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Cooperativismo médico e complementação ao Serviço Único de Saúde: legítima relação

As cooperativas de trabalho médico instituíram-se com permissivo no art. 5º, XVIII, e art. 174, § 2.º, da Constituição Federal e nos termos da lei 5.764/71, com o propósito de facilitar o exercício profissional dos seus associados, apondo-se no mercado como uma única voz.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Atualizado em 4 de março de 2011 14:38

Cooperativismo médico e complementação ao Serviço Único de Saúde: legítima relação

Renato Lúcio de Toledo Lima*

A sociedade cooperativa "não se destina a remunerar o capital, mas sim o esforço de cada pessoa" (Cf. BECHO, Renato Lopes, Elementos de Direito Cooperativo, Dialética, 2002, p. 32).

A via cooperativista, no atual cenário de crise capitalista depois de mais de uma década de ruína do comunismo, habilita-se como alternativa que merece prestígio.

O incriticável luminar do Direito Cooperativo Renato Lopes Becho1 primeiro conceitua as cooperativas como "sociedades de pessoas, de cunho econômico, sem fins lucrativos, criadas para prestar serviços aos sócios de acordo com princípios jurídicos próprios e mantendo seus traços distintivos intactos", e depois, ao falar do objetivo da cooperação, diz que quando se fala em cooperação "tem-se em mente a união de pessoas com desejos semelhantes, buscando facilitar uma tarefa, a consecução de uma meta mais facilmente, etc.", e que em sede de cooperativa, "uma das formas de cooperação, o objetivo imediato é a união de pessoas para obter uma vantagem econômica para todos os membros do grupo que se uniu". Continua: "Essa vantagem econômica advém da eliminação de um ou mais intermediários do processo produtivo, fazendo com que a riqueza que esta alcançava, muitas vezes maior do que a do produtor, venha a compor o patrimônio pessoal do cooperado".

Reitere-se que quando a sociedade cooperativa age no cumprimento do objetivo social ela o faz como longa manus dos cooperados.

As cooperativas de trabalho médico instituíram-se com permissivo no art. 5º, XVIII, e art. 174, § 2º, da Constituição Federal (clique aqui) e nos termos da lei 5.764/71 (clique aqui), com o propósito de facilitar o exercício profissional dos seus associados, apondo-se no mercado como uma única voz.

A ideia de serviço público sofreu significativa modificação em seu conteúdo e forma. Nesse diapasão, a Emenda Constitucional 19 de 1998 (clique aqui) adicionou o vocábulo "eficiência" como mais um dos princípios norteadores da Administração Pública. A Administração Pública assemelhou-se, por um tênue divisor, à iniciativa privada no que concerne à prestação de seus serviços. A disciplina sobre a prestação do serviço de saúde, hodiernamente municipalizado, atribuiu aos Municípios enorme responsabilidade, sobretudo impulsionada pelo princípio da eficiência.

A contratação direta pela Administração Pública tornar-se-ia inviável, como a impossibilidade do incremento do quadro de pessoal em observância ao disposto na lei complementar 101/2000 (lei de Responsabilidade Fiscal - clique aqui) e a reduzida remuneração paga pela Administração, a desestimular o exercício da atividade.

Além disso, a realidade dos Municípios brasileiros muitas vezes remonta a diversos concursos públicos frustrados, ou seja, que sequer têm completas as inscrições, o que se explica no fato de haver poucos profissionais dispostos a habitar cidades pequenas na qualidade de servidores municipais.

Nesse passo, emergiu a possibilidade de contração, através de licitação pública, de sociedade que preste serviços na área de saúde, complementando assim o quadro de serviços prestados pelas municipalidades.

A Constituição Federal em seu art. 199 assim preceitua:

"Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

§ 1.º. As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos." (grifou-se)

A saúde não é serviço público que demanda execução direta, eis que a própria Constituição Federal previu a colaboração da iniciativa privada. Valioso o escólio de Maria Sylvia Zanella Di Pietro ao comentar o sobredito art. 199 da Constituição Federal:

"(...) o que pode o Poder Público é contratar instituições privadas para prestar atividades-meio, como limpeza, vigilância, contabilidade, ou mesmo determinados serviços técnicos-especializados, como os inerentes aos hemocentros, realização de exames médicos, consultas, etc.; nesses casos, estará transferindo apenas a execução material de determinadas atividades ligadas ao serviço de saúde, mas não sua gestão operacional". (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parceria na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas. São Paulo: Atlas, 1996. p.109).

