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Código de Processo Civil

Há em curso, na Câmara dos Deputados, projeto de mudança do Código de Processo Civil. Não mera reforma focada a determinados pontos, mas autêntica revolução anunciada ao mundo jurídico-formal, destinada a remeter aos porões da história ferramenta essencial àqueles que se dedicam à aplicação concreta do Direito, e substituí-la por outra nova, de efeitos imprevisíveis.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Atualizado em 19 de abril de 2011 15:55

Código de Processo Civil

Almir Pazzianotto Pinto*

Há em curso, na Câmara dos Deputados, projeto de mudança do Código de Processo Civil. Não mera reforma focada a determinados pontos, mas autêntica revolução anunciada ao mundo jurídico-formal, destinada a remeter aos porões da história ferramenta essencial àqueles que se dedicam à aplicação concreta do Direito, e substituí-la por outra nova, de efeitos imprevisíveis.

Estaríamos em busca do terceiro código no espaço de setenta anos, tempo demasiado exíguo para aqueles que consideram a estabilidade requisito à sedimentação do Direito. Considerando-se, entretanto, a licenciosidade que prevalece no tocante à Lei Maior, não causa espanto a insegurança dominante na esfera infraconstitucional.

O pretexto para a temerária iniciativa é a morosidade, vício conhecido desde o Brasil Colônia, quando, como súditos de Portugal, sujeitávamo-nos às Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, tendo, esta última, vigorado até entrar em vigor o Código Civil de 1916 (clique aqui).

A lentidão da magistratura já havia sido denunciada pelo Padre Antonio Vieira, no século XVII, como se pode ler no Sermão da Terceira Dominga da Quaresma, pregado na Capela Real em 1655. Ruy Barbosa, na Oração aos Moços, referiu-se a magistrados "nas mãos de quem os autos penam como as almas do purgatório, ou arrastam sonos esquecidos como as preguiças do mato".

O pecado do tempo, como o denominava Vieira, resistiu ao Império, à velha República, ao Estado Novo, à redemocratização em 46, ao regime militar, à Constituição de 88, à Emenda 45. De Pedro I, aos dias de hoje, foram oito constituições, três grandes codificações processuais, centenas de alterações pontuais, e incontáveis flutuações da jurisprudência, como se culpada pelo descaso ao tempo fosse a legislação.

Quando assumi a presidência do TST, em agosto de 2000, determinei a imediata distribuição de 140 mil processos que hibernavam em imóveis alugados. A decisão não foi bem compreendida. O passar dos dias, contudo, demonstrou ser acertada, e contribuiu para redução da morosidade. Em dezembro de 2004 viu-se, finalmente, acolhida pela Constituição, mediante a Emenda 45, e hoje figura como inciso XV do art. 93. Ordenei, também, a adoção de numeração única para os processos, e assinei, em março de 2002, convênio com o Banco Central destinado à implantação da penhora eletrônica. Medidas administrativas internas podem oferecer excelentes resultados, como se observa com o processo eletrônico, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.

O Poder Judiciário, por natureza e índole, é conservador. Tende a resistir diante de mudanças que coloquem em perigo velhas e solidificadas rotinas, embora sabidamente atrasadas. O corporativismo, por outro lado, contribui para levantar obstáculos a iniciativas destinadas exigir de juízes indolentes que atentem para o fator tempo. Quem preside tribunal deve saber, como dizia o Padre Vieira, não haver mando mais mal sofrido, nem mais mal obedecido, que dos iguais.

Em meio à polêmica gerada pelo projeto de novo CPC, o Exmo. Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal, e do Conselho Nacional de Justiça, Ministro Cezar Peluso, formula projeto de emenda à Constituição, destinada a permitir a execução de decisões judiciais, logo após o pronunciamento dos tribunais de Segunda Instância. Segundo a Emenda proposta, "a admissibilidade do recurso extraordinário e do recurso especial não obsta o trânsito em julgado da decisão que os comporte". Acrescenta o parágrafo único do sugerido art. 105-A, que "a nenhum título será concedido efeito suspensivo aos recursos, podendo o relator, se for o caso, pedir preferência no julgamento".

Além de interferir no projeto de código em andamento, a Emenda assume o caráter de novíssima reforma do Poder Judiciário. Na prática remete a quase ociosidade o Superior Tribunal de Justiça, encarregado de julgar, em recurso especial, causas julgadas em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou Tribunais de Justiça dos Estados, do Distrito Federal e Territórios. O REsp, como é conhecido, guarda semelhança com o recurso de revista do processo judiciário do trabalho, utilizado diante de violação literal de texto de lei, afronta direta à Constituição, e em prol da preservação da jurisprudência. Seria o TST o próximo alvo de S. Exa.?

Ao permitir a execução definitiva de julgado que admite, em tese, recurso especial, a Emenda Peluso inviabiliza o pleno direito de defesa. Após o pagamento do valor da condenação, em dinheiro, ou com o resultado obtido em praça pública de determinado bem móvel ou imóvel, de que valerá ao prejudicado obter a reforma do acórdão recorrido?

A luta contra a morosidade pode ser levada a efeito sem se ferir o direito de defesa, mediante ação enérgica da corregedoria, modernização dos cartórios, implantação do processo eletrônico em todos os tribunais e instâncias, eliminação das fases mortas, como proposto pelo ministro Luís Felipe Salomão, do STJ.

O brasileiro é judiciarista, assinalou certa vez o ministro Carlos Mário Velloso. Se é defeito, não será com a restrição ao direito de defesa que iremos corrigi-lo.

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*Advogado, ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do TST

 





 

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