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Momento de exigibilidade da multa cominatória - Astreintes - , quando fixada liminarmente em processo de conhecimento

Questão bastante discutida atualmente envolve o momento pelo qual se pode exigir em juízo o valor estabelecido relacionado às astreintes, quando fixado liminarmente em processo de conhecimento.

sábado, 5 de outubro de 2013

Atualizado em 4 de outubro de 2013 14:21

Questão bastante discutida atualmente envolve o momento pelo qual se pode exigir em juízo o valor estabelecido relacionado às astreintes, quando fixado liminarmente em processo de conhecimento. Não obstante, antes de tratarmos especificamente sobre esse ponto, importante algumas observações prévias no tocante ao Instituto das Astreintes.

Conceituam-se as astreintes, também conhecidas como multa periódica pelo atraso no cumprimento das obrigações, ou multa cominatória, prevista no artigo 287 do Código de Processo Civil, como uma multa a ser imposta pelo juiz, de ofício ou a requerimento da parte, destinada a atuar no psicológico do executado, no sentido de fazer com que ele cumpra determinada obrigação, que pode ser de entrega de coisa ou de fazer e não fazer, nos termos do que dispõe nossa legislação, sob pena de ter que arcar com o valor dessa multa fixada.

Assim, o juiz determina um valor que não é destinado a fazer com que o devedor arque com ele, pelo contrário, atua como um meio de coerção para que se cumpra a obrigação principal de modo específico, podendo ser executado pelo valor dessa multa, desde que incidente, se não cumprir a obrigação principal de modo espontâneo. Isso é assim porque, mesmo que ela não seja fixada para ser paga, mas para que a obrigação principal se cumpra, incidida e referida obrigação não sendo satisfeita, surge ao exequente o direito de cobrar esse valor do executado, referente aos dias em que ela incorreu.

Neste sentido:

Como a multa visa à realização de determinado comportamento ou abstenção e, por definição, ela representa uma forma de exercer pressão psicológica no obrigado para que realize a obrigação a que está sujeito, é correto o entendimento que ela possa superar o valor do contrário ou de eventual cláusula penal para que seja eficaz no atingimento dessa sua finalidade. A multa deve ser fixada de tal maneira que leve o executado a entender que a melhor solução para ele, pelo menos do ponto de vista econômico, é o acatamento da determinação judicial (SCARPINELLA BUENO, 2013, p. 403-4).

Ainda:

Das medidas necessárias autorizadas pelo Código de Processo Civil como meios de induzir o obrigado ao adimplemento das obrigações específicas, tem bastante realce as multas coercitivas, que são a versão brasileira das astreintes concebidas pelos tribunais franceses com a mesma finalidade. Elas atuam no sistema mediante o agravamento da situação do obrigado renitente, onerando-o mais e mais a cada hora que passa, ou a cada dia, mês ou ano, ou a cada ato indevido que ele venha a repetir, ou mesmo quando com um só ato ele descumprir irremediavelmente o comando judicial - sempre com o objetivo de criar em seu espírito a consciência de que lhe será mais gravoso descumprir do que cumprir a obrigação emergente do título executivo (DINAMARCO, 2009, p. 535).

Nossa lei processual civil, em alguns de seus dispositivos legais, estabelece expressamente a possibilidade de fixação das astreintes, especificamente, no caso, os artigos 461, parágrafos 4º, 5º e 6º; 461-A, parágrafo 3º; 645 e 621, parágrafo único; todos do Código de Processo Civil. A título de elucidação, estabelece o artigo 461 o que segue:

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. (Redação dada pela lei 8.952, de 13.12.1994)

§ 1º A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente. (Incluído pela lei 8.952, de 13.12.1994)

§ 2º A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287). (Incluído pela lei 8.952, de 13.12.1994)

§ 3o Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada. (Incluído pela lei 8.952, de 13.12.1994)

§ 4º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito. (Incluído pela lei 8.952, de 13.12.1994)

§ 5º Para a efetivação da tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial. (Incluído pela lei 8.952, de 13.12.1994)

§ 5º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. (Redação dada pela lei 10.444, de 7.5.2002)

§ 6º O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva. (Incluído pela lei 10.444, de 7.5.2002)

Em obrigações de fazer, por exemplo, a parte ré tem a oportunidade de cumprir a obrigação espontaneamente, quando citada ou intimada para tal, no prazo fixado pelo juiz, sob pena de, não o fazendo, incidir as astreintes, devidamente arbitrada pelo judiciário.

