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Negociação de quotas na sociedade limitada

Ricardo César Dosso

A necessidade de alteração do contrato social da limitada impõe limitações à transferência das frações.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Atualizado em 1 de novembro de 2013 15:31

É praticamente mandatória, nos atos constitutivos de sociedades limitadas, a cláusula que prevê o direito de preferência dos demais sócios caso algum deles queira alienar sua participação societária.

A disposição remete, quase que instantaneamente, à analogia com o que ocorre no condomínio de bens, móveis e imóveis, em que a qualquer coproprietário é facultado dispor de sua fração ideal, bastando que assegure aos demais titulares a preferência em igualdade de condições.

A transferência automática dessa lógica ao regime jurídico das sociedades limitadas, no entanto, leva a interpretações equivocadas, não raro com consequências sérias na vida negocial.

Ainda que tenha sofrido alterações significativas a partir do atual Código Civil, datado de 2002, a sociedade limitada ainda deve ser classificada entre as sociedades de pessoas. A affectio societatis, expressão latina que designa a afeição entre os sócios e o propósito subjetivo de empreender em conjunto, já teve a morte decretada pela doutrina contemporânea, mas ainda não é possível afastar o vínculo pessoal entre os sócios e, especialmente, as peculiaridades ainda presentes na transmissão das quotas.

A ilustração prática permite compreender com clareza o que está a separar a sociedade limitada das ações por ações nesse assunto. Enquanto na limitada o ingresso e a retirada de sócio demandam modificação dos atos constitutivos da empresa, a chamada alteração de contrato social, a transferência da titularidade de ações exige apenas registro em livro específico, sem nenhuma repercussão no estatuto social da, não por acaso, chamada sociedade anônima.

E é exatamente a necessidade de alteração do contrato social da limitada, bem como seu arquivamento no registro de comércio, que impõe limitações à transferência das quotas.

Não basta àquele que pretende negociar sua participação na sociedade limitada ofertar suas quotas, inicialmente, aos demais sócios. Tampouco é suficiente para o comprador celebrar contrato de compra e venda das quotas, negócio jurídico existente e válido, mas ineficaz enquanto não traduzido em modificação do contrato social. O art. 1.003 do CC é enfático ao dispor que "a cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade".

Dessa circunstância surgem consequências sérias, cabendo aqui destacar duas delas. O sócio que, mesmo assegurando aos demais o direito de preferência, negociar suas quotas com terceiro, não se exime de responsabilidade se não aceito o adquirente e formalizado seu ingresso na sociedade em substituição ao retirante. É a partir desse evento que começa a fluir o prazo de dois anos previsto na lei civil, durante o qual cedente e cessionário respondem solidariamente pelas obrigações que aquele tinha como sócio, perante a sociedade e terceiros.

E o adquirente das quotas, que pagou o vendedor, bate às portas da empresa e não é aceito pelos demais sócios? Tem o direito de requerer o cumprimento do negócio e de impor aos demais sócios e à própria sociedade o dever de aceitá-lo? A resposta é não, pois a limitada continua sendo sociedade de pessoas, a quem a lei confere, a qualquer tempo e independentemente de motivo, o direito de se retirar do quadro societário. Como corolário do direito que todos têm de não permanecer sócios de quem não desejam, não são obrigados a aceitar o adquirente das quotas, e tampouco a justificar essa decisão.

Ao adquirente frustrado em sua expectativa restará, se o contrato celebrado não contiver disposições específicas para essa hipótese, demandar a apuração dos respectivos haveres, afigurando-se a titularidade de simples expectativa de crédito, jamais do direito de executar a obrigação in natura e de adentrar a uma sociedade limitada contra a vontade dos demais sócios.

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* Ricardo César Dosso é advogado do escritório Fernando Corrêa da Silva Sociedade de Advogados.








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