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Os terceirizados da vida

Há cerca de nove anos, logo após a eleição do Lula, o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público lhe fazendo coro determinaram às empresas estatais, notadamente as concessionárias de energia, que substituíssem os empregados de empresas terceirizadas por outros que lograssem ser aprovados em concurso público.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Atualizado em 20 de julho de 2011 15:03


Os terceirizados da vida

Francisco de Assis Chagas de Mello e Silva*

"Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo" ..........
"Eu verifico que não tenho par nisto tudo deste mundo"

Fernando Pessoa - in Poema em Linha Reta

Há cerca de nove anos, logo após a eleição do Lula, o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público lhe fazendo coro determinaram às empresas estatais, notadamente as concessionárias de energia, que substituíssem os empregados de empresas terceirizadas por outros que lograssem ser aprovados em concurso público.

A profilaxia da medida, justificada pelo preceito constitucional, mereceu o aplauso da gente brasileira. Tratava-se da extinção do nepotismo e dos empregos de favor.

Doravante, só os felizes e esforçados concorrentes que ultrapassassem as barreiras dos severos exames estariam aptos para preencher os cargos nas companhias do Governo.

No passado recente, houve uma e outra forma de abrandamento da regra no setor público, notadamente no ano de 1994, mas que passaram despercebidas pelos mais diversos segmentos da sociedade.

A explicação para o desproporcional aumento de contratos de terceirização é bastante simples: o Governo Collor tinha o sólido propósito de privatizar as empresas públicas. Assim, proibiu a contratação de novos empregados e, consequentemente, a realização de concursos para tal fim, estimulou demissões, tudo com o intuito de enxugar o quadro de pessoal e tornar mais atrativa a venda das companhias.

A extinção prematura do seu Governo, combinada com a imediata ascensão do Presidente Itamar Franco, sem grande comprometimento com essa política, acarretou a rápida interrupção das medidas liberais então defendidas e mais não se falou em privatizar empresas com o antigo empenho.

Nada obstante, o Brasil é um país de múltiplas reviravoltas na condução das suas diretrizes. Logo depois de tomar posse, o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso reiniciou com ímpar celeridade a política de privatizações das empresas públicas. Adotou a antiga estratégia do Governo Collor mediante a redução de pessoal, quase sempre por incentivo, recorreu aos técnicos do BNDES para apurar o ativo e o passivo das empresas, enfim, tomou todas as medidas necessárias para a concretização do seu projeto. Nessas ocasiões em que os ventos liberalizantes conquistavam, com grande entusiasmo, mentes e corações de uma parcela da população que almejava um Estado mais livre e solto com vistas à essência das suas obrigações previstas na Carta Magna (clique aqui), dirigentes das empresas, com o explícito consentimento dos líderes da nação, contratavam mão de obra terceirizada para impedir a paralisação das atividades essenciais. Se antes já não era pequeno o número de empregados terceirizados, ele se agigantou em virtude do amesquinhamento imposto pelos dois mencionados governos ao quadro de pessoal das estatais.

Eis que uma nova e dramática ação dos sindicatos, associada à impetuosidade do então Governador Itamar Franco, provocou brusca pirueta nas intenções do Presidente da República. Centenas de medidas judiciais foram propostas para impedir a privatização das companhias do Governo, com o acolhimento e a cassação de múltiplas liminares acarretando enorme desconforto do governo federal. Entretanto, o golpe de morte partiu do Governador de Minas; mobilizou as tropas do Estado e cercou a Usina de Furnas prometendo defendê-la pelas armas contra a investida da União. O Governador era bem conhecido pelos gestos intempestivos e quase tresloucados resultantes da sua singela, mas firme tenacidade, própria dos homens altivos e severos na defesa das suas convicções.

O Governo Federal não aguentou o tranco. Para surpresa de muitos, considerou demasiado o desgaste sofrido, e por sofrer, e sucumbiu ao ataque das forças estatizantes.

Logo em seguida, depois da posse de Lula, o Brasil não mais abriu o cofre para a alienação das empresas consideradas estratégicas.

Começaram, assim, as exigências do Tribunal de Contas e do Ministério Público visando à substituição de milhares de empregados terceirizados por outros, "gente de verdade", aprovados em concursos públicos.

