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O Brasil está em greve. Por quê?

Antonio Carlos Aguiar e Carlos Eduardo Dantas Costa

Um sistema equilibrado de gestão e contínuo processo de negociação são as alternativas sugeridas para lidar com as paralisações que têm ocorrido por todo o país.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Atualizado em 12 de agosto de 2011 11:41

O Brasil está em greve. Por quê?

Antonio Carlos Aguiar*

Carlos Eduardo Dantas Costa**

"Nunca antes na história deste país...

... viu-se tamanha ebulição nas relações de trabalho."

Não se está aqui esquecendo, ou mesmo menosprezando a importância do passado de reivindicações históricas, como, por exemplo, o ocorrido no ABC Paulista na década de 70, época de afirmação do Sindicalismo Moderno.

A diferença, agora, é a amplitude geográfica (nacional) que os movimentos ganharam.

Hoje, a realidade é outra. Podemos afirmar, com tranquilidade, que as paralisações têm ocorrido no Brasil. Ou seja, diferentemente de tudo o que já se viu, temos hoje um país inteiro em greve.

Para reflexão temos exemplos recentes deste movimento: a greve dos bombeiros, no Rio de Janeiro; de professores, na Bahia; dos metalúrgicos da Volks, em Curitiba; dos condutores de trens, em São Paulo; e dos operários da obra de reforma do Mineirão, em Belo Horizonte; além de outras tantas.

Surgem, então, perguntas. As duas primeiras são:

1) O que está acontecendo no Brasil?

2) Quais são os porquês destas greves?

A resposta imediata e, portanto, menos importante, seria dizer que o que tem motivado essa onda de paralisações é a busca de melhores condições e, em última análise, melhores salários.

Por outro lado, a resposta mediata - essa sim sob a qual devemos nos debruçar, se quisermos, de fato, entender o que está acontecendo no Brasil - nos remete a uma explosiva e sem precedentes onda de inúmeros ingredientes que compõem essa mistura de fatores sociais e econômicos, tais como: falta de mão-de-obra; inflação alta; economia aquecida; imediatismo de expectativas das pessoas; velocidade e profusão de informações; sentimento generalizado de perdas, por não se conseguir tudo o que se poderia ter (e que instantaneamente sabe-se que outros têm; uniformização remuneratória nos setores (fabril, comércio e prestação de serviços); entre outras "novidades".

Nunca (nunca mesmo) viveu-se, no país, a combinação simultânea e tão acentuada deste conjunto social de fatores econômicos.

Para se ter ideia, em 2010, ano seguinte à crise mundial, a taxa de desemprego medida pelo IBGE, de 6,3%, foi a menor dos últimos oito anos. E, segundo analistas de mercado, a expectativa de inflação para 2011 é de 6,22%, o que seria o maior índice, desde 2005.

Paralelamente, vemos uma série histórica de crescimento sustentável do Produto Interno Bruto (PIB) e pesados investimentos em infraestrutura e turismo.

O mundo mudou, as pessoas mudaram e as expectativas (de vida, de vontades, de prazeres, de ideais, de comunidades, de família, de afazeres e de lazeres) são completamente distintas daquelas vivenciadas há pouco - muito pouco - tempo atrás.

A terceira questão (que se desdobra em outras) e, talvez, mais importante pergunta é:

Como o meio empresarial tem reagido e se preparado para enfrentar (no bom sentido) essa nova realidade?

Existe gestão adequada das relações de trabalho?

Existe um canal verdadeiramente aberto e permanente de comunicação com seus empregados?

Como se dá a relação de credibilidade entre os atores sociais: empresa, empregados, sindicato e sociedade?

Precisamos fazer as perguntas certas. Elas devem estar enquadradas dentro desse novo cenário. E com elas se extrair as atitudes que compõem e fazem parte desse cipoal de mudanças que pululam todos os dias. Não podemos esperar por uma simples padronização de respostas, sob o risco de obtermos soluções bem desagradáveis...

Aliás, neste sentido, lembremos da estória contada por Rubens Alves: "Viviam juntos o pai, a mãe, um filho de cinco anos e um avô, velhinho, vista curta, mãos trêmulas. Às refeições, por causa de suas mãos fracas e trêmulas, ele começou deixar cair peças de porcelana em que a comida era servida. A mãe ficou muito aborrecida com isso, porque ela gostava muito do seu jogo de porcelana. Assim, discretamente, disse ao marido: 'Seu pai não está em condições de usar pratos de porcelana. Veja quantos ele já quebrou! Isso precisa parar...' O marido, triste com a condição do pai, mas, ao mesmo tempo, sem desejar contrariar a mulher, resolveu tomar uma providência que resolveria a situação. Foi a feira de artesanato e comprou uma gamela de madeira e talheres de bambu para substituir a porcelana. Na primeira refeição em que o avô comeu na gamela de madeira com garfo e colher de bambu, o netinho estranhou. O pai explicou, e o menino se calou. A partir desse dia, ele começou a manifestar interesse por artesanato que não tinha antes. Passava o dia tentando fazer um buraco no meio de uma peça de madeira com um martelo e um formão. O pai, entusiasmado com a revelação da vocação artística do filho, lhe perguntou: 'O que você está fazendo, filhinho?' O menino, sem tirar os olhos da madeira, respondeu: 'Estou fazendo uma gamela para quando você ficar velho...'"

Essas e outras perguntas, portanto, bem feitas (seguidas das atitudes que lhes são pertinentes e constituem a sua razão de ser) podem fazer a diferença entre ser expectador ou parte nestas paralisações. Lembremos daquele axioma latino: "Esse est percipere aut percipi", ou seja: "Ser é perceber e ser percebido". O que não é percebido não existe, o que não for notado e distinguido perde a efetividade.

O assunto é muito complexo e não se encerra aqui, mas é certo que requer planejamento de curto, médio e longo prazo, através de um sistema equilibrado de gestão e contínuo processo de negociação.

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*Sócio do escritório Peixoto E Cury Advogados professor do Centro Universitário Fundação Santo André

**Advogado da área trabalhista do escritório Peixoto E Cury Advogados

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