Trata-se de uma multa que pode ser fixada pelo juiz, inclusive de ofício, para que se dê o cumprimento de determinada obrigação e que deve ser imposta em valor elevado, a fim de compelir, efetivamente, o réu/executado a esse adimplemento. Por este motivo, seu valor não foi determinado pela lei; deixou o legislador ao juiz a consideração do valor a ser arbitrado, considerando aspectos como as condições econômicas do próprio executado e as peculiaridades do caso concreto, de modo específico.

Nossa legislação prevê expressamente, também, a possibilidade deste valor fixado, a título de multa cominatória, ser majorado ou reduzido para o alcance de sua finalidade se o juiz verificar que ele, inicialmente, não está tendo este condão. Isso porque, muito embora ligada ao direito material em juízo, para que este seja tutelado, seja cumprido de modo específico, esta multa não se confunde com esse próprio direito, com o direito material, pelo contrário, é um meio de forçar o réu/executado a agir de determinado modo, para que o direito material em juízo não se frustre.

Ligada à ideia de processo, está também a ideia de técnica para que ele possa bem se conduzir. Há técnicas específicas que devem ser implantadas para a obtenção de determinada tutela jurisdicional, para a efetiva realização do direito material, e, por este motivo, ela precisa ser bem norteada, para que possa atingir seu escopo. Nesta linha de raciocínio, visualizamos as astreintes como uma medida processual, uma técnica a ser utilizada para que se dê o cumprimento de decisões judiciais, dentre outras existentes.

Para Bedaque:

A técnica constitui fator essencial à ideia de processo. Concebido este como instrumento de que a função jurisdicional do Estado se serve para colocar fim às crises existentes no plano do direito material, necessário regular a maneira como ele opera. É fundamental que o instrumento atue segundo técnica adequada e apta a possibilitar que os fins sejam atingidos. Esta é a função das formas e formalidades processuais, cuja razão de ser encontra explicação fundamentalmente em fatores externos ao próprio processo. De nada adianta o processo regular do ponto de vista formal, mas substancialmente em desacordo com os valores constitucionais que o regem (2006, p. 26).

Daniel Roberto Hertel afirma que:

De qualquer forma, é no Direito Processual - mais do que em qualquer outro ramo do direito - que a técnica ganha fundamental importância. De fato, o processo, como instrumento de uma atividade, deve ser essencialmente técnico, para que os seus fins sejam alcançados e realizados. A técnica processual, ademais, tem sido destacada pela doutrina como um dos fatores de maior relevância para a efetividade do processo (2006, p. 67).

E finaliza:

Desde já, portanto, afaste-se a ideia mal propalada de que, para obtenção da efetividade no processo, deve-se afastar a técnica processual. Muito pelo contrário, a aplicação da técnica processual contribui decididamente para a efetividade do processo. O que deve ser afastado é o tecnicismo processual, ou seja, a utilização da técnica por si só, dissociada dos verdadeiros fins do processo. O emprego da técnica processual de modo a conduzir o processo ao seu desfecho é extremamente louvável (2006, p. 68).

Podetti, citado pelo professor Daniel Roberto Hertel em sua obra "Técnica Processual e Tutela Jurisdicional" - a instrumentalidade substancial das formas - (2006), menciona que a técnica processual precisa ser observada sob três ângulos, no caso, o da técnica de elaboração, o da técnica de conhecimento e o da técnica de interpretação, estando o Instituto das astreintes enquadradas nesta última. Trata-se da consideração de que o processo deve ser interpretado de acordo com a realidade social, como um instrumento efetivo para a solução dos conflitos, visando à plena satisfação do direito material (Hertel, 2006).