A lei 8.080/90 (clique aqui), que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, em seus art. 20 a 26 estabelece:

TÍTULO III

DOS SERVIÇOS PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA Á SAÚDE

CAPÍTULO I

Do Funcionamento

Art. 20. Os serviços privados de assistência à saúde caracterizam-se pela atuação, por iniciativa própria, de profissionais liberais, legalmente habilitados, e de pessoas jurídicas de direito privado na promoção, proteção e recuperação da saúde.

Art. 21. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

Art. 22. Na prestação de serviços privados de assistência à saúde, serão observados os princípios éticos e as normas expedidas pelo órgão de direção do Sistema Único de Saúde (SUS) quanto às condições para seu funcionamento.

Art. 23. É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou de capitais estrangeiros na assistência à saúde, salvo através de doações de organismos internacionais vinculados à Organização das Nações Unidas, de entidades de cooperação técnica e de financiamento e empréstimos.

§ 1.º Em qualquer caso é obrigatória a autorização do órgão de direção nacional do Sistema Único de Saúde (SUS), submetendo-se a seu controle as atividades que forem desenvolvidas e os instrumentos que forem firmados.

§ 2.º Excetuam-se do disposto neste artigo os serviços de saúde mantidos, em finalidade lucrativa, por empresas, para atendimento de seus empregados e dependentes, sem qualquer ônus para a seguridade social.

CAPÍTULO II

Da Participação Complementar

Art. 24. Quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, o Sistema Único de Saúde (SUS) poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada.

Parágrafo único. A participação complementar dos serviços privados será formalizada mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público.

Art. 25. Na hipótese do artigo anterior, as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos terão preferência para participar do Sistema Único de Saúde (SUS).

Art. 26. Os critérios e valores para a remuneração de serviços e os parâmetros de cobertura assistencial serão estabelecidos pela direção nacional do Sistema Único de Saúde (SUS), aprovados no Conselho Nacional de Saúde.

§ 1.º Na fixação dos critérios, valores, formas de reajuste e de pagamento da remuneração aludida neste artigo, a direção nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) deverá fundamentar seu ato em demonstrativo econômico-financeiro que garanta a efetiva qualidade de execução dos serviços contratados.

§ 2.º Os serviços contratados submeter-se-ão às normas técnicas e administrativas e aos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), mantido o equilíbrio econômico e financeiro do contrato.

§ 3.º (Vetado).

§ 4.º Aos proprietários, administradores e dirigentes de entidades ou serviços contratados é vedado exercer cargo de chefia ou função de confiança no Sistema Único de Saúde (SUS).

A norma em tela denota que a contratação de serviço de saúde pode sim ser adotada por meio de contrato com entidade filantrópica ou sem fins lucrativos, a exemplo das cooperativas, que realizará o atendimento à população.

Logo, a momentânea aversão do Governo paulista à contratação de cooperativas pelo Poder Público não se justifica, sobretudo depois do recente advento da lei 12.349, de 15 de dezembro 2010 (clique aqui). Esse diploma legal foi assertivo quanto à proibição de estabelecer distorções em relação à neutralidade que desprestigiem sociedades cooperativas nas convocações licitatórias, modificando a redação do art. 3.º, § 1.º, inc. I, da lei 8.666/93 (clique aqui) (destaques adicionais):

Art. 3.º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010)

§ 1.º É vedado aos agentes públicos:

I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5º a 12 deste artigo e no art. 3º da Lei n. 8.248, de 23 de outubro de 1991; (Redação dada pela Lei n. 12.349, de 2010)

Veja-se, portanto, quão equivocado era o entendimento vogal no Estado de São Paulo, cujo Governador, aos 21 de junho de 2010, editara o malfadado decreto 55.938 (clique aqui), que vedava a participação, em licitações, de cooperativas nos casos que especifica e dá providência correlata.

A proibição sem cabimento foi esvaziada pela norma interpretativa já mencionada, de amplitude nacional, de 15 de dezembro de 2010.

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1 Tributação das Cooperativas, 2 ed., Dialética, São Paulo, 1999, pp. 80 e 81.

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*Sócio do escritório Fernando Corrêa da Silva Sociedade de Advogados

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