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O motorista da política

O cronista conta uma conversa tida entre amigos, na qual revela como tem evitado tornar-se refém das medições de forças existentes na política.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Atualizado em 26 de agosto de 2011 11:23

Edson Vidigal

O motorista da política

Reencontro o Flávio, que há tempos, muito tempo mesmo, não o via. O turismo, aliás, nem o turismo, parece lhe ter subido, em saltos altos, à cabeça. Segue humilde, afável, simples, mui amable, meio tímido, parecendo até encabulado.

Como se chegasse de longe, de um Saara, talvez, modulando a voz quase em balbucios, libera a pergunta - e a política? Como está a política?

Não acredito, cara. Tu que estás aí em todas as frentes, em militância ativa, na cabeça das pesquisas passadas, presentes e futuras, mais que o Ferreira Gullar naquele poema 'Um Pouco Acima do Chão', tu que estás até mais acima, acima do pantanal, não sabes da política, e eu que apenas trabalho, trabalho, durando em mim para não cair refém das sem-vergonhices da política, só te posso dizer que já estou quase como o motorista da família Caldas.

O Ney me instiga animado, essa é boa, essa boa, conta. Tu a conheces? Não é aquela do Lister, conheço, é muito boa, conta. O Lister está fora dessa, Ney. O Flávio se desfaz em atenções gentis de ouvidos pacientes e universais. O Ney, muito assediado consegue que o deixem me ouvir.

O Alexandre, meu principal mentor em política desde Caxias, me ensinou que quando um chefe político te promete apoio dizendo que nem precisas ir à cidade ou ao povoado dele, deves ir lá, sim, e insistir num comício. Nunca deves ficar encafuado na casa dele. Sai às ruas, conversa com as pessoas porque amanhã tu podes não ser mais Governo e aí o cara te larga, mas não ficarás na mão porque muitos naquele lugar já te conhecem. E os que hoje estão enrustidos contra ele, amanhã, com certeza, estarão contigo.

Em dobradinha de campanha, Marconi e eu chegamos a Santa Quitéria, eleitorado cem por cento cativo pelas boas vontades do chefe local, fomos bem recebidos, comidas boas, conversas boas, o tempo passando e nada de comício. Até que fomos à praça e discursamos para umas quinze pessoas.

Manhã seguinte, saímos para São Bernardo, meio atrasados. Ao lado do motorista, o desembargador, peso avantajado, homem experiente, prudente, pai do Marconi. Atrás, D. Violeta, Marconi e Fátima, Tia Lalá, Luiz Raimundo e eu.

Na estrada de piçarra, o desembargador ordenava - devagar. O motorista obedecendo, reduzia a marcha. O jovem Marconi, entusiasmado, contra ordenava - acelera. O motorista acelerava.

Olhando para trás, só poeira. Mas, como filosofa o Roberto, não se faz política pelo retrovisor, e ele é até rigoroso nisso, a juventude tinha pressa. O desembargador, seguro em si, nem alterava o tom - devagar. Não passavam dois minutos, o jovem Marconi, impaciente, olhando o relógio, dava a contraordem - acelera.

Devagar, acelera, devagar, acelera, de repente, uma freada brusca, a Veraneio escorregou por uns dez metros na piçarra levantando poeira. O motorista saltou, imaginei algum acidente, um bicho atropelado, um pneu furado.

Quase perdendo a calma, o homem inflou os pulmões e, ofegante, ergueu a mão direita segurando as chaves da Veraneio, polegar em riste, avisou - ou vocês se acertam aí ou então quem vai largar essa política agora sou eu.

Pois é, Flávio, eu estou quase como o motorista da família Caldas. O Ney não se aguentou na gargalhada. Essa é boa, essa é melhor que a do Lister.

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*Edson Vidigal é ex-presidente do STJ e professor de Direito na UFMA


 

 

 

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