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Inconsistências da lei da ficha limpa

Quem sabe jogar bem o xadrez da política acaba levando vantagem sobre quem tem mais voto, em detrimento da democracia e da vontade do eleitor.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Atualizado em 8 de maio de 2014 17:27

A LC 135/10, popularmente conhecida como a lei da "ficha limpa", foi festejada quando da sua edição e, principalmente, quando da sua aplicação pelos Tribunais Eleitorais brasileiros.

Essa lei introduziu alterações significativas na lei das inelegibilidades, LC 64/90, e tirou da disputa políticos que foram condenados por Tribunais brasileiros em ações penais e de improbidade administrativa, mesmo enquanto essas decisões condenatórias estavam sendo submetidas a recurso nas superiores instâncias.

Na prática também, por força do espírito dessa lei, dispositivos já existentes da lei das inelegibilidades passaram a ser interpretados com maior rigor.

Foi o que aconteceu, por exemplo, com o art. 1º, I, "g", a conhecida inelegibilidade por rejeição de contas dos administradores públicos. Embora a alteração legislativa introduzida tenha dificultado a incidência da lei, por exigir a rejeição de contas por "irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa", na prática os Tribunais Eleitorais enrijeceram sua intepretação para considerar irregularidades insanáveis e atos dolosos de improbidade quase todos os motivos de rejeição de contas.

Mesmo questões que já haviam sido pacificadas pela jurisprudência eleitoral como meras irregularidades administrativas passaram a ser vistas, a partir da lei da ficha limpa, como gravíssimas irregularidades a obstar o seguimento de candidaturas.

Esse rigor na interpretação da lei vem gerando estratégias de políticos para tornar inelegíveis seus adversários mais fortes, fabricando motivos para rejeição de contas insanáveis e atos de improbidade, que têm por único o escopo de tirar fortes concorrentes da disputa.

Quem sabe jogar bem o xadrez da política acaba levando vantagem sobre quem tem mais voto, em detrimento da democracia e da vontade do eleitor.

Essa estratégia acabou tirando da disputa indevidamente no último pleito de 2012, por exemplo, o ex-Prefeito de Santa Gertrudes, João Carlos Vitte, que teve as contas de um exercício de sua gestão rejeitadas e, com base no motivo dessa rejeição de contas, o Ministério Público Estadual propôs ação de responsabilização por ato de improbidade administrativa, julgada procedente em primeiro grau.

No momento do registro da sua candidatura, João Vitte tinha contas rejeitadas e sentença de primeiro grau considerando os motivos da rejeição como "atos dolosos de improbidade administrativa". Por essas razões, teve o registro de candidatura indeferido em todas as instâncias da Justiça Eleitoral.

Passadas as eleições, a mesma ação de improbidade teve decisão unânime de improcedência pelo Tribunal de Justiça (Apelação TJ-SP 0018865-55.2007.8.26.0510). Vale dizer, aquele ato doloso de improbidade administrativa, que tinha o condão de impedir a candidatura, não existiu.

Isso mostra que injustiças podem ser cometidas a partir da lei da ficha limpa, tão festejada. E muitos outros casos análogos aconteceram. Esse é apenas um exemplo. E ainda alguns dizem: bem feito, um político a menos concorrendo!!! Na verdade, tirou-se indevidamente uma das opções do eleitor, restringindo a disputa.

As leis eleitorais devem ser interpretadas menos de acordo com o clamor público, invariavelmente influenciado por determinados setores da mídia, e mais de acordo com a Justiça e, principalmente, levando em conta a presunção de inocência. Enquanto existe recurso sempre existe a possibilidade de reforma da decisão judicial. A demora da Justiça é problema do Estado e não do jurisdicionado. Decisões condenatórias provisórias não podem ser tomadas como definitivas nem mesmo pela Justiça Eleitoral, para fins de registros de candidaturas.

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* Arthur Rollo é professor da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo.

Faculdade de Direito de Sao Bernardo do Campo

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