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O trabalho e a produção

Há dias, o historiador marxista Eric Hobsbawn, durante entrevista, formulou uma inquietante pergunta: "como compatibilizar o desejo do ser humano de preservação e estabilidade com o aumento necessário e geométrico da produção?"

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Atualizado em 27 de maio de 2010 14:03


O trabalho e a produção

Francisco de Assis Chagas de Mello e Silva*

Há dias, o historiador marxista Eric Hobsbawn, durante entrevista, formulou uma inquietante pergunta: "como compatibilizar o desejo do ser humano de preservação e estabilidade com o aumento necessário e geométrico da produção?"

Os primeiros sinais desse conflito no Brasil vêm surgindo aqui e acolá. No campo, o sucesso do agro negócio assombra e surpreende os simpatizantes dos médios e pequenos agricultores. Os números resultantes da eficácia do primeiro em confronto aos demais conduz a um abismo entre eles. Como ser politicamente correto com desempenho tão expressivo? Pior. Melhor. Os grandes agricultores perceberam que é muito mais seguro e lucrativo cumprir a lei ambiental e, pouco a pouco, deixam, menos por virtude e mais por esperteza, de degradar a terra. Assim, a competição desigual acarreta também para os pequenos e médios proprietários uma irremediável desestabilização.

As indústrias, o comércio, a prestação de serviços, a construção civil, os negócios financeiros, enfim, as múltiplas empresas de toda a sorte, enfrentam, ou enfrentarão questões semelhantes. A rotatividade do emprego tende a crescer em todos os segmentos.

A Justiça do Trabalho não está preparada para hoje, o que dirá amanhã.

O fundado receio da sua extinção resultou numa legislação repleta de tolos tecnicismos e filigranas processuais de toda a sorte em busca de alguma densidade intelectual. Na verdade, esta não foi alcançada e a colcha de retalhos elaborada com normas, provimentos, disposições, súmulas, enunciados, etc., permaneceu em retalhos.

Mas isso também nada significa. A revolução vem sendo feita silenciosamente no âmbito da sociedade em geral. Os testes vocacionais perderam a relevância de outrora. No nosso círculo de atividade, os bacharéis preparam-se vorazmente para concursos. Qualquer concurso. Pouco importa se serão defensores, delegados, representantes do Ministério Público, procuradores, advogados da União, juízes etc. Caso sejam reprovados para ocupar tais cargos, deverão submeter-se a certames para o Banco do Brasil, para o Bndes, para Furnas, para a Comlurb, para o Itamaraty, para os Correios.

O desejo de estabilidade se sobrepõe a qualquer outro interesse. De outro lado, os pais de classe média - alta - somam pressões sobre seus filhos para uma infinidade de tarefas: o aprendizado da informática no seu mais abrangente limite, quatro ou cinco idiomas, aí incluídos mestrado e doutorado no estrangeiro, para depois verem sobressair esses jovens na frenética corrida do sucesso profissional.

Serão esses os príncipes do mundo, mas o cetro e a coroa provavelmente lhes serão subtraídos pelos novos que virão ainda mais preparados sobre lições e matérias até aqui desconhecidas, mas que terão toda a relevância no mundo embora sequer se saiba agora do que tratam.

O empregado exemplar hoje contratado, cumpridor de suas obrigações, pontual, aplicado, tecnicamente exímio, responsável, poderá, amanhã, simplesmente não evoluir no mesmo prazo de tempo exigido pela produção e tornar-se um empregado insatisfatório e dispensável. Apesar de todas as virtudes pessoais terem sido por ele mantidas, não serve mais para a empresa para a qual trabalha porque a velocidade tecnológica desta última suplanta em muito a sua capacidade intelectiva. O contrato de trabalho deste empregado pode ser rescindido por incúria, ou se pode atribuir culpa ao empregador por exigir prestação de serviços superiores à sua força?

A extinção do nepotismo premiou a excelência. Mas a extinção do nepotismo também significou o afunilamento e a segregação da excelência. Na verdade, consiste em uma ação afirmativa às avessas. Premiam-se os melhores e mais brilhantes.

Os demais devem submeter-se aos rígidos códigos naturais de sobrevivência.

O legislador se vê fazendo o trabalho de Deus. Aquela história de se tratar desigualmente os desiguais perde a expressão em confronto à necessidade da produção em face da demanda. Há que saciar a todos num mundo que não para de crescer. O argumento não admite resposta razoável. Então, que tal uma pergunta: o que irá a Mãe Terra reservar para nós, homens comuns, medíocres, indigentes intelectuais, pobres de espírito, indolentes, nós que somos bilhões?

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*Advogado do escritório Candido de Oliveira - Advogados









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