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Uma grande lição do caso Kieppe x Graal Participações

José Nantala Badue Freire

A falta da indicação clara de uma instituição arbitral para resolver o litígio vem causando um atraso para a sua efetiva resolução, o que pode interferir na gestão das empresas dos grupos e até no mercado acionário como um todo.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Atualizado em 21 de junho de 2013 13:31

Muito se discute sobre o acerto ou não da decisão monocrática proferida pela nobre ministra relatora, Maria Isabel Gallotti, ao conceder liminar para suspensão da execução de cláusula arbitral vazia, no julgamento da Medida Cautelar 19.550/BA no STJ.

A posição do ministro Luís Felipe Salomão ao se declarar impedido para o julgamento do processo quando, inclusive, externou claramente suas razões para tanto (seu filho estaria na iminência de ser contratado por uma das empresas do gurpo Odebrecht), foi uma grande contribuição para que não pairasse qualquer suspeita com relação à parcialidade do julgamento. E aqui peço a vênia do leitor para uma rápida digressão: Não seria esta mesma conduta a ser seguida pelo ministro Dias Toffoli, do STF, no julgamento da AP 470, pelo fato de nutrir vínculos muito mais estreitos com alguns dos acusados do que o ministro Salomão admite ter com a Odebrecht?

Retornando ao tema deste artigo, há que se consignar que não se questiona, neste momento, a competência dos advogados envolvidos na causa e a qualidade de seus posicionamentos. Também não há dúvida sobre a habilidade que nossa Corte de Cassação demonstra diariamente ao analisar litígios envolvendo a aplicação da arbitragem, seja nos procedimentos de homologação de sentenças arbitrais estrangeiras, seja no julgamento sobre a validade das que são proferidas no Brasil.

Realmente, a discussão sobre o cabimento ou não da liminar neste caso é de extrema importância, justamente pelo precedente que se cria. Contudo, o que parece mais grave e sintomático no caso, ao menos no ponto de vista deste modesto advogado que assina este comentário, é o porquê de num contrato tão importante, firmado numa época em que, ao menos teoricamente, as partes conviviam "em paz", não se determinou qual instituição arbitral conduziria um eventual litígio entre ambas.

Como se vê, a falta da indicação clara de uma instituição arbitral para resolver o litígio desde o início vem causando um atraso importante para a sua efetiva resolução, o que pode interferir na gestão das empresas dos grupos e até no mercado acionário como um todo, posto que ambas as partes são grupos de alto renome e envolvidos em projetos de primeira importância para o País.

Para litígios societários, como muitos especialistas já apontam, a escolha da Arbitragem como meio de solução de controvérsias é regra, deixando de ser, portanto, meio "alternativo". Contudo, tão importante quanto escolher a arbitragem é saber "como" escolhê-la. Uma cláusula bem redigida, em que estejam previstas a lei aplicável, a instituição arbitral, o número de árbitros, a possibilidade de se submeter ou não medidas cautelares ao jugo arbitral, o foro competente para a execução da sentença arbitral ou de questões relativas ao procedimento e etc, certamente fazem grande diferença na hora de se fazer uso dela.

No caso Kieppe x Graal, além de tudo isto, existe outro fator que tem de ser melhor desenvolvido em nosso país: a previsão da mediação como meio de solução de controvérsias. Na mesma cláusula onde se prevê a instituição da arbitragem no contrato entre as partes, há uma conjunção alternativa (vez por outra é bom nos lembrarmos das aulas de gramática) que possibilita o uso da mediação, caso seja do interesse de ambas.

Neste particular, a redação da cláusula também parece problemática e, portanto, pode gerar algum tipo de questionamento sobre qual é a linha a ser seguida. Ao se prever "mediação ou arbitragem", como se faz na cláusula 11.8 do contrato ora discutido, problemas de interpretação podem surgir no sentido de se estabelecer, por exemplo: a) se a mediação é ou não obrigatória; b) se a escolha por uma das duas, automaticamente, implica em renúncia da outra; c) se ambas constituem ou não etapas de um procedimento (em que as partes se submetem primeiro à mediação e, depois, caso o litígio não seja resolvido, recorrem à arbitragem).

Embora seja um instituto de grande sucesso em países como os EUA e tantos outros na Europa, a Mediação ainda não movimenta um grande mercado no Brasil. Isto porque nossos empresários não têm informações palpáveis sobre os benefícios econômicos e práticos que essa importante via pode trazer. E essa "falta de conhecimento" se deve também à ausência de estudos estatísticos específicos sobre o tema e suas aplicações práticas, como foi o caso do brilhante panorama "Arbitragem e Poder Judiciário" elaborado pela FGV e capitaneado pelos Professores Selma Lemes, Daniela Monteiro Gabbay e Rafael Francisco Alves (2009). Entidades como o CBAr - Comitê Brasileiro de Arbitragem vêm se debruçando sobre o tema e, dentro em breve, é possível que comecem a surgir estudos de cunho mias "mercadológico", que auxiliem na "venda" deste serviço.

Diante de tudo isto, a grande lição que se tira de casos como o Kieppe x Graal é a seguinte: não basta escolher a arbitragem ou a mediação. Além disso, deve-se conhecê-las e saber elegê-las.

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* José Nantala Badue Freire é advogado do escritório Peixoto E Cury Advogados.

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