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"Temos pressa de quê?"

Os juízes não têm pressa, os oprimidos têm pressa, os aflitos têm pressa, as vítimas têm pressa e todos aqueles que têm "fome e sede de justiça".

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Atualizado em 21 de agosto de 2013 13:35

A pergunta formulada pelo ministro Ricardo Lewandowski escancara, pelo mero sacudir de ombros, a nudez sem pudor do judiciário brasileiro. Na voz de um representante da mais alta Corte do país, ela confessa o descaso, o desdém e a inoperância da Justiça, a sua quase inutilidade, o seu desmazelo sem culpa. Pior. A pergunta convalida não apenas a inércia desse Poder como o nivela, por baixo, aos demais, hoje execrados pela sociedade em estado de revolta.

Os juízes não têm pressa, os idosos têm pressa, os oprimidos têm pressa, os aflitos têm pressa, as vítimas têm pressa e todos aqueles que têm "fome e sede de justiça".

O Judiciário centraliza conhecimento, erudição, talento, vaidade, preguiça às vezes. Tudo isso somado conduz a magistratura à dissertação interminável sobre os temas mais complexos, mediante a citação de doutrinas de distintos autores nacionais e estrangeiros, preferentemente estrangeiros, mortos e vivos, preferentemente mortos. O breve tramite da demanda sucumbe, muita vez, em benefício do tolo exibicionismo. A celeridade da Justiça perde relevância em confronto ao preciosismo da técnica jurídica, à exaltação pedante e ilusória do aperfeiçoamento processual. O rápido socorro para evitar a injustiça é mero detalhe. O tempo do homem na Terra não se compatibiliza com a ampulheta do Judiciário.

A indignação dos magistrados, quando interpelados, essa sim, se manifesta num piscar de olhos: "A Justiça está lá, ainda que não a possam ver, ainda que não estejam vivos para desfrutá-la".

A Justiça está obesa, há muito não toma um banho, não se exercita, não sua a camisa, só se espreguiça. Esqueceu que para cumprir o seu papel neste mundo deve retornar para a morada da simplicidade, do estoicismo da vocação, da compostura. Pode ser que lá, em algum lugar próprio para o retiro do espírito, a Justiça renove os seus votos de virtude, relembre o propósito da sua existência e compreenda que a sua única obrigação é dar a cada homem, com a necessária presteza, independentemente de quem seja e dos títulos que ostente, o direito e o dever de colher nesta terra o fruto que semeou. A irritante lerdeza dos juízes constitui o melhor antídoto para prestação jurisdicional plena.

O Diretor Executivo da ONG Transparência Brasil, Cláudio Weber Abramo, declarou, em recente entrevista, que o Brasil tem a pior Justiça do mundo. Talvez se deva a afirmação em tela aos arroubos da retórica. Seja como for, o desabafo impertinente foi ouvido sem reação dos atingidos. De outro lado, pegando carona no filme recentemente lançado, "Flores Raras", é significativa a observação da poetisa Elizabeth Bishop (no livro) de que "o Brasil não tem solução face à sua letargia e egoísmo". Mais uma vez, posto que insensata, a declaração em apreço incomoda porque ali há verdade.

É pena que o eminente ministro Joaquim Barbosa não consiga se conter e prossiga transitando no Tribunal com insolente e agressiva desenvoltura, impedindo, assim, o precioso momento para oferecer lições de cidadania a alguns colegas, tão a seu gosto.

Mas é com muito maior pesar que se assiste o ministro Lewandwski dar de ombros e admitir para a sociedade que a Justiça não tem pressa. Quem sabe ele irá perceber um dia que o Brasil rasteja por que as instituições não o permitem manter-se de pé? Quem sabe um dia ele renuncia à vaidade do voto prolixo e faz Justiça ligeira para aqueles que esperam e não podem mais esperar? Quem sabe o Ministro se dê conta, arrependido, de que o seu exemplo de tolerância para com a morosidade pode nortear o procedimento de milhares de magistrados? Quem sabe ouvirão os juízes um dia o grito de desespero da sociedade de joelhos e também se curvem à urgência do povo brasileiro por Justiça?

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* Francisco de Assis Chagas de Mello e Silva é advogado do escritório Candido de Oliveira - Advogados.

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