Os representantes dos Órgãos de Fiscalização, com o livro constitucional a tiracolo, passaram a reivindicar, com veemência, a exoneração dos empregados terceirizados mediante a rescisão dos contratos firmados com as empresas de aluguel.

Eram vozes da lei, mas sem ouvidos para o copioso pranto dos excluídos.

O sentimento de humanidade também foi exonerado dos corações legalistas.

O nepotismo sempre se mostrou um mal para o país porque apenas abria portas para os amigos do Poder, sem qualquer maior consideração de caráter técnico ou moral.

Entretanto, talvez seja esta a melhor hora para exorcizá-lo, pelo menos nas empresas públicas.

Surge, desde logo, uma questão: os concursos fazem justiça para todos?

É possível que o conhecimento adquirido nestes cursinhos de conceito duvidoso, os quais, na prática, só ensinam os truques para o salto dos obstáculos dos concursos, se contraponha aos anos de serviço de muitos terceirizados, cuja experiência, dedicação e empenho há muito se encontram demonstrados?

Ou, ainda, será que apenas homens sábios, estudiosos e determinados receberão as chaves do paraíso da estabilidade, da remuneração suficiente e satisfatória, da aposentadoria integral, enfim, da segurança em vida e mesmo depois dela, através dos benefícios para descendentes ou para a companheira?

A sociedade brasileira é assim tão assombrosa, ou a grande maioria é formada por gente comum, com educação precária, inteligência mediana, limitações ordinárias?

A Constituição veda a mediocridade no país? Não está amparada na lei?

Como podem os órgãos de fiscalização exigir o rigoroso cumprimento de normas ferozes num país com telhado de vidro e que não enxerga o próprio rabo?

Ora, metade da população brasileira hoje se encontra na informalidade. Mesmo assim, trabalham. Embora não tenham os proveitos mais comezinhos dos empregados com carteira registrada, trabalham. Os terceirizados não têm direito ao vínculo de emprego ou à isonomia, mas têm, sim, o direito de preservar o privilégio, conquistado ao longo dos anos, de manter a sua relação particular de trabalho nas empresas do Governo.

O desemprego destrói o homem, aniquila a sua auto-estima, envergonha toda uma família. É alto demais o preço a ser pago para o cumprimento do parágrafo II do artigo 37º da Constituição. Não seria razoável que a exigência em apreço para as empresas concessionárias apenas se aperfeiçoasse depois de serem cumpridas "a promoção do bem de todos, a prevalência dos direitos humanos, a igualdade perante a lei, a relação de emprego protegida"?.

Mas, não. Os indolentes ou falsos indolentes, os tolos ou tolos presumidos, os pobres ou alegres de espírito devem rastejar humilhados para que os estudiosos, os mais esforçados e brilhantes ocupem os lugares dos primeiros porque é deles o cetro e a coroa nas empresas públicas, apenas compartilhados com os ocupantes de cargos dos filhos do Poder.

Pode ser legítimo, mas também é injusto e cruel o princípio do concurso em todas as áreas da administração pública para as atividades meio, sem compromisso com a exigência técnica necessária para o atendimento da sociedade, formada, como exemplo, por secretárias, auxiliares administrativos, encarregados da manutenção e tantos outros.

De outra parte, deixando de lado os terceirizados das empresas públicas, mas com olhos de lupa para todos os campos de atividades do país, vislumbra-se a nítida emergência de se prover a educação no Brasil, a qualquer preço, a qualquer título, acima de qualquer prioridade, seja ela qual for.

Será que a formação intelectual dessa gente bonita e preciosa, que fulgura e sobressai perante os seus semelhantes, foi idêntica àquela proporcionada para os filhos de ninguém? Há, certamente, exemplos excepcionais de superação, mas é possível entrever o descortino de algum resquício de equilíbrio entre os que desabrocharam dos centros urbanos de classe média com outros que foram cuspidos dos guetos e das favelas deste Brasil?

O Brasil tem legislação de ouro para um povo de barro.

Haverá um tempo, ainda distante, em que o brasileiro de todos os confins desta imensa terra, pouco a pouco, passo a passo, tal qual a natureza que aguarda fenecer a floração para só depois recompô-la, encontre aqui o torrão da igualdade. Mas este novo mundo apenas será alcançado no dia em que todos os jovens deste país tenham lido uma obra de Machado de Assis e carreguem na memória os versos de Fernando Pessoa.

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*Advogado do escritório Candido de Oliveira - Advogados









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