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Menos álcool no corpo, mais álcool nas bombas: reflexos criminais na alteração do percentual de etanol na mistura da gasolina

Fabio Lobosco Silva

A permissão de uma quantidade maior de etanol nas bombas de gasolina, prevista para maio, gera impactos perante o ordenamento jurídico pátrio, segundo o advogado.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Atualizado em 20 de fevereiro de 2013 13:24

Se por um lado a legislação de trânsito nacional endurece suas reprimendas permitindo cada vez menos álcool no sangue dos motoristas, o Estado, em contramão, autorizará uma quantidade maior de etanol nas bombas de gasolina do país.

Conforme amplamente divulgado pela mídia, em 30/1/2013, portanto, pouco mais de vinte e quatro horas do anúncio do Governo sobre o aumento do preço dos combustíveis, o Ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, após reunir-se com o Ministro da Fazenda Guido Mantega e representantes do setor sucroalcooleiro, informou que a partir de maio deste ano, o percentual de etanol misturado à gasolina passará de 20% para 25%.

De acordo com Lobão, a vigência da medida foi antecipada em um mês e tem o objetivo de reduzir o impacto na alta do valor da gasolina, reajustado em 6,6% perante as refinarias, bem como incentivar o mercado usineiro. Para fins jurídicos, aguardam-se as normas administrativas da Agência Nacional de Petróleo (ANP) e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) para formalizar a alteração. Importante lembrar que no final de 2011 o caminho foi inverso, reduzindo-se tal percentual de 25% para 20%, com o intuito de amenizar a falta de álcool e possível desabastecimento do mercado, evitando um aumento abusivo dos preços.

Como se nota, a alteração de tal percentual tem caráter político e econômico, servindo como fator estratégico para regulação do mercado energético. Entretanto, tais mudanças também geram impactos perante o ordenamento jurídico pátrio, cabendo nesta análise, verificá-los no âmbito do direito penal, mais especificamente para o delito previsto pelo artigo 1°, inciso I, da lei 8.176/91, tipificado como um crime contra a ordem econômica, de competência da Justiça Estadual.

Referido dispositivo legal apena com detenção de 1 (um) a 5 (cinco) anos àquele que "adquirir, distribuir e revender derivados de petróleo, gás natural e suas frações recuperáveis, álcool etílico, hidratado carburante e demais combustíveis líquidos carburantes, em desacordo com as normas estabelecidas em lei". Por se tratar de uma norma penal em branco em sentido estrito ou heterogênea, a plena caracterização do crime está condicionada ao complemento de normas de diferentes instâncias, no caso as portarias ANP 309, de 27/12/2001 e MAPA 678, de 31/8/2011, responsáveis por determinar a composição da gasolina, inclusive quanto ao percentual de álcool para ela permitido.

Deste modo, após a modificação prevista para maio deste ano, para caracterizar o crime em comento deverá ser constatada na gasolina uma quantidade de etanol superior a 25%. Entretanto, a problemática não reside nos casos futuros, mas sim nas demandas em trâmite, onde se configurou o crime em razão de quantidade de álcool entre 20% e 25%, descontadas as margens de erro permitidas, de mais ou menos 1%.

Isto porque, de acordo com o artigo 5°, inciso XL da Constituição Federal, o direito brasileiro admite a retroatividade da lei penal mais benéfica ao réu, entretanto, a aplicação deste comando para as normais penais em branco (tal como o delito em questão) gera divergências doutrinárias e jurisprudenciais.

Hoje, de acordo com o Supremo Tribunal Federal (HC 73168/SP e HC 68904/SP), a norma penal em branco sempre retroagirá beneficamente quando seu complemento também for uma lei, o que não se enquadra no crime analisado, complementado por disposições administrativas. Nesta segunda hipótese, só se admitirá a retroatividade benéfica quando a alteração modificar verdadeiramente a figura abstrata do Direito Penal, não se enquadrando nesta hipótese mudanças de caráter meramente atualizador ou circunstancial.

Em termos concretos, para o Superior Tribunal de Justiça (RHC 16172/SP), a alteração relativa à proporção de álcool na gasolina é meramente quantitativa, não sendo suficiente para autorizar a aplicação do princípio da retroatividade benéfica da norma posterior. Porém, este entendimento não é pacífico, existindo fundamentos consistentes para defesa de raciocínio contrário.

Pelo exposto, além de seu papel de destaque na severa lei seca, o etanol também será protagonista de polêmicas discussões envolvendo a futura mudança de seu percentual na gasolina. Como visto, os debates extrapolarão o campo político-econômico, gerando efeitos jurídicos diversos, inclusive criminais. Sendo assim, para maio de 2013 há apenas uma certeza para o motorista: menos álcool no corpo, mais álcool no tanque.

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* Fabio Lobosco Silva é advogado criminalista do escritório Trigueiro Fontes Advogados.

Trigueiro Fontes Advogados

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