isso é loucura, manda internar.

Deriva daí os manicômios judiciários, de onde os condenados por loucura não podiam nunca mais sair.

Chamar alguém de louco é a maneira mais simples de, com medo da lógica das suas ideias, tangenciá-la do debate. O preconceito cuida do resto - quem é que vai perder tempo com um louco? Nunca siga um doido porque não se sabe onde ele vai chegar.

Para muitos, loucura é a proposta ousada que, aparentemente na contramão das conformidades gerais, afronta a quietude das coisas porque medrosos, conformados com as mesmices, não conseguem enxergar os sinais dos novos tempos porque são hereges a renegarem a fé nas esperanças de mudanças que estão cada vez mais próximas.

É verdade que precisamos de mais loucos encegueirados nessa chama de mudanças para melhor, ainda neste nosso tempo.

Olhando ligeiramente pelo retrovisor da história vemos Galileu dizendo que a terra se movia, Pasteur garantindo que os micróbios causavam as doenças, Colombo se dispondo a provar que a terra era redonda, Santos Dumont teimando em voar numa engenhoca mais pesada que o ar. Todos loucos.

Mais recentemente, as Mães da Praça de Maio, chamadas de La Locas, em Buenos Aires, incansáveis nas cobranças a ditadura militar, reclamando pelos filhos desaparecidos na repressão política, conseguiram uma Comissão da Verdade, mas não pararam.

As Loucas da Praça de Maio hoje tem uma estação de rádio pela qual propagam os ideais de democracia e uma Universidade onde a ênfase no ensino é para os direitos humanos.

Louco é o Povo inteiro quando irrompe em auroras de revoluções e, só assim, em várias formas, avança em conquistas civilizatórias.

Ai dessa gente, que ainda pensa que pode tudo, quando esse Povo, que anda por aí olhando de lado e um tanto calado, erguer a voz de mostrar que pode mais!

Ninguém subestime a força vulcânica do Povo. Suas lavas são implacáveis. O Povo é o único autor e protagonista da História. Da sua verdade reveladora ninguém se esconde. Do julgamento da sua História ninguém escapa.

Então, gente, é bom saber que a estas alturas tem muito doido, inclusive eu, imaginando saudáveis loucuras para este nosso tempo.

Afinal, como lembrava Bernard Shaw, só os que se acham donos de um conveniente bom senso insistem em aceitar as coisas do jeito que elas continuam sendo, e só os loucos é que tentam modificar o mundo. E assim, concluía - portanto todo o progresso depende dos loucos.

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*Ex-Presidente do STJ e Professor de Direito na UFMA





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