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A MP 495 e as alterações na legislação sobre licitações

As recentes alterações produzidas pela MP nº 495 reintroduziram no Brasil preferências nacionais nas licitações. Muitos aspectos ainda dependerão de regulamentação, mas existe um limite objetivo de até 25% para a vantagem que se pode estipular em favor de empresas estabelecidas no Brasil ou que cumpram determinados índices de nacionalização.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Atualizado em 26 de agosto de 2010 11:04


A MP 495 e as alterações na legislação sobre licitações

Cesar A. Guimarães Pereira*

1. Introdução

As recentes alterações produzidas pela MP 495 (clique aqui) reintroduziram no Brasil preferências nacionais nas licitações. Muitos aspectos ainda dependerão de regulamentação, mas existe um limite objetivo de até 25% para a vantagem que se pode estipular em favor de empresas estabelecidas no Brasil ou que cumpram determinados índices de nacionalização. O tema é relevante especialmente diante da expressiva quantidade de investimentos governamentais que se prevê para o futuro próximo no Brasil, também - mas não apenas - relacionados com a Copa do Mundo de 2014 e com as Olimpíadas de 2016 no Rio.

A nova legislação (MP 495, de 19/7/10) altera o tratamento tradicional dado pelo regime aplicável às licitações no Brasil, baseado em rigorosa igualdade entre licitantes estrangeiros e nacionais. Juntamente com outros diplomas (MPs 488 - clique aqui e 489 - clique aqui) recentemente editados para regular as licitações vinculadas àqueles eventos esportivos internacionais, a MP 495 promete atrair a atenção de empresas estrangeiras interessadas no mercado de licitações do Brasil para as vantagens de um determinado nível de investimento direto no Brasil.

2. Antecedentes

O direito brasileiro já contempla o favorecimento de uma determinada categoria de licitantes, as empresas de pequeno porte e as microempresas (LC 123 - clique aqui). Esse benefício é baseado na suposição de que tais empresas são sediadas no Brasil. A MP 495 favorece o desenvolvimento nacional e produtos e serviços produzidos no Brasil, mas não elimina possíveis joint ventures ou parcerias entre empresas estrangeiras e brasileiras.

Além disso, tal como no recente pacote de estímulo dos EUA, a MP 495 prevê que qualquer vantagem dada a empresas brasileiras deve ser estendida aos signatários de tratados internacionais sobre compras governamentais assinados e ratificados pelo Brasil. Até o momento, isto significa apenas o tratado doMercosul, pois o Brasil não é signatário do GPA da World Trade Organization.

3. Mudanças específicas

A MP 495 alterou a lei 8.666/93 (clique aqui) em diversos tópicos.

O artigo 3º da lei 8.666 agora prevê que o processo licitatório se destina a "garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional". Este dispositivo é complementado pelo § 1º, I, do artigo 3º, o qual proíbe "preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato". A regra expressamente ressalva as preferências previstas nos §§ 5º a 12 do art. 3º da lei 8.666, na redação da MP 495, e no art. 3º da lei 8.248/91 (clique aqui).

O art. 3º, § 2º, da lei 8.666 foi mudado para incluir novos critérios de desempate. No caso de empate, será dada preferência a produtos e serviços (i) feitos no Brasil, (ii) feitos ou prestados por empresas brasileiras, ou (iii) feitos ou prestados por empresas que invistam em pesquisa e no desenvolvimento de tecnologia no Brasil, nesta ordem. Se estes critérios não forem suficientes para o desempate, haverá o desempate por sorteio (artigo 45, § 2º, da lei 8.666).

A MP 495 também inseriu os §§ 5º a 12 do artigo 3º da lei 8.666. No seu § 5º, o art. 3º prevê que "poderá ser estabelecida margem de preferência para produtos manufaturados e serviços nacionais que atendam a normas técnicas brasileiras". A margem de preferência deve ser determinada após estudos que definam critérios baseados em "geração de emprego e renda", "efeito na arrecadação de tributos federais, estaduais e municipais" e "desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no País". Contudo, o § 9º permite à Administração desconsiderar tais preferências "quando não houver produção suficiente de bens manufaturados ou capacidade de prestação dos serviços no país".

Outro ponto em que a MP 495 se afasta da disciplina tradicional das licitações no Brasil é o § 11 do art. 3º. A lei 8.666 há muito previa que era "vedado incluir no objeto da licitação a obtenção de recursos financeiros para sua execução, qualquer que seja a sua origem, exceto nos casos de empreendimentos executados e explorados sob o regime de concessão, nos termos da legislação específica". Agora, o § 11 do art. 3º prevê o contrário e inclui a possibilidade de os editais exigirem do contratado que "promova, em favor da administração pública ou daqueles por ela indicados, medidas de compensação comercial, industrial, tecnológica ou acesso a condições vantajosas de financiamento, cumulativamente ou não".

O artigo 3º, § 12, prevê a existência de licitações específicas nas quais a competição "poderá ser restrita a bens e serviços com tecnologia desenvolvida no país e produzidos de acordo com o processo produtivo básico de que trata a lei 10.176 (clique aqui), de 11 de janeiro de 2001."

O artigo 6 da lei 8.666 contém as definições. A MP 495 incluiu algumas novas definições: produtos manufaturados nacionais (art. 6º, XVII), serviços nacionais (art. 6º, item XVIII) e sistemas de tecnologia de informação e comunicação estratégicos

O novo inciso XXXI do artigo 24 prevê a dispensa de licitação (contratação direta) nas contratações que derem cumprimento aos artigos 3, 4, 5 e 20 da lei 10.973/04 (clique aqui). Esta lei contém uma série de medidas destinadas a promover o desenvolvimento brasileiro por meio de um estímulo a processos tecnológicos altamente qualificados.

