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Nova lei anticorrupção brasileira pode ser abusiva

Com o intuito de moralizar, a nova lei anticorrupção brasileira pode ser abusiva às empresas que se relacionam com a administração pública

Norma deve ser aplicada com parcimônia sob pena do remédio se tornar um veneno à iniciativa privada.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Atualizado em 25 de setembro de 2013 14:48

Recentemente, entrou em vigor a lei 12.846/13, sancionada pela presidente da República, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública.

A mencionada lei busca, com instrumentos pretensamente eficazes, garantir a prevenção - por intermédio da previsão de punições mais severas e responsabilização da pessoa jurídica - das condutas imorais e prejudiciais que, dia a dia, ocorrem na administração pública.

Para tal, a referida lei prevê alguns mecanismos de punição da pessoa jurídica envolvida em tais atos, tais como: a responsabilização objetiva da empresa, aplicação de multa de 0,1 a 20% do faturamento bruto do exercício anterior à instauração do processo administrativo, a publicação da decisão às expensas da pessoa jurídica em jornal de grande circulação nacional, o perdimento de bens, direitos ou valores, a suspensão ou interdição parcial das atividades da empresa, a dissolução compulsória da pessoa jurídica e a proibição de recebimento de quaisquer incentivos ou benefícios obtidos por órgãos públicos pelo prazo de um a cinco anos.

As primeiras sanções estão previstas para serem aplicadas administrativamente, após regular processo administrativo. As demais, somente poderão ser aplicadas após contraditório em processo judicial.

É notório que, com o atual panorama das relações entre particular e administração pública, torna-se necessária uma regra mais rigorosa como garantia de respeito aos postulados do Direito Público.

A saída legislativa em questão, entretanto, em uma análise mais aprofundada, detém duas vertentes opinativas que se contrapõem.

Na primeira, observa-se que as empresas que atuam em observância às normas de Direito Público e, ao participar de relações com o Estado buscam observar os princípios da administração pública, terão a seu favor - se corretamente assessoradas, por meio de profissionais especializados no âmbito do Direito Público - uma legislação que poderá garantir maior lisura e eficaz defesa de seus interesses contra algumas práticas de mancomunação que historicamente têm ocorrido na administração pública brasileira. Garantir-se-ia, assim, maior equilíbrio entre as empresas concorrentes e interessadas nas relações com a administração pública.

Por outro lado, uma luz amarela se acende.

Isto porque a lei mencionada é extremamente rigorosa, e, ao determinar a responsabilização objetiva das pessoas jurídicas em questão e ao estabelecer algumas das punições para tais empresas, poderá ensejar abusos em sua aplicação.

Tais abusos - aos quais, no âmbito do Direito Público, as pessoas físicas ou jurídicas estão sempre sujeitas - poderão ensejar a inviabilidade da continuidade das atividades de uma empresa que, eventualmente, pela simples conduta culposa permitida pela inabilidade de seus gestores em relação aos regimes da administração pública - especialmente por aquelas empresas de menor porte que não detém assessoria especializada na área - podem vir a ser condenada pela mão pesada da referida lei.

Sua aplicação, portanto, deverá seguir critérios de razoabilidade e do devido processo legal.

Importante notar, inclusive, que a aplicação da referida lei não impede a aplicação conjunta da lei de improbidade administrativa, que desde sua atuação, tem sido aplicada de maneira errônea e, especialmente, utilizada como uma espécie de panaceia para todos os males da sociedade.

Outro ponto a se observar que a própria lei não prevê mecanismos para coibição de sua aplicação exagerada, o que, poderá estimular tais abusos, e, assim, também sua utilização com intuito político e persecutório.

Desta maneira, nota-se que a referida lei, embora eivada de boa vontade - boa vontade esta que habita as maiores profundezas da Terra - deverá ser interpretada e aplicada com grande parcimônia, tomando-se cautelas para que o remédio que, em doses homeopáticas curaria qualquer doença, não se torne, com o passar do tempo, um veneno à iniciativa privada.

Às empresas, por fim, só resta adequarem-se à realidade e, em seus instrumentos de planejamento estratégico, buscarem atuar de maneira preventiva, com a contratação de assessoria especializada para acompanhar todas as fases de seu relacionamento com a administração pública, com objetivo essencial de garantir que não se venha a sentir, como efeito colateral futuro do novel remédio - ora em fase de testes laboratoriais - contra a corrupção, profundas dores de cabeças e consequente óbito precoce.

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* Gustavo Russignoli Bugalho, advogado do Brasil Salomão e Matthes Advocacia

 

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