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Pois é, pra quê?

"Quem é que pode administrar um país numa República democrática tendo que se acertar todo dia com os donos de trinta e dois partidos?", questiona o ex-presidente do STJ.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Atualizado em 28 de outubro de 2013 15:28

E esse prédio cinzento? É o Parlamento. Ainda nem é meio dia. Aponto as portas e as janelas totalmente fechadas. Além do que a semana ainda está no meio.

Eles trabalham muito. Devem ter saído para o almoço.

O taxista não disfarça o desdém.

E eu cá falando em silencio o meu português de Portugal me ponho a imaginar. Apenas concordar com Churchill para quem a democracia é o pior dos regimes do mundo, à exceção dos demais, não é o suficiente.

Precisamos estar atentos todos os dias para que a democracia enfraquecendo-se possa resistir às contaminações dos que lentamente as conspurcam e a banalizam e com o oportunismo dos discursos e das ações populistas acabam por induzir o povo ao meio fio da turba ignora e o Estado à demagogia, enfim à desordem constitucionalizada e à tirania.

O Parlamento inventado para ser a representação popular verdadeira, por conseguinte qualificada, tem sido desfigurado em sua razão de ser, e não é hoje.

Nas primeiras décadas do ultimo século na Europa, por exemplo, os parlamentos já não detinham pela maioria dos que o integravam o conteúdo que os justificassem.

Não perguntem como se fazem as leis. Nem as salsichas. Disse Bismarck, o maior estadista do seu tempo.

E assim voltamos, nós no Brasil, ao que há de mais deplorável e já faz tempo. A péssima qualidade da representação popular tem atenazado, em muito, a República empurrando o Executivo a esse presidencialismo de ocasos e de ocasiões.

Estou em Roma, a antiga capital do mundo, que não se envergonha do Império dos seus Césares, que se orgulha da sua história e das lições que por seus exemplos, bons ou maus, tem dado em contributo à civilização.

O povo demonstrava sossego quando para entrete-lo Vespasiano levou a sério a fórmula - pane et circenses. Pão e circo que muitos ainda teimam copiar no Brasil.

No Coliseu romano matavam os opositores à vista.

No coliseu invisível do atraso politico e da pobreza social o poder da incúria no Maranhão mata a doses homeopáticas, de várias formas, a perder de vista.

Berlusconi, o multimilionário que controla a maior parte da mídia e parte do parlamento porque ainda tem sob seu cabresto deputados submissos, foi afinal condenado por suas falcatruas e desmandos e proibido de ocupar cargos públicos.

Isso só não basta. O Parlamento quando reúne produz discursos que não dizem nada à vida das pessoas, falas que não interagem, que não produzem resultados - e no mais ou são louvaminhas escancaradas ou condenações exacerbadas ao governo, tudo no mesmo figurino de velha politicalha.

Até ontem eram trinta e dois partidos políticos e também nisso estamos iguais no Brasil. Quem é que pode administrar um país numa República democrática tendo que se acertar todo dia com os donos de trinta e dois partidos?

A vantagem aqui é o parlamentarismo. A qualquer momento o presidente napolitano, um senhor de 82 anos de idade, respeitado e querido no país, pode dissolver o Parlamento e convocar novas eleições. A cada nova eleição a qualidade da representação tem melhorado um pouco. Só um pouco, mas tem melhorado.

Quanto a nós, não basta trocarmos os nomes que apenas guardam identidade com o mesmo conteúdo.

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* Edson Vidigal é ex-presidente do STJ e professor de Direito na UFMA.





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