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Médicos cubanos - regime jurídico de contratação do Brasil

Denis Fonseca Madrigano

O regime de contratação vem suscitando críticas de associações médicas que chegaram até mesmo a alegar que os cubanos estarão sendo submetidos a um regime de trabalho supostamente análogo à escravidão.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Atualizado em 30 de outubro de 2013 14:43

Muito tem se falado sobre a decisão do governo Federal de "importar" milhares de médicos cubanos para atuarem em nosso país, por meio do grande pacote vendido pelo governo de Cuba ao Ministério da Saúde, sob intermediação da Opas - Organização Pan-Americana de Saúde.

O incômodo gerado por esta situação não é a questão da nacionalidade dos médicos ou mesmo sentimentos xenófobos, pois um dos maiores médicos do Brasil foi um ucraniano, Noel Nutels, que levou a saúde pública às áreas indígenas da Amazônia.

A questão, a bem da verdade, é outra: o governo criou uma enorme polêmica por achar que a saúde se resume à medicina. E não é!

A medicina é a última etapa na luta pela saúde, que começa pela engenharia, pelo saneamento básico, passa pela educação e conscientização do povo sobre higiene e termina nas condições de vida, que também são importantes, vez que alimentação adequada e moradia saudável exercem papéis fundamentais para a melhoria da saúde.

Mas, se ainda assim uma pessoa educada, com acesso a saneamento básico, alimentação e moradia, devidamente vacinada, fica doente, então cabe à medicina e às demais ciências da área de saúde (nutrição, fisioterapia, enfermagem e afins) cumprir seu nobre e insubstituível papel de cuidado.

Portanto, a "solução" do governo, com o Programa Mais Médicos, já está errada desde a sua concepção.

Mas não é só isso, já que a forma de execução escolhida pelo governo também está completamente equivocada, além de ser ilegal!

Isso porque, os médicos cubanos, ao contrário do que ocorrerá com os demais médicos estrangeiros, não receberão um contracheque de R$ 10 mil no final do mês. Os R$ 10 mil não serão depositados na conta particular de cada um dos trabalhadores, mas sim repassados ao governo de Cuba (sob intermédio da Opas), que, por sua vez, repassará entre "40% e 50%" da quantia aos seus médicos, segundo a vice-ministra cubana, Márcia Cobas.

O regime de contratação vem suscitando críticas de associações médicas e de setores da sociedade civil, que chegaram até mesmo a alegar que os cubanos estarão sendo submetidos a um regime de trabalho supostamente análogo à escravidão. Chegou-se, inclusive, a se cogitar que o MPT teria de "interferir", sob a alegação de que a contratação dos médicos em uma transação feita pelo governo de Cuba era "totalmente irregular".

E é exatamente isso o que está ocorrendo: "Marchandage"1, ou seja, a mera intermediação de mão de obra, que trata o trabalho como mercadoria e representa um lamentável retrocesso nas condições laborais no Brasil.

No Brasil o mero intermediador de mão de obra é conhecido vulgarmente como "gato" e, neste caso, o "gato" é, em última análise, o Estado Cubano!

Nunca antes da história deste país um Estado tinha agido como "gato". Só agora...

O MPT, inclusive, já instaurou um inquérito para esclarecer pontos ainda obscuros da contratação, mas os termos precisos do regime de trabalho dos profissionais cubanos permanecem um mistério. A BBC Brasil solicitou à Opas o termo firmado entre a organização (representando o Brasil) e o governo de Cuba, onde haveria mais detalhes sobre esse fato.

A Opas respondeu que apenas o governo Cubano pode se pronunciar sobre o assunto. Por sua vez, representantes daquele governo disseram à reportagem que apenas a Opas pode dar mais informações.

Mais curioso ainda é que o PT sempre foi um ferrenho combatente da mera intermediação de mão de obra, por considerar que tal situação precariza as relações de trabalho e deve ser evitada.

Porém, quando o "gato" mantém fortes laços ideológicos com os atuais ocupantes do governo brasileiro, tudo passa a ser permitido.

Por fim, pode-se criticar a contratação dos médicos estrangeiros também por seu viés nitidamente eleitoral (ou, eleitoreiro).

Isso porque, o governo brasileiro pretende trazer 4.000 cubanos ao preço de R$ 10 mil/mês por cada um, o que totaliza R$ 40 milhões/mês.

Se parte desse valor - R$ 520 milhões, que, repita-se, será recebido não pelos médicos que virão trabalhar no Brasil, mas sim pelo governo Cubano - retornar ao Brasil, por meio de doação (contabilizada ou não), pode ser oportunamente utilizado pelo nosso governo para fins de campanha política.

O governo que atualmente está no poder em nosso país põe a culpa do caos da saúde nos médicos e declara guerra contra eles. Gasta uma fortuna com propaganda do programa "Mais Médicos" e vai usá-lo para tentar alavancar a candidatura na próxima campanha presidencial.

Além disso, o governo Federal ganhará o apoio de milhares de prefeitos que já começaram a dispensar médicos que são pagos com o tesouro municipal e que agora serão pagos com verba Federal, desonerando as prefeituras a um ano da eleição.

O atual governo ainda terá 4.000 cabos eleitorais trabalhando de graça e em tempo integral durante um ano para angariar votos, bem como o apoio de um exército de miseráveis que agora já não se satisfazem mais só com bolsa-família e querem mais.

Enfim, pode-se concluir que ao aumento na proporção entre o número de médicos existentes em um país e o número de habitantes é sempre desejável. Contudo, a simples existência de mais médicos não resolve os problemas de saúde pública, que estão diretamente relacionados à falta de estrutura. Ademais, a contratação dos médicos cubanos por meio de mera intermediação de mão-de-obra é ilegal no Brasil, além de ter finalidades que podem não estar diretamente relacionadas à melhoria das condições da população.

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1 TST- Processo AIRR 18540-36.2004.5.03.0103 - 6ª turma.

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* Denis Fonseca Madrigano é advogado do escritório Rocha e Barcellos Advogados.

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