Nessa mesma linha de raciocínio, professor Cássio Scarpinella Bueno considera que:

A natureza jurídica da multa não pode conduzir a tal interpretação que, em última análise, levará o exequente a enriquecer-se indevidamente. A multa tem de atender à sua finalidade, que é a de obter, do próprio executado, um específico comportamento ou uma abstenção. Nunca e de forma nenhuma servir como baliza para fixar perdas e danos ou, mais amplamente, assumir qualquer sentido indenizatório em prol do exequente. É por isso que a exigibilidade imediata da multa tem de significar uma das seguintes alternativas: a) o acatamento, pelo executado, da determinação judicial; b) a alteração do valor e/ou periodicidade da multa visando à observância imediata da determinação judicial pelo executado; c) a tomada de outra medida de apoio visando á obtenção da tutela específica com o abandono da multa que será devida até então; nunca indefinidamente (2013, p. 405-6).

Da mesma forma, não possui natureza ressarcitória, nem sancionatória. Trata-se, simplesmente de técnica para se fazer cumprir decisões judiciais de modo mais útil e célere. Possui caráter intimidatório, objetivando o comportamento específico do réu/executado, convencendo-o de que é mais viável a adoção deste comportamento do que ter que, eventualmente, arcar como valor desta multa, que pode ser bastante elevado, inclusive.

Após essa inicial exposição, passamos a fazer algumas considerações sobre o ponto central de nossa singela abordagem, qual seja, o momento adequado em que o autor/exequente poderá exigir, em juízo, o valor desta multa, quando arbitrado em decisão interlocutória e efetivamente incidido, diante do descumprimento da obrigação por parte do réu/executado. Sim, porque pode ter o juiz arbitrado as astreintes em decisão interlocutória, no início do processo, quando, ao outorgar provisoriamente o pleiteado pelo autor, via tutela antecipada, em liminar, fixa também um multa periódica, para que este direito material concedido, no papel, de modo provisório, o seja, no mundo dos fatos, o mais rapidamente possível.

Quando temos a fixação e a incidência das astreintes em fase executiva ou em processo de execução já de modo definitivo, nenhum problema há no tocante à sua exigibilidade. Neste caso, o credor, mediante procedimento de execução por quantia certa, poderá iniciar a execução deste valor, paralelamente à ação que envolve o fazer, o não fazer ou a entrega de coisa.

Mas, e quando fixada referida multa em decisão interlocutória, esta já poderá ser cobrada, mesmo em se tratando de uma decisão que envolva a concessão do direito material liminarmente, de modo provisório, precário? Ou mesmo que esta decisão interlocutória já tenha sido substituída pela sentença de primeiro grau, sendo proferida reconhecendo a procedência do pedido do autor (em primeira instância), poderá o valor das astreintes ser executado antes do trânsito em julgado desta decisão? Será sobre este tema que exporemos a seguir.

Neste sentido, podemos verificar a existência de divergências de opiniões no próprio Superior Tribunal de Justiça. As três Seções deste Tribunal contam com posições divergentes recentes sobre o assunto. Verificamos uma linha de raciocínio no sentido de ser possível a execução das astreintes, de imediato, mesmo que fixada em decisão interlocutória, portanto, decisão provisória, podendo ser exigida a partir do descumprimento da obrigação1; outra, em sentido completamente oposto, que considera haver a possibilidade desta execução tão somente após o trânsito em julgado da decisão que veiculou a fixação de referida multa, confirmando eventual tutela antecipada concedida2, posição esta que entendemos mais coerente e que discorreremos a respeito; e uma terceira, mais intermediária, no sentido de poder haver execução das astreintes após a prolação de sentença de primeira instância, que veio substituir a decisão interlocutória concedida anteriormente, mas desde que eventual recurso interposto desta decisão não tenha sido recebido em seu efeito suspensivo3.

Segundo nos parece mais adequado, de acordo com a técnica processual brasileira, a nosso ver, a melhor posição adotada seria a segunda.

Em um primeiro momento, verificamos claramente que esta multa corresponde a uma técnica destinada à observância de decisões judiciais, que está totalmente relacionada ao direito material que foi concedido pelo juiz ao autor de modo prévio, em decisão interlocutória, por exemplo, pois sua fixação objetiva o cumprimento, o quanto antes, da obrigação específica reconhecida judicialmente. Desta relação, inclusive, denota-se o fato de o valor das astreintes ser revertido em proveito do autor da demanda, lhe sendo lícito executá-lo.

Isso significa dizer que seu valor só será devido se existir uma decisão definitiva que confirme a decisão provisória anteriormente concedida, decisão esta que envolva o direito material atrelado à multa coercitiva, fixada para o mais eficaz cumprimento da obrigação. Caso contrário, se a decisão definitiva não vier a confirmar a decisão provisória antes concedida, não há que se falar em possibilidade de execução da multa periódica.

