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A pena e a dignidade da pessoa humana

Jamais se havia observado tamanho absurdo como o manifestado com a fixação de pena sem proporção, com objetivo declarado de não se reconhecer a prescrição e, por consequência, a extinção da punibilidade.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Atualizado em 7 de março de 2014 15:32

No julgamento da ação penal 470-MG, no STF, viu-se muita discussão sobre variados pontos que hão de merecer comentário da doutrina e possível revisão da própria Corte. Existem debates sérios a serem feitos na academia para algumas concepções não extrapolarem os limites do que o próprio v. acórdão considerou, ou para se completarem aspectos que remanesceram incólumes de melhor solução judicial.

Aqui e ali, alguma vez, preponderou a política sobre o Direito Penal. Mas muita coisa interessante se firmou, quanto a determinados tipos legais, às penas e aos direitos de defesa. Todavia, jamais se havia observado tamanho absurdo como o manifestado com a fixação de pena sem proporção, com objetivo declarado de não se reconhecer a prescrição e, por consequência, a extinção da punibilidade (art. 109, do CP).

Como cediço, o julgador imparcial determina a pena consoante critérios legais e não tem discricionariedade para aumentar a pena base, sem fundamento de fato e sem motivação idônea que justifique tal incremento (art. 387, do CPP, c.c. art. 98, IX, da CR). É evidente que, quando no mesmo processo-crime já impôs outras sanções penais ao imputado, há de balizar as penas com proporção.

Esse equilíbrio entre as penas também torna necessária análise das penas fixadas a todos os condenados, numa visão de conjunto, para que se compreendam razões objetivas de aumento ou diminuição individual (v.g., art. 29, do CP).

Por óbvio, a pena imposta a cada um deve respeitar ao necessário e suficiente à justa reprovação da conduta, conforme a combinação do art. 59, do CP, com a regra da individualização da pena, prevista no art. 5º, XLVI, da Lei Maior.

Importante lembrar que a pena fixada na condenação importa em observância à legalidade estrita (art. 1º, do CP), pois, reconhecidos a tipicidade do fato, o crime, a autoria, resta à jurisdição estabelecer reprimenda consoante os estritos ditames da parte geral do CP e os limites indicados no tipo legal. Trata-se aqui da legalidade como instrumento de proteção em face do arbítrio estatal, segundo professou Beccaria.

Numa perspectiva constitucional contemporânea, a perda do estado da inocência por decisão judicial transitada em julgado (art. 5º, LVII, da CR) não retira do condenado outros direitos individuais (art. 5º, XLIX, da CR), nem se lhe pode exigir o cumprimento de pena incompatível com o comportamento, reconhecido como ilícito, e com as circunstancias judiciais do mencionado art. 59, do CP.

Qualquer violação à pena justa significa atingir-se a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CR), posto que o juiz penal estaria a suprimir a liberdade por mais tempo do que a lei autoriza, com graves consequências jurídicas à execução da sanção penal, em particular no tocante à progressão de regime prisional.

Ora, diante da prescrição - fato ocasionado pelo tempo e ditado em razão de previsão legal - não se pode negar ao acusado o direito publico subjetivo de ver extinto o processo-crime em decorrência de lapso temporal superior aquele a que o Estado fixou para por fim à persecução penal. Cuida-se de direito, reconhecido no ordenamento jurídico, que não pode ser retardado por decisão judicial imotivada, muito menos ilegal.

Assim, não obstante a incompreensão da grande mídia sobre o tema e a injustiça pública que se fez a quem cumpriu a lei e defendeu a Constituição da República, os profissionais do Direito precisam dar atenção ao acontecimento, com a seriedade que merece.

Ao se descumprir a lei penal, com a pretensa desculpa das melhores intenções, volta-se às incertezas anteriores à Revolução Francesa, ou à prepotência que ocorreu no período do terror de Robespierre, onde a guilhotina encontrava-se sempre afiada para cortar as cabeças da ocasião.

O problema recorrente do arbítrio mostra-se a lamina cair sobre o pescoço de quem incentivou seu uso indiscriminado, fora da lei (art. 5º, II, da CR), fora das regras do devido processo (art. 5º, LIV, da CR). Cada um de nós pode ser o sorteado da contingência político-social, daí a importância da lei e do espírito de neutralidade no exercício da jurisdição (art. 5º, caput e XXXV, da CR).

Quem não gosta de Direito Penal que, ao menos, respeite a lição da história.

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* Antônio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo é advogado do escritório Moraes Pitombo Advogados.

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