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O labirinto da rede própria como manobra de contenção dos custos da saúde

Será que o governo, a quem cabe a fiscalização, também está doente e tem faltado ao trabalho?

quinta-feira, 27 de março de 2014

Atualizado em 26 de março de 2014 12:56

Os altos custos da saúde têm acarretado um círculo vicioso em que hospitais cobram caro pelos serviços prestados e planos de saúde glosam as solicitações médicas, deixando os beneficiários desprotegidos no meio dessa guerra. Os casos de desrespeito cometidos com os que estão fragilizados e necessitam de um exame ou cirurgia de alto custo chegam a ser cruéis. Quem contratou um plano e acredita estar garantido na hora da doença, se depara com situações delicadas que ferem o contrato estabelecido e o CDC. Se a doença for grave, ele e a família pleiteiam toda a tecnologia disponível e necessária para o alcance da cura e, muitas vezes, buscam ajuda fora da rede credenciada. Como não existe regulamentação e vivemos hoje, no Brasil, uma profunda crise de falta de leitos por habitante, tanto na saúde pública, como na privada, os hospitais privados elaboram suas próprias tabelas de preços.

Quando a internação é feita em caráter particular, em situação de urgência, o hospital exige um adiantamento em dinheiro e, na alta médica, o paciente deverá arcar com os custos da internação. Isto acarreta um custo muito alto para o paciente e a questão acaba sendo resolvida no Poder Judiciário, pois de acordo com a jurisprudência, o plano de saúde deve oferecer todas as tecnologias necessárias ao paciente para que ele possa enfrentar o seu tratamento. Se o consumidor consegue provar na Justiça que o tratamento é indispensável ao alcance da cura e não está disponível na rede credenciada, certamente ele vencerá a demanda judicial.

Para conter custos, muitas operadoras têm construído uma rede própria de hospitais, ambulatórios e centros de exames laboratoriais. Dados da ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar encomendados pelo Estado mostram que, no mínimo, 40% dos planos de saúde têm prestadores próprios. Essa rede de atendimento, chamada de verticalização do sistema, restringe a liberdade de escolha do cliente, obrigando-o a só utilizar os prestadores que pertencem à operadora, mesmo quando ela vendeu o plano com o chamariz de hospitais como o Einstein ou o Sírio-Libanês.

Outra saída para o impasse do alto custo das despesas hospitalares x glosas, encontrada pelos hospitais e planos, tem sido os ditos "pacotes". Se uma determinada operadora fechar um pacote com um determinado hospital para a realização de cirurgia bariátrica, por exemplo, não existem mais glosas e nem abusos na cobrança. Entretanto, o paciente tem a sua preferência médica e, se esse médico não operar no hospital do "pacote", está criado novo problema, já que o paciente escolhe primeiro o médico para depois escolher o hospital. Além disso, se o paciente tem um livro da rede credenciada com diversos hospitais à sua disposição, a operadora não pode determinar um único hospital para realização daquela cirurgia. Esse é mais um motivo para que a autorização de cirurgia em hospitais da rede credenciada seja obtida pela via judicial.

João Ladislau Rosa, presidente do Cremesp - Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo-, é contra a verticalização. Rosa afirmou em uma entrevista que só quem ganha com isso é o plano de saúde. Quando a livre escolha deixa de existir, não há vantagens para o usuário. E, mesmo quando o paciente inicia o tratamento no local de sua preferência, pode ser transferido a qualquer momento para a rede própria do plano. Além disso, ele apontou prejuízos para a classe médica, que também fica refém da operadora que o contratou, tendo suas decisões, como a de solicitar exames, limitadas ou tolhidas.

A rede própria chega a representar 80% das opções oferecidas, os caderninhos com a listagem dos prestadores de serviços, em letras diminutas que poucos leem, deixam de existir e passaram a ser substituídos por aplicativos de celulares e computadores, que parecem facilitar a vida do cliente, mas só dificultam, já que é uma máquina que o atende. Ao ligar, o cliente é direcionado pela atendente para a rede própria, caindo sempre na mesma armadilha e labirinto.

Sob alegação de que a verticalização reduz custos, os planos de saúde armam sua teia de monopólio e têm como presas os doentes. Algumas operadoras se tornaram parasitas do SUS, já que cobram barato dos beneficiários e, quando eles necessitam de atendimentos complexos, recorrem ao SUS porque o plano não possui estrutura para atendê-los.

A ANS acaba de impedir que 47 operadoras comercializem 111 planos, por mau atendimento e descumprimento de prazos, negativa de coberturas, mas isso só não resolve a questão. Muitas operadoras descredenciam prestadores, sem sequer ter o respeito de informar seus clientes. Os doentes que chegam para o atendimento, às vezes, são informados no balcão. O descaso fere o art.17 da lei, que diz que a inclusão de credenciados e prestadores dos produtos "implica compromisso para com os consumidores quanto à sua manutenção ao longo da vigência dos contratos. É facultada a substituição de entidade hospitalar, a que se refere o caput deste artigo, desde que por outro equivalente e mediante comunicação aos consumidores e à ANS com trinta dias de antecedência, ressalvados desse prazo mínimo os casos decorrentes de rescisão por fraude ou infração das normas sanitárias e fiscais em vigor."

Alguns executivos que atuam nas operadoras até já admitiram que a verticalização dos planos de saúde gera um conflito de interesses, pois a fonte pagadora é a mesma que autoriza os procedimentos. Todos somos contra o desperdício e a alegação de minimizar custos só seria admissível se o beneficiário estivesse sendo respeitado, como parte importante de uma relação comercial e como ser humano. Mas ele não está sendo bem atendido de nenhuma forma, o estresse a que vem sendo submetido na hora da doença, o tempo que perde em telefonemas, idas e vindas, custa caríssimo e tem um preço incalculável em planilhas. Tudo vai além do que entendemos como razoável, do ponto de vista da lei e das relações humanas.

Problemas de comunicação entre as partes também colaboram para que o conflito permaneça. A relação operadora x cliente está cada dia mais desigual e desumana. Será que o governo, a quem cabe a fiscalização, também está doente e tem faltado ao trabalho?

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* Renata Vilhena Silva é sócia do escritório Vilhena Silva Sociedade de Advogados.






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