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Novo marco legal e regulatório de arranjos e instituições de pagamento

As novas normas podem criar um ambiente favorável especialmente para o crescimento de meios de pagamento voltados à parcela da população ainda não bancarizada.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Atualizado em 7 de novembro de 2013 16:17

Os meios eletrônicos de pagamento vêm, crescentemente, se destacando como um importante instrumento de eficiência econômica e inclusão financeira. No entanto, a ausência de uma regulação específica para a indústria de pagamento no país gerava uma insegurança jurídica para investimentos no setor, além de uma assimetria regulatória, não obstante os esforços de autorregulação. Apenas instrumentos de pagamento emitidos por instituições financeiras estavam sujeitos à supervisão do Banco Central do Brasil e, mesmo assim, com uma ausência de regras específicas sobre o tema.

Diante desse cenário, o governo brasileiro começou a trabalhar há alguns anos na definição de um marco legal e regulatório sobre o assunto, o que culminou, em 17/5/13, na edição da MP 615/13, convertida em 9/10/13 na lei 12.865/13, e na recente regulação instituída pelo CMN - Conselho Monetário Nacional e pelo BACEN - Banco Central do Brasil.

Principais disposições da lei 12.865/13

A lei 12.865/13 estabelece, dentre outros assuntos, os princípios e normas gerais sobre os chamados "arranjos de pagamento" e "instituições de pagamento", os quais passam a integrar o SPB - Sistema de Pagamentos Brasileiro. Ademais, a nova lei confere ao CMN e ao BACEN poderes para regulamentá-los. Os arranjos de pagamento, em resumo, consistem em um conjunto de regras que disciplina o funcionamento de um determinado instrumento de pagamento aceito por mais de um recebedor. Já as "instituições de pagamento" são as entidades que participam desses arranjos, como, por exemplo, os emissores de cartões.

A nova lei criou também outros conceitos, incluindo o de "instituidor de arranjo de pagamento", que é a pessoa jurídica responsável pelo arranjo de pagamento e, quando for o caso, pelo uso da marca associada ao arranjo, bem como o de "conta de pagamento", que consiste na conta de registro detida em nome do usuário final de serviços de pagamento. Vale notar que a lei utiliza linguagem genérica e ampla a fim de abarcar os instrumentos atualmente existentes e novas tecnologias que possam ser criadas no futuro.

Muito embora a lei 12.865/13 deixe claro que instituições de pagamento não se confundem com instituições financeiras, sendo inclusive vedadas àquelas as atividades privativas de instituições financeiras, as instituições de pagamento estão sujeitas, além da supervisão do BACEN, ao regime de administração especial temporária, à intervenção e à liquidação extrajudicial próprios das instituições financeiras, assim como às mesmas penalidades administrativas previstas para estas.

Marco regulatório criado pelo CMN e BACEN

Munidos dos poderes outorgados pela lei 12.865/13, o CMN e o BACEN instituíram um primeiro marco regulatório disciplinando o funcionamento de arranjos e instituições de pagamento, por meio das resoluções 4.282 e 4.283 e das circulares 3.680, 3.681, 3.682 e 3.683, todas datadas de 4/11/13 e publicadas em 6/11/13.

A primeira Resolução traz diretrizes a serem observadas na regulação e supervisão das instituições e arranjos de pagamento, reforçando os princípios já trazidos pela lei 12.865/13, entre eles, interoperabilidade dos arranjos de pagamento, confiabilidade, qualidade e segurança dos serviços de pagamento e inclusão financeira.

Já a segunda resolução inclui no rol dos procedimentos que devem ser adotados pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo BACEN, em seus sistemas de controles internos e de prevenção de riscos, novos procedimentos relativos aos instrumentos de pagamento. Alguns desses procedimentos estão relacionados com o direito consumerista, por exemplo, a necessidade de solicitação prévia para envio de instrumentos de pagamento ao domicílio do cliente, enquanto outros focam na prevenção dos crimes de lavagem de dinheiro, como a necessidade de identificação dos usuários finais beneficiários de pagamento.

As novas circulares, por sua vez, dividem-se em quatro assuntos: (i) instituições de pagamento, (ii) arranjos de pagamento, (iii) contas de pagamento e (iv) gerenciamento de riscos das instituições de pagamento.