O artigo 57 trata do prazo dos contratos. O novo prazo pode ser de até 120 meses (elevando-se, portanto, dos 60 meses atuais) em casos específicos: contratos do setor de defesa e segurança (artigo 24, incisos IX, XIX e XXVIII) e de algumas áreas de tecnologia (artigo 24, inciso XXXI).

O art. 2º da MP 495 expressamente aplica as novas disposições ao pregão.

4. Comentários recentes

A nova legislação vem sendo amplamente discutida por especialistas internacionais. TOM BUSCHMANN, profissional atuante em licitações no Reino Unido, manifestou interessante opinião sobre os efeitos da MP 495:

Isto tem implicações significativas, considerando a disseminação de entidades públicas na economia brasileira, o tamanho e o crescimento da economia, a juventude de sua população e sua vontade de experimentar novos produtos e serviços.

Esta legislação estabelece uma opção explícita para o Governo Federal definir projetos ICT estratégicos que precisam ser controlados/desenvolvidos/apoiados por recursos brasileiros, o que é compreensível. Estabelece ainda que para todos os demais produtos e serviços há um limite para a discriminação de empresas estrangeiras, definindo que as entidades governamentais poderão exigir de empresas estrangeiras que sejam 25% ou mais competitivas em preço que as empresas nacionais, mas não mais. E esta discriminação precisa ser amparada em estudos de mercado.

Portanto, empresas estrangeiras precisarão ser tratadas com igualdade em relação a empresas brasileiras que sob certas circunstâncias poderiam oferecer seus serviços no máximo 25% mais caros do que os de tais firmas estrangeiras. Isto é justo quando se percebe que as exportações para o Brasil em geral não exigem que o exportador recolha IVA, mas as empresas brasileiras são obrigadas a pagar ICMS (um IVA cobrado pelo Estado), com a alíquota média de 20%.

Na prática, empresas estrangeiras poderiam facilmente ser competitivas em preço, dependendo da sua visão acerca da taxa de câmbio do real brasileiro, seu acesso a capital estrangeiro de menor custo e a dimensão dos impostos de importação. Imagine-se uma empresa que tenha um produto suficientemente único: quando opera a partir de outro país do Mercosul, quando estabelece uma parceria com uma empresa brasileira ou mesmo quando opera de fora do Mercosul e simplesmente com preço competitivo em reais brasileiros: o que poderia ser contra receitas e margens crescentes em função das oportunidades possibilitadas pelo governo brasileiro?

(PEPPOL - Pan-European Public Procurement Online, em LinkedIn, acesso em 17 de agosto de 2010)

O mesmo site exibe a opinião de TIM MCGRATH, para quem a nova legislação irá "penalizar empresas estrangeiras de menor porte (que não têm condições de instalar-se no Brasil) que participem de licitações. Parece mais uma barreira que um incentivo. Como tais organizações menores tendem a oferecer soluções inovadoras, esta situação também pode não vir ao encontro do interesse do Brasil".

Como mencionado acima, a solução para esta preocupação pode ser a criação de joint ventures ou parcerias entre pequenas empresas estrangeiras e empresas locais. Além disso, a nova disciplina de fato introduz regras mais claras sobre preferências nacionais, como indica BUSCHMAN. O artigo 42, § 4º, da lei 8.666 já estabelece que "Para fins de julgamento da licitação, as propostas apresentadas por licitantes estrangeiros serão acrescidas dos gravames conseqüentes dos mesmos tributos que oneram exclusivamente os licitantes brasileiros quanto à operação final de venda". Esta regra sempre foi muito criticada e reputada inaplicável em face da ausência de uma norma geral estabelecendo a possibilidade de a licitação ser utilizada como instrumento para a promoção do desenvolvimento nacional, ainda que isto implicasse a celebração de contratos com um custo mais elevado (v. MARÇAL JUSTEN FILHO, Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 14ª ed., Dialética: São Paulo. 2010, comentários ao art. 42, §§ 3º e 4º). Esta dificuldade é resolvida agora com a edição da MP 495.

Os efeitos da MP 495 também são examinados por MARÇAL JUSTEN FILHO no item 8.7.1.5 do seu Curso de Direito Administrativo, 6ª edição, 2011, ed. Fórum, Belo Horizonte.

5. Conclusões

A MP 495 ainda exigirá extensa regulamentação, por meio de decreto a ser proximamente editado. Porém, já é um passo ousado no caminho da criação de preferências nacionais nos processos licitatórios, uma característica que o direito brasileiro havia eliminado na década de 1990 por meio de alterações constitucionais e legais.

Uma característica interessante da nova legislação é a sua preocupação em preservar os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil com relação a compras governamentais. Espera-se que a estipulação de preferências nacionais e esta clara manifestação em favor dos compromissos internacionais causem intenso debate no Brasil. Muitos devem perceber este como um momento adequado para intensificar a discussão sobre a ratificação do acordo sobre compras governamentais do Mercosul e a assinatura e ratificação, pelo Brasil, do acordo correspondente no âmbito da OMC.

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  • Bibliografia

PEREIRA, Cesar A. Guimarães. A MP nº 495 e as alterações na legislação sobre licitações. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, nº 42, agosto 2010, disponível emhttps://www.justen.com.br//informativo.php?informativo=42&artigo=458, acesso em 25/08/2010.

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*Advogado do escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Advogados Associados









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