Justamente diante dessa observação, pelo fato de ter que haver essa decisão com cunho de definitividade para substituir uma decisão interlocutória concedida, é que se faz mais coerente, segundo nosso entendimento, que essa decisão já tenha transitado em julgado.

Se o juiz determina a entrega de um objeto, por exemplo, por meio de um processo de natureza cognitiva, em seu início, liminarmente, concedendo a medida mediante decisão interlocutória, a prolação da sentença em primeira instância, que, muito embora venha substituir efetivamente a interlocutória deferida, não ganha cunho de definitividade, isto porque essa sentença poderá ser objeto de recurso, vindo, somente a ganhar esse status, a partir de seu trânsito em julgado.

É certo que uma sentença proferida produz efeitos mesmo antes de seu trânsito em julgado; tanto é assim, que nosso ordenamento jurídico possibilita a execução provisória da sentença, de acordo com os artigos 475-I, parágrafo primeiro e 475-O, do Código de Processo Civil. Não obstante, parece-nos não ser o caso aqui. O que se executa de maneira provisória é a obrigação em si, é aquilo que foi concedido ao autor pelo juiz, é o próprio provimento que a parte foi buscar em juízo e não a multa fixada para que esse provimento fosse alcançado.

Esta, segundo melhor juízo, muito embora devida desde o momento em que se tem o inadimplemento da obrigação, quando fixado pelo juiz, muitas vezes no início do processo, só poderia ser exigível após o trânsito em julgado da decisão que envolve o direito material. Observamos essa mesma linha de raciocínio adotada por leis especiais previstas no direito brasileiro, como o descrito pelo Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 213, §3º e a lei da ação civil pública, artigo 12, §2º 4.

De acordo com Cândido Rangel Dinamarco:

A exigibilidade dessas multas, havendo elas sido cominadas em sentença mandamental ou em decisão antecipatória da tutela específica (art. 461,§3º - supra, n. 1630), ocorrerá sempre a partir do trânsito em julgado daquela - porque, antes, o próprio preceito pode ser reformado e, eliminada a condenação a fazer, não-fazer ou entregar, cessa também a cominação (sobre exigibilidade - supra, n. 1.422). Não seria legítimo impor ao vencido o efetivo desembolso do valor das multas enquanto ele, havendo recorrido, ainda pode ser eximido de cumprir a própria obrigação principal e, consequentemente, também de pagar pelo atraso.

Isso significa que, entre o começo da desobediência (não cumprimento do prazo estabelecido) e o trânsito em julgado da sentença mandamental, acumular-se-ão valores devidos a título de multa, para que só a final a soma de todos eles possa ser cobrada.

As astreintes permanecem inexigíveis ainda quando careça de efeito suspensivo o recurso interposto quanto ao capítulo de sentença portador de condenação pela obrigação principal (recurso especial, etc). A execução provisória que se permite nesses casos é uma técnica de aceleração de resultados, oferecida ao vencedor para obtenção do bem a que provavelmente tenha direito, mas seria ir longe demais oferecer-lhe a possibilidade de obter o bem mais a pecúnia sancionatória pelo atraso, quando o próprio bem pode vir a ser-lhe subtraído depois (uma das regras inerentes do regime das execuções provisórias é a da restitução ao status quo ante - CPC, art. 475-O, inc. II - infra, nn. 1.822 e 1.827). Além disso, devendo o exequente pagar ao executado pelos prejuízos que a execução provisória lhe houver causado, não seria prudente nem razoável abrir caminho para um juízo adicional, que seria o desembolso prematuro do valor das multa (2009, p. 540-1). Grifo nosso.

Pensar de modo oposto, nos impõe à observação de que não há diferença alguma entre exigir-se as astreintes confirmadas em sentença de primeiro grau, impugnada por recurso que não tenha sido recebido em seu efeito suspensivo, das astreintes fixadas em decisão interlocutória. Ambas ainda possibilitam recurso e, portanto, a alteração da situação fática, o que pode fazer com que o direito material concedido, ou em interlocutória ou em sentença de primeiro grau, se modifique e faça cair por terra a multa coercitiva fixada com base na realidade anterior.

