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O grande circo

Basta acompanhar o horário eleitoral para ver o estágio em que nos encontramos. Ao invés de mensagens consistentes, objetivas, didáticas, que transpirem sinceridade, o que se assiste é uma espécie de grande circo.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Atualizado em 18 de setembro de 2012 15:40

A essência do regime democrático reside no voto. É pelo sufrágio secreto e direto, de igual valor para todos, que se concretiza a soberania popular, expressão consagrada no art. 14 da Constituição. Em situações extremas, quando grave crise econômica ou política coloca em xeque as instituições, fazendo-as perder credibilidade, o direito de eleger governantes acaba sucumbindo à revolução popular, ou é abatido por golpe de estado. No Brasil tivemos a Revolução de 30, que desaguou na ditadura de Vargas, e o Golpe de 64, desfechado pelas Forças Armadas.

O regime implantado em 1964 estrangulou o estado democrático. Em janeiro de 1985, após 21 anos de ditadura, o candidato do governo, Paulo Maluf, foi derrotado no Colégio Eleitoral por Tancredo Neves, do PMDB, tendo José Sarney como vice. Em 1990 o povo voltou às urnas e deu a vitória a Fernando Collor de Mello. Seguiram-se, na presidência da República, pelo voto direto, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, e Dilma Rousseff. Para as novas gerações, democracia é conquista recente, em processo de aprendizagem, circunstância que faz o País pagar caro pelo noviciado.

A Constituição de 88 restaurou as liberdades democráticas. Não nos ensinou, todavia, como exercê-las livres da corrupção e do carreirismo. Basta o julgamento do Mensalão, ou acompanhar o horário eleitoral, para se ver o estágio em que nos encontramos. Ao invés de mensagens consistentes, objetivas, didáticas, que transpirem sinceridade, o que se assiste é uma espécie de grande circo, com momentos de "Escolinha do Professor Raimundo". Demagogos de todas as cores tentam nos convencer de que se acham aptos a operar milagres. A exigência da Ficha Limpa trouxe enorme progresso. Não bastará, entretanto, para impedir a presença de elevada porcentagem de despreparados, iletrados, e corruptos, fazendo uso de todos os recursos para se elegerem prefeitos e vereadores. É a proliferação bacteriana dos "Zé da farmácia", "Chico borracheiro", "Denise massagista", "cabo Júlio", "pastor Ticão", "dr. Carlito", "Zuleika da lotérica", "Shirlady manicure", na disputa de mandato bem remunerado, recheado com mordomias.

A responsabilidade pela onda crescente de mediocridades cabe a poderosos dirigentes partidários, cujo objetivo único é a vitória. Legendas foram postas à venda e negociadas como em supermercados. O malabarismo eleitoreiro é patético. Apoios são trocados entre velhos inimigos, à custa da entrega de ministérios, com olhos postos nas pesquisas eleitorais. Aliados em São Paulo e Paraná podem ser inimigos em Minas, Mato Grosso, Pernambuco, segundo as conveniências locais. Igrejas e sindicatos não ficaram à margem do processo, sendo explorados como feudos eleitorais.

Minúsculas legendas, que reúnem nada além de meia dúzia de adeptos, insistem em manter presença sem chances mínimas de eleger um só prefeito ou vereador. Valem-se do dinheiro público para formular soluções desvairadas, combater a livre iniciativa, propor a estatização do sistema financeiro, da saúde, educação, transporte. Imaginam converter o Brasil em vasto acampamento de servidores públicos, mantidos pelo tesouro. Inspiram-se no falido modelo cubano, e na ditadura venezuelana, ignorando o elevado grau de rejeição entre o eleitorado.

O povo, conforme anotou Aristides Lobo, no episódio da Proclamação da República, assiste a tudo bestializado, atônito, surpreso. A Constituição, no afã de ser exemplo de democracia, escancarou portas a todos os estilos de abusos. Além de sujeito a horário político, o brasileiro é obrigado a votar. À míngua de candidatos que o convençam, escolhe o "menos pior", anula o voto, vota em branco, ou vai gozar o feriado e justificar a ausência.

Eleições municipais são a antevéspera de 2014. É por meio delas que os partidos procuram lançar bases locais de apoio, para disputas futuras. Prefeitos e vereadores serão porta-vozes de candidatos a deputado estadual, federal, senador, governador, presidente da República. Reside aqui o perigo.

Se quisermos erradicar a corrupção e impedir a presença de tiriricas, devemos começar já, com o bom uso do voto. Se assim não acontecer, dentro de dois anos repetir-se-á o espetáculo circense, com resultados conhecidos.

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* Almir Pazzianotto Pinto é advogado, foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho






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