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A Constituição e a usura

É inadmissível que o Brasil, sendo a sexta economia do mundo, continue a praticar juros de países subdesenvolvidos, cujos lucros mostram-se incompatíveis com a realidade atual do mercado nacional e internacional.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Atualizado em 19 de abril de 2012 15:43

O governo, depois de muito tempo, inexoravelmente, chegou à conclusão que os juros atravancam o desenvolvimento e, ao mesmo tempo, as instituições financeiras privadas não parecem querer colaborar com o sentimento das Casas Bancárias administradas pela União.

Com razão, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal deflagraram, irremediavelmente, um alerta para a redução dos juros e incremento ao consumo visando, assim, combater, principalmente, o elevado spread bancário.

O saudoso vice-Presidente da República do governo Lula, José de Alencar, reiterada e, sistematicamente, criticava a política de juros, interferindo negativamente no crescimento industrial.

A Constituição Federal de 1988 previu juros de 12% ao ano, porém, o entendimento equivocado e incorreto, por ser norma constitucional, exigiu a sua regulação por lei complementar, jamais editada.

Sobrevieram Emendas Constitucionais que extirparam o texto da limitação dos juros a 12% ao ano, principalmente aquela de nº 40/2003, em harmonia com a Súmula 382 do STJ.

Acaso nos conscientizássemos da imediata vigência da norma constitucional, de juros de 12% ao ano, muito provavelmente não estaríamos, passados quase 25 anos, retomando trivial assunto.

Alguns poderiam dizer que o cenário internacional era muito diferente, hoje o Japão pratica juros negativos, a Europa, muito próximo do zero, e os EUA estão quase zerando os seus juros, o que realmente acontece no Brasil diz respeito ao acesso ao crédito e os componentes que elevam os spreads bancários.

Uma significativa classe composta por 30 milhões de brasileiros ingressou na economia, na última década, por meio de consumo, financiamento, consignado, cartões de crédito.

Os juros continuam elevados, notadamente do cheque especial e dos cartões de crédito, alcançando taxas de três dígitos, sem qualquer perspectiva de redução a curto prazo.

Combate-se tanto a usura quando alcança entre 3 e 5% ao mês, mas, ao mesmo tempo, mero espírito de complacência, permite que instituições financeiras exijam valores superiores a 200% ao ano, talvez para que não se permita desleal concorrência entre ambos.

O fato fundamental é que inexiste poupança interna e adequado crescimento econômico, os quais permitam livre acesso ao crédito em patamares menores, o que compromete significativamente a rentabilidade e a certeza da recuperação do crédito.

Ao ser colocado em vigor a lei 11.101/05, atual diploma de Recuperação e Falência, todos estavam otimistas em relação à redução dos juros e dos spreads bancários, em função da preservação da empresa e do quase afastamento de sua quebra.

Crasso engano, na medida em que a política monetária, ao lado daquela cambial e, principalmente da fiscal, mostra um completo desentrosamento, fazendo com que o capitalismo do século XX fosse transformado naquele exclusivamente financeiro do século XXI.

O Brasil muito poderia ter avançado se pusesse em vigor o texto constitucional de 1988, preferiu preteri-lo, agora se ressente desta omissão, porém, não mediu esforços para intervir, quando se prenunciava crise sistêmica, alocando recursos no PROER e acarretando, posteriormente, grande concentração bancária.

Não se cuida de travar braço de ferro ou de convencer as instituições privadas à redução de juros, mas sem demonstrar que os bancos públicos conseguirão sobreviver com taxas e spreads menores.

O tempo exigirá esta conversão, porquanto não se admite que a sexta economia do mundo ainda continue a praticar juros de países subdesenvolvidos, cujos lucros mostram-se incompatíveis com a realidade atual do mercado nacional e internacional.

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* Carlos Henrique Abrão é juiz de Direito substituto em 2º grau do TJ/SP






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