Os que sustentam a possibilidade de execução das astreintes após a confirmação de uma decisão interlocutória anteriormente concedida, por sentença, quando impugnada por recurso recebido somente no efeito devolutivo, colocam que não seria possível referida execução antes de essa sentença ser proferida, antes de se ter essa confirmação, pelo menos, em primeiro grau de jurisdição, o que impediria uma execução de seu valor baseado meramente em decisão interlocutória.

Porém, considerando o direito material em jogo, quando concedido liminarmente, em tutela antecipada, não pode ser executado de modo provisório? Essa decisão não é considerada como título executivo judicial porque não consta expressamente do rol do artigo 475-N do Código de Processo Civil? Em nossa opinião, é certo que sim, é possível a execução provisória nesta hipótese, segundo nosso próprio Código de Processo Civil nos dispõe em seu artigo 273, parágrafo 3º 5.

Para a execução das astreintes, multa vinculada ao direito material, seria diferente? Este pode ser executado de modo provisório, tanto por meio de uma interlocutória ou sentença, desde que o recurso não tenha sido recebido no efeito suspensivo, mas a multa cominatória, acessória a este direito, não poderia? A menos que existisse a prolação de uma sentença, de primeiro grau, substituindo a decisão liminar conferida no início do processo? Segundo pensamos, não corresponde ao melhor posicionamento.

Uma decisão concedida a título de antecipação de tutela, embora seja tida como uma tutela provisória, precária, exige requisitos robustos para sua concessão; deve haver a prova inequívoca da verossimilhança da alegação, o que equivale a dizer que, por se tratar de medida de cunho satisfativo, deve o autor demonstrar a fortíssima probabilidade de seu direito existir, que, quando reconhecida e concedida, acabará, como regra, em linha de consequência, fazendo gerar uma sentença de procedência, confirmando aquela decisão, pelo menos em primeiro grau de jurisdição.

Cássio Scarpinella Bueno sustenta como mais adequado este terceiro posicionamento que citamos manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça, mencionando que será inócua a medida coercitiva fixada se não puder o autor iniciar desde logo execução para compelir o réu ao cumprimento de citada obrigação (SCARPINELLA BUENO, 2013). A saber:

Deixar a multa do artigo 461 para ser cobrada apenas depois do trânsito em julgado e, pois, depois da fixação definitiva das responsabilidades de cada parte pelos fatos que ensejaram a investida jurisdicional, seria esvaziar o que ela tem de mais relevante: a possibilidade de influenciar a vontade do executado e compeli-lo ao acatamento da determinação judicial e, consequentemente, à satisfação do exequente, que teve reconhecido em seu favor o direito à prestação da tutela jurisdicional (2013, p. 405).

A nosso ver, a medida coercitiva, muito embora não possa ser exigida antes do trânsito em julgado da decisão, é devida, incidindo a partir do momento em que se deu o descumprimento da obrigação, o que já denotaria o seu caráter de coerção, o seu caráter de ameaça ao réu, podendo ter que, futuramente, arcar com seu valor.

Em sentido oposto ao entendimento de que se ela não for exigida, desde logo, estaria sendo retirado das astreintes seu caráter coercitivo, temos o que expõe Luiz Guilherme Marinoni, na mesma linha de nosso pensamento, a saber:

Se o nosso sistema confere ao autor o produto da multa, não é racional admidir que o autor possa ser beneficiado quando a própria jurisdição chega á conclusão de que ele não possui o direito que afirmou estar presente ao executar a sentença (provisoriamente) ou a tutela antecipatória. Pelo mesmo motivo que o processo não pode prejudicar o autor que tem razão, é ilógico imaginar que o processo possa beneficiar o autor que não tem qualquer razão.

Não se pense que a circunstância de a multa não poder ser cobrada pelo autor que, a final, é declarado sem razão retira seu caráter coercitivo. O que atua sobre a vontade do réu é a ameaça do pagamento da multa. Esta, assim, não perde o poder de coerção apenas porque o réu sabe que não terá que pagá-la, na hipótese de o julgamento final não confirmar a tutela antecipatória ou de "execução provisória da sentença", o réu certamente temerá ter que pagar a multa, não só porque é provável que o julgamento final acabe confirmando a tutela antecipatória ou a sentença, mas fundamentalmente porque ninguém pode ter segura convicção de qual será o último julgamento.

