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Cooperativas - segurança jurídica dos atos societários

Repensar as atuais finalidades e atribuições do registro, estipulando e definindo seus limites, aperfeiçoará a organização registral que tem como resultado a segurança jurídica.

sábado, 1 de março de 2014

Atualizado em 25 de fevereiro de 2014 18:14

Recentemente, o Brasil ficou na 116ª posição que mede a facilidade para se empreender, num rol de 189 países. Na América Latina, o país que mais se destacou foi o Chile, ficando em 34º lugar.

O Brasil precisa agilizar seus mecanismos de recepção de investimentos, a fim de tornar-se mais atraente para novos negócios. Não há mais espaço para burocracia ou entremeios desnecessários e ilícitos para agilização de serviços. Na prática, enquanto no Brasil se demora até 180 dias para abrir uma empresa, em países desenvolvidos, o mesmo trâmite ocorre em algumas poucas horas. Novos negócios estão sendo desperdiçados bem como empregos deixam de ser criados.

Evidente, pois, as dificuldades encontradas para se investir no Brasil. De outro lado, na contramão dos reais acontecimentos, assiste-se o Poder Público alardear perante a mídia que a desburocratização ocorrerá num futuro próximo, sempre através de atitudes pontuais e sem nenhum efetivo resultado prático - essa é a triste, nua e crua verdade.

Bem, mas não é esta a tônica que se pretende dar a este artigo; o que se quer abordar é outra questão que também merece destaque, trata-se da insegurança jurídica dos atos societários, no que toca ao registro das cooperativas.

Para a criação de sociedades empresárias e cooperativas e consequente desenvolvimento do Brasil, quem cria dificuldades desnecessárias burocratizando a atividade negocial logo no seu berço, com exigências desnecessárias é a junta comercial. As juntas comerciais deveriam, apenas, se prestar como órgãos destinados a auxiliar os empreendedores, economistas, contabilistas e advogados, como banco de dados, para o auxílio à atração de negócios, gerando maior segurança e efetividade às atividades empresariais. Contudo, na realidade atual, infelizmente, não é o que vislumbramos, sobrecarregando o já penoso custo Brasil.

Em outras palavras, as juntas comerciais, equivocadamente e extrapolando suas funções, entram no mérito das discussões societárias - muitas vezes apoiadas por suas consultorias. Não há uniformidade no registro societário, com decisões conflitantes e antagônicas, não raro em expedientes societários idênticos. Convive-se com um fator lotérico registrário.

Também no campo administrativo societário constata-se um evidente descaso à segurança jurídica. Falta uma melhor orientação às juntas comerciais, o que a rigor deveria cumprir ao DREI (antigo DNRC).

Um exemplo de descaso em relação à segurança jurídica é a Deliberação 12, ocorrida em 2012 na Junta Comercial do Estado de São Paulo. A Jucesp editou determinada deliberação que obrigou as cooperativas a se filiarem a uma entidade privada para continuar registrando seus atos e assim ter continuidade de sua pessoa jurídica.

Tal obrigatoriedade, além de ferir a Constituição Federal, contraria a lei 8.934/94 e o Decreto 1.800/96 - pois, extrapola os ditames legais do Registro Mercantil - esclarece-se que as juntas comerciais não podem exigir nada mais do que estiver exposto na Lei.

Ademais, a prática registraria demonstra que também e para piorar este quadro, não se cumpre o parágrafo único do art. 982 do Código Civil, impedindo-se que os Cartórios de Registro Civil de Pessoas Jurídicas possam registrar definitivamente as cooperativas. A lei diz que as sociedades simples vinculam-se ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas o qual deverá obedecer às normas fixadas para aquele registro.

Também cumpre afirmar, neste sentido, que os instrumentos societários registrados em Cartório costumam ter maior segurança jurídica, uma vez que a tecnalidade de sua análise e o zelo pela legalidade tem superior rigor entre os registradores civis do que entre as juntas comerciais.

Por exemplo: está ficando comum, cada vez mais, que as juntas proponham "ex officio" revisão administrativa de arquivamentos societários de contratos anteriormente e validamente registrados. Essas revisões administrativas se lastreiam no controle material dos atos societários, entrando no mérito das relações entre os sócios, muitas vezes deliberatórias ou até mesmo de cunho pessoal.

As juntas consideram erroneamente que qualquer ato pode ser desarquivado, pouco importando se geraram ou não efeitos, assim como desconsiderando todos os possíveis contratos entabulados com terceiros ou mesmo a publicidade, a eficácia ou a segurança que seu registro gerou.

Refogem às atribuições do registro os conflitos dos sócios ou de mérito deliberatório. A função jurisdicional e contenciosa do registro contraria a lei e não contribui para o desenvolvimento da atividade negocial.

Repensar as atuais finalidades e atribuições do registro, estipulando e definindo seus limites, aperfeiçoará a organização registral que tem como resultado a segurança jurídica e, via de consequência, a redução do "custo Brasil".

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* Armando Luiz Rovai é professor de Direito Comercial - Mackenzie e PUC/SP. Ex-Presidente da Junta Comercial de SP.

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