A circular 3.683 separa as instituições de pagamento em três tipos: (i) "emissor de moeda eletrônica", que engloba emissores de cartões pré-pagos, mobile payments, entre outros; (ii) "emissor de instrumento de pagamento pós-pago", cujo grande exemplo são os emissores de cartões de crédito; e (iii) "credenciadores", que fazem o relacionamento com os recebedores (estabelecimentos) para aceitação de instrumentos de pagamento. Assim, alguns participantes da indústria de pagamento podem ficar de fora da definição de instituições de pagamento, porém o BACEN já adiantou que há a possibilidade de no futuro ser ampliada essa definição.

A circular 3.683 ainda estabelece todas as condições para constituição, autorização e funcionamento das instituições de pagamento, incluindo, entre outras, restrições para transferência de controle acionário, que passa a depender de aprovação do BACEN, e exigência de capital inicial mínimo de R$ 2 mi para cada uma das modalidades de instituições de pagamento acima mencionadas. Além disso, a circular 3.681 traz uma série de requisitos de gerenciamento de riscos, inclusive patrimônio líquido mínimo. Vale mencionar que para os bancos comerciais, bancos múltiplos com carteira comercial e caixas econômicas não será exigida uma nova autorização do BACEN.

Já a circular 3.682 trata especificamente dos arranjos de pagamento, definindo as diversas modalidades de arranjos. Nota-se que uma das classificações é feita quanto à abrangência territorial, sendo que um arranjo pode ser doméstico ou transfronteiriço. Chama a atenção a definição ampla desta última modalidade de arranjo, que parece abranger entidades que hoje não se encontram no território nacional, o que entendemos que ainda precisa ser melhor esclarecido.

A circular 3.682 também prevê quais arranjos de pagamento não integram o SPB, dividindo tais arranjos em duas espécies. A primeira espécie engloba os arranjos de propósito limitado, que incluem os cartões presentes ("gift cards"), aceitos apenas em uma rede de estabelecimentos, possuindo uma identidade visual do emissor, bem como os cartões para pagamento de serviços públicos, incluindo transporte, como é o caso do "cartão do Bilhete Único", e de telefonia pública. Já a segunda contempla os arranjos com baixos volumes.

Para os arranjos de pagamento que não se enquadram nas exceções acima ou em alguma outra exceção prevista nas novas normas, os instituidores do arranjo, cujo conceito não fica muito claro nas novas regras, deverão pedir autorização ao BACEN.

Por sua vez, a circular 3.680 dispõe sobre as contas de pagamento, dividindo estas em contas pré-pagas e contas pós-pagas. Com o objetivo de proteger a poupança popular, todo o valor dos saldos das contas de pagamento deverá ser alocado exclusivamente em uma conta específica no BACEN ou títulos públicos federais. Interessante notar que a referida circular prevê um cadastro simplificado para contas de pagamento pré-pagas com baixos valores, o que era uma das grandes demandas do setor para a viabilização do acesso especialmente de pessoas de baixa renda a cartões pré-pagos.

Por fim, vale mencionar que, com o objetivo de reforçar a assimetria regulatória, muitas das regras até então aplicáveis exclusivamente a instituições financeiras passam a se aplicar também às instituições de pagamento, incluindo, entre outras, as exigências de controles internos previstas na resolução 3.694, as restrições para cobrança de tarifas previstas na resolução 3.919 e a obrigação de possuir uma ouvidoria.

As quatro novas circulares entrarão em vigor no prazo de 180 dias após a sua publicação.

Conclusão

O novo marco regulatório dos arranjos e instituições de pagamento é um passo importante para eliminar algumas das incertezas e obstáculos existentes para o desenvolvimento da indústria de meios eletrônicos de pagamento, bem como a assimetria regulatória. As novas normas podem criar um ambiente favorável especialmente para o crescimento de meios de pagamento voltados à parcela da população ainda não bancarizada, diante das exceções e regras simplificadas previstas para arranjos envolvendo valores mais baixos.

Há, porém, importantes questões a serem esclarecidas e superadas, principalmente para o desenvolvimento de arranjos de pagamento contemplando valores mais altos, bem como aqueles envolvendo diferentes participantes, sobretudo participantes de maior porte ou que se encontram em diferentes territórios. Por fim, uma preocupação que surge é saber se as regras e regulamentações aplicáveis a meios de pagamento atenderão de forma adequada e com a velocidade necessária a demanda de novos players que queiram abarcar esse novo e promissor mercado.

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* Bruno Balduccini é advogado do escritório Pinheiro Neto Advogados.

* Ricardo Russo é advogado do escritório Pinheiro Neto Advogados.

* Tatiana Guazzelli é advogada do escritório Pinheiro Neto Advogados.

** Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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