A multa, para exercer sua finalidade coercitiva, não precisa ser cobrada antes do trânsito em julgado. A finalidade coercitiva não se relaciona com a cobrança imediata da multa, mas apenas com a possibilidade da sua cobrança futura. Tal possibilidade é suficiente para atemorizar o demandado e, assim, convencê-lo a adimplir (2008, p. 81-2).

Não obstante, observando o projeto do novo Código de Processo Civil, que se encontra, até o presente momento, aprovado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, vislumbramos que ele se refere à possibilidade de execução provisória das astreintes, quando for o caso, considerando que seu cumprimento definitivo deve se dar após o trânsito em julgado da decisão6.

Assim, em conclusão, segundo pensamos, somente após o beneficiário da multa tornar-se realmente detentor do direito material que a veiculou, de modo definitivo, é que teria direito de cobrar em juízo referido montante, pois a multa, nesta hipótese, corresponde a um instrumento para a garantia de um provável direito concedido a título de antecipação de tutela. Para ela não ser devida, o julgamento final da questão deve não confirmar a tutela concedida anteriormente e este julgamento final não advém da prolação da sentença proferida em primeiro grau, mas após aquela questão estar devidamente revestida pela autoridade da coisa julgada material. As astreintes somente poderiam ser cobradas após o trânsito em julgado da decisão de procedência do pedido do autor, contado do dia do descumprimento da ordem judicial.

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1Neste sentido, citamos os seguintes precedentes: AgRg no AREsp 50.816/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 07/08/2012, DJe 22/08/2012; AgRg no AREsp 144.562/RJ, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 05/05/2012, DJe 21/05/2012 e AgRg no REsp 1299849/MG, Relator Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 19/04/2012, DJe 07/05/2012.

2Neste sentido, citamos os seguintes precedentes: AgRg no AREsp 50.195/SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, julgado em 21/08/2012, DJe 27/08/2012; AgRg no REsp 1173655/RJ, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 12/04/2012, DJe 26/04/2012 e REsp 859361/RS, Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 26/10/2010, DJe 29/11/2010.

3Neste sentido, REsp 1.347.726/RS, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 27/11/2012, DJe 04.02.2013.

4Nestes termos, o Estatuto da Criança e do Adolescente: Art. 213. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

§ 1º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citando o réu.

§ 2º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.

§ 3º A multa só será exigível do réu após o trânsito em julgado da sentença favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento.

Nos mesmos termos, art. 12 da Lei da Ação Civil Pública: Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.

§ 1º A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respectivo recurso suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo para uma das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação do ato.

§ 2º A multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento.

5Como nos ensina Cássio Scarpinella Bueno, o artigo 475-N, I, do CPC, menciona somente as sentenças como títulos executivos judiciais. Não obstante, trata-se de uma redação insuficiente à luz do sistema processual civil, considerando, também, além de outros, como título executivo, as decisões interlocutórias proferidas em antecipação de tutela jurisdicional (2013, p. 110).

6Segue a redação atual do dispositivo do projeto do novo CPC referente à multa cominatória: Art. 551. A multa periódica independe de pedido da parte e poderá ser concedida na fase de conhecimento, em tutela antecipada ou sentença, ou na execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para o cumprimento do preceito.

§ 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, sem eficácia retroativa, caso verifique que:

I - se tornou insuficiente ou excessiva;

II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.

§ 2º O valor da multa será devido ao exequente.

§ 3º O cumprimento definitivo da multa depende do trânsito em julgado da sentença favorável à parte; a multa será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento da decisão e incidirá enquanto não for cumprida a decisão que a tiver cominado. Permite-se, entretanto, o cumprimento provisório da decisão que fixar a multa, quando for o caso.

§ 4º A execução da multa periódica abrange o valor relativo ao período de descumprimento já verificado até o momento do seu requerimento, bem como o do período superveniente, até e enquanto não for cumprida pelo executado a decisão que a cominou.

§ 5º O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional.

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* Ana Luísa Fioroni Reale é advogada, professora de Direito Processual Civil na Uninove/SP, especialista e mestre em Direito e doutoranda em Direito Processual Civil pela PUC/SP.

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