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Ofendículos

Os valores socioculturais devem carregar os padrões mais singelos da convivência humana, com seus direitos e obrigações, catalogados desde os primórdios.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Atualizado em 31 de agosto de 2011 09:32

Eudes Quintino de Oliveira Júnior

Ofendículos

O homem, desde sua origem, impregnado pelo DNA de sua natureza, carrega importante informação a respeito dos direitos que compõem seu arsenal protetivo, sem necessidade de buscar qualquer auxílio legal interpretativo. Assim é que a noção do justo e correto surge com o próprio homem, pois o que assim for considerado é salutar para a vivência harmônica e serve de diapasão para o regramento social. É a regra do direito natural que, após passar por todas as etapas de aprovação, vem a ser materializada em normas contidas no direito positivo. Pode-se dizer que é um direito que transcende todas as regras impostas pelo homem, pois tem como sustentáculo princípios universais imutáveis que jamais poderão ser confrontados, uma vez que giram em torno da essência e da dignidade do ser humano.

Inúmeros são os deveres naturais encampados pelo homem, muitos deles advindos de posicionamento religioso, como, por exemplo, os Dez Mandamentos, outros gerados pela própria ética na definição de regras valorativas do bem e outros ainda pelos costumes e tradição, envolvendo aqui o legado cultural de gerações anteriores. Mas todos têm em comum a característica de se incorporar na sua formação, além do que, voluntariamente, sem qualquer determinação coercitiva, irá praticá-los. A força é tamanha que as regras naturais não se limitam a um agrupamento e se expandem de forma a aglutinar várias nações, independentemente de suas relações institucionais. A prescrição de não agredir ou matar o próximo, exempli gratia, carrega um preceito solidificado que seria até inconcebível inseri-lo no rol de regras proibitivas estabelecidas pela legislação. Mas assim deve ser o procedimento porque o homem também criou a autodefesa como uma justificativa da conduta contrária à regra convencional.

O direito codificado é um conjunto de regras firmado em uma convenção social que visa atender a um critério de justiça estabelecido pelo próprio homem, ser gregário que é. Mas tais valores socioculturais, obrigatoriamente, devem carregar os padrões mais singelos e simples da convivência humana, com seus direitos e obrigações, que foram catalogados pelo homem desde seus primórdios.

O direito de defesa insere-se neste rol. Compreende-se aqui a defesa de qualquer direito consagrado legalmente, que pode ser a vida, liberdade, patrimônio e outros, desde que seja para repelir uma agressão injusta, atual ou iminente, com a utilização moderada dos meios necessários. A legítima defesa não se caracteriza pelo legítimo ataque e sim pela franquia concedida pelo legislador para que o cidadão repila a agressão na defesa do seu bem juridicamente tutelado.

Uma questão que frequenta com certa assiduidade o interesse popular é saber se a colocação de ofendículos, assim entendido os obstáculos ou qualquer tipo de engenho utilizado para impedir o acesso em residência, como, por exemplo, a instalação de sistema mecânico de defesa à base de eletricidade em cercas dispostas em muros, é prática que se enquadra no âmbito da legítima defesa.

Não há nenhuma dúvida que a propriedade é um bem jurídico e como tal deve ser defendida pelo Estado, em sua função preventiva, ou até mesmo pelo proprietário. Não se exige do último que monte guarda e se posicione durante todos os dias e noites em situação de defesa, que compreende aqui a sua própria, a de seus familiares e de seu patrimônio. Pode sim eleger mecanismos para evitar eventual agressão ao seu direito, desde que consentâneos ao bom senso e a moderação dos meios. Seria a chamada legítima defesa preordenada ou antecipada, que tem por objetivo repelir a injusta invasão. Parte da doutrina penal visualiza no ato exercício regular de um direito quando o defendente instala mecanismo e, se conseguiu seu intento, passa a caracterizar legítima defesa.

É óbvio que se o morador, valendo-se do pretexto de defender sua moradia, instalar uma cerca eletrificada com uma voltagem considerada mortal, extrapola o exercício de seu direito e responderá dolosa ou culposamente pelo excesso. A permissão concedida cessa com o objetivo pretendido, qual seja, o de impedir o ingresso na residência. Exige-se do defendente que tome também a cautela necessária para alertar as pessoas a respeito do instrumento defensivo, pela afixação de placas escritas ou sinalizadas indicativas do perigo. Nem todas agem com o intuito criminoso, como a criança que pretende pular o muro para apanhar a bola que caiu no quintal da residência.

Desta forma, em nome da segurança, as pessoas quebram a estética de sua moradia, constroem muros altos e fincam cercas eletrificadas. Um verdadeiro casulo, antigamente chamado de lar.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, advogado e reitor da Unorp





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