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Pontualidade das audiências como prerrogativa advocatícia

O autor evidencia que os atrasos para o início de audiências encontram-se tão arraigados nas práticas forenses que são assimilados com naturalidade e destituídos de qualquer sanção.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Atualizado em 28 de setembro de 2011 08:38

Diogo Malan

Pontualidade das audiências como prerrogativa advocatícia

Hoje em dia não é raro que advogados sejam submetidos à seguinte situação: embora eles compareçam com pontualidade britânica a audiências aprazadas pelo Poder Judiciário, por vezes têm que aguardar por - literalmente - horas a fio, até o início do ato processual.

Caso o advogado tenha outro compromisso, em horário bem posterior àquele marcado para a audiência, fica refém da boa vontade do juiz para adiá-la. Isso porque tal adiamento é interpretado - erroneamente, como se demonstrará - como mera liberalidade do magistrado, e não direito do advogado.

Curioso notar que nas hipóteses de atraso do advogado para comparecer à audiência, ou de sua retirada do recinto após indeferimento do pedido de adiamento do ato, ele fica sujeito a diversas sanções: nomeação de defensor dativo ad hoc, encaminhamento de representação ético-disciplinar à OAB, etc. O maior prejudicado é o próprio acusado, que tem o seu direito de defesa cerceado devido à frequente natureza decorativa da assistência jurídica dativa no País.

Por outro flanco, longos atrasos para o início de audiências hoje se encontram tão arraigados na cultura e nas práticas forenses que são assimilados com assombrosa naturalidade, e destituídos de qualquer sanção.

O fundamento jurídico dessa nefasta conjuntura é a interpretação equivocada que vem sendo feita da prerrogativa do advogado de "retirar-se do recinto onde se encontre aguardando pregão para ato judicial, após trinta minutos do horário designado e ao qual ainda não tenha comparecido a autoridade que deva presidir a ele, mediante comunicação protocolizada em juízo" (art. 7º, XX do Estatuto da OAB - clique aqui).

Não obstante, é teratológica a seguinte interpretação desse dispositivo: desde que a autoridade esteja presente na sede do juízo, o advogado não pode retirar-se em quaisquer circunstâncias, inclusive de excessivo e injustificado atraso após o pregão para a sua audiência.

Isso porque é imprescindível interpretação lógico-sistemática do Estatuto da OAB - cujo principal vetor hermenêutico deve ser o cariz público e indispensável à administração da Justiça dos serviços prestados pelo advogado. Nesse sentido, o âmbito de proteção normativa da prerrogativa profissional de receber tratamento com consideração, respeito e compatibilidade com a dignidade da advocacia (art. 6º do Estatuto da OAB) a toda evidência abrange a pontualidade das audiências, dentro de parâmetros mínimos de razoabilidade.

Na perspectiva das relações sociais cotidianas, é inquestionável que qualquer atraso excessivo e injustificado para compromisso assumido denota clara falta de consideração e respeito pela dignidade do próximo.

Não há qualquer fundamento lógico ou jurídico para não se estender esse mesmo raciocínio às relações forenses travadas entre juízes e advogados.

Decerto há razões de ordem administrativa que por vezes podem até explicar atrasos nas audiências: a qualidade da administração judicial da pauta (aprazamento de várias audiências para o mesmo horário, ou de audiências com intervalo de tempo insuficiente entre elas); a cumulação de órgãos por magistrados; a dificuldade logística no transporte e apresentação de acusados presos, etc.

Entretanto, tais mazelas administrativas não são atribuíveis aos advogados nem têm qualquer primazia, em termos de importância, sobre o tempo e os demais compromissos profissionais dos advogados. Bem ao contrário, à míngua de qualquer relação de hierarquia ou subordinação entre juízes e advogados, estes não estão à disposição permanente dos eventuais atrasos daqueles, pois também têm outras audiências, causas, compromissos profissionais, etc.

É lícito concluir que a menção feita pelo art. 7º, XX do Estatuto da OAB ao não comparecimento da autoridade que deve presidir a audiência é meramente exemplificativa, pois a razão legislativa (ratio legis) dessa norma é proteger o advogado de quaisquer atrasos excessivos e injustificados. Assim, o comparecimento da autoridade, mas para cuidar de outros afazeres que não a audiência apregoada, na perspectiva dessa prerrogativa advocatícia equivale ao seu não comparecimento. É intuitivo.

Logo, a norma a ser extraída do texto do art. 7º, XX do Estatuto da OAB é a seguinte: o Advogado tem direito a retirar-se do recinto onde se encontre aguardando pregão para ato judicial, após trinta minutos do horário designado, quando não tenha a autoridade que deva presidi-lo condições de iniciá-lo por qualquer motivo, mediante comunicação protocolizada em juízo.

Ao retirar-se nessas condições, o advogado não comete infração ético-disciplinar, e sim exerce a sua prerrogativa de exigir dos magistrados tratamento com consideração, respeito e compatibilidade com a dignidade da advocacia (art. 6º do Estatuto da OAB), o qual engloba a pontualidade das audiências, dentro de parâmetros mínimos de razoabilidade. Nessas circunstâncias, é imperativo o adiamento da audiência, sob pena de nulidade processual absoluta (vulneração ao núcleo essencial da cláusula da ampla defesa).

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*Diogo Malan é presidente da Comissão Especial de Estudos do Direito Penal da OAB/RJ


 

 

 

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