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Filhos que abandonam

O amparo das pessoas idosas reflete a própria maturidade de uma sociedade melhor organizada e digna de si mesma, pelo conjunto harmônico das relações em família.

sábado, 13 de julho de 2013

Atualizado em 12 de julho de 2013 13:11

Na China, vigora desde o dia 1/7 uma lei de visita frequente obrigatória parental, institucionalizando uma antiga tradição chinesa, a de prestação de cuidados filiais aos pais idosos, que necessitam da presença afetiva dos filhos, servindo-lhes de suporte emocional e existencial à idade avançada.

No caso, a "lei de Proteção dos Direitos e Interesses do Idoso" (Law of Protection of Rights and Interests of the Aged) revigora, no plano jurídico-legal, valores morais que devem ser preservados na sociedade chinesa, despertando a consciência critica dos mais jovens, no objetivo de os filhos não abandonarem os pais; devendo-lhes, antes de tudo, cuidados adequados, carinho presente e atenção de vigília, em proteção objetiva da família que conta, em seu núcleo básico, os pais ou familiares anciãos, como pessoas vulneráveis e dignas de proteção integral.

A nova lei alcança como destinatários favorecidos cerca de 194 milhões de chineses, que compreende 14,3% da atual população, situada na faixa etária superior a sessenta anos, valendo assinalar que nos próximos quarenta anos (2053) o percentual etário de idosos será elevado para 35% da população, representando, então, cerca de 487 milhões.

Doravante, a visitação torna-se obrigatória, de tal conduto a desconstituir qualquer hipótese de caracterização de abandono afetivo pela ausência recalcitrante dos filhos.

Referida ausência tem ensejado atualmente na China inúmeras demandas judiciais de pais abandonados que reclamam o devido suporte emocional que lhes faltam diante da omissão dos filhos abandonantes.

No Brasil, a CF consagra ordem jurídica de tutela máxima de proteção ao idoso, sobremodo na esfera familiar, em perspectiva de dignidade constitucionalmente assegurada pelo art. 230 da Carta Magna que, afinal, orientou a lei 8.842/94, dispondo sobre uma política nacional de proteção ao idoso.

A seu turno, a responsabilidade parental mútua tem séde constitucional, em dicção do art. 229 da CF, ao estabelecer que "os pais tem o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores tem o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade".

No mesmo sentido, o Estatuto do Idoso - lei 10.741/03 - acentua que a família e o Estado devem assegurar ao idoso os direitos fundamentais bem como o respeito à convivência familiar e comunitária.

Entretanto, torna-se preciso e urgente que não sejam observadas mais rugas no espírito do que na face. O idoso brasileiro é, em regra, indigente em sua dignidade de ser idoso. Faltam-lhe a força de trabalho e melhores condições de qualidade de vida. Ele é tratado como problema e não como um segmento social valorizado em suas características próprias. A cidadania do idoso deve ser por isso, tema recorrente, iniciada no próprio cenário familiar.

Envelhecer não é estigmatizante. Ser idoso também não. Saber envelhecer é saber ser idoso, e não envelhecido pela idade adiantada. Mudam as cores do tempo, chega a estação outonal e, com o avanço da idade, revela-se a vida, com novos matizes, ajustando o homem, com dignidade, a sua experiência a um novo tempo que o acrescenta.

Afinal, o homem envelhece na ordem direta da vida e na ordem inversa da resistência da alma, como advertiu Victor Hugo. Ele compreendeu que as pessoas apenas envelhecem pelo relógio do tempo, e somente se tornam velhas quando não mais se colocam cúmplices da vida. Uma quebra de harmonia com o espírito jovem comunicante que vincula o homem ao seu tempo presente e o faz referir sempre com um olhar para o futuro. Pensar e viver no passado é envelhecer definitivamente. Aprender algo novo, descobrir contextos mais amplos, saber estimular a capacidade cognitiva, exercitar a vida pelo aprendizado que ela oferece, tudo isso significa envelhecer bem, e envelhecer menos. A velhice não é uma variável fixa, conforme acentuou Groisman; ela é uma realidade culturalmente construída.

Pois bem. Na mesma diretiva da recente lei chinesa, projeto legislativo apresentado na Câmara Federal cuida de estabelecer sanções civis e punitivas aos filhos que abandonem os pais idosos. O projeto de lei 4.294/08, do deputado Carlos Bezerra, acrescenta parágrafo ao art. 3º do Estatuto do Idoso, prevendo indenização por dano moral decorrente do abandono de idosos por sua família.

Mais precisamente, a redação dada ao parágrafo segundo proposto dispõe:

"O abandono afetivo sujeita os filhos ao pagamento de indenização por dano moral". Lado outro, o mesmo projeto introduz parágrafo único ao art. 1.632 do CC, expressando: "o abandono afetivo sujeita os pais ao pagamento de indenização por dano moral." Com efeito, estabelece, em largo espectro, a indenização por dano moral em razão do abandono afetivo, nas relações paterno-filiais.

A inovação legislativa ganha maior relevância jurídica, quando consabido que a população anciã brasileira chegará a 32 milhões em 2025, tornando nosso país o sexto com maior população idosa do mundo.

Segue-se anotar, todavia, que a tramitação ordinária do projeto encontra-se estacionada desde 13/4/11, quando a CSSF - Comissão de Seguridade Social e Família - aprovou o parecer do relator, deputado Antonio Bulhões, à unanimidade. No parecer, apresentou-se parágrafo único ao art. 5º do Estatuto do Idoso, com a redação seguinte: "Comprovado o abandono afetivo por parte da família, caberá indenização por dano moral ao idoso (NR).". Induvidoso que a nova redação tem melhor alcance e adequação lógica.

Em tempos de pauta positiva do Congresso Nacional, adiantando a apreciação de projetos de lei com maior pertinência à cidadania brasileira, urge, portanto, que esse projeto retome a sua tramitação, no efeito de resultado útil à efetividade legal da proteção ao idoso.

Bem cientes todos que a obrigação dos filhos diante os pais idosos tem viés constitucional, para além do Direito de Família, conforme princípio de solidariedade familiar e que, em bom rigor, não seja preciso escrever na lei obrigações morais, de proteção afetiva, quando bastaria o compromisso de dignidade nas relações familiares, o exemplo chinês é oportuno, quando edita-se a lei, antes de mais como aviso legal de uma obrigação afetiva de cuidado.

O amparo das pessoas idosas reflete a própria maturidade de uma sociedade melhor organizada e digna de si mesma, pelo conjunto harmônico das relações em família. Assim, a dignidade do idoso é pauta de urgência.

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*Jones Figueirêdo Alves é desembargador decano do TJ/PE e diretor nacional do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família.






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