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Juros de mora, perdas e danos e a sanha fazendaria

Sanha fazendária no Brasil anda tão acesa que em recente solução de consulta declarou-se que as indenizações por danos materiais a pessoas físicas são tributáveis como renda.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Atualizado em 2 de fevereiro de 2015 12:53

Em pauta há tempos, e sujeito a discussões múltiplas, está à questão da tributação dos juros de mora.

As decisões favoráveis a não tributação tem sido contestadas em juízo pela sôfrega Fazenda Nacional, que não abre mão de qualquer entrada financeira para caracterizá-la como renda, para efeitos fiscais.

O cerne do problema está na adequada capitulação dos juros de mora como verbas de caráter indenizatório ou remuneratório.

A mora tem sua matriz básica, entre nós, no Código Civil vigente nos seus artigos 394 e seguintes. Definida a mora do devedor, a do credor aqui não vem à pauta, como a situação jurídica em que o devedor não efetua o pagamento do seu débito em tempo, lugar ou forma fixados na lei ou no contrato (art.394). O art.395 trata de suas sequelas jurídicas falando em "prejuízos a que a sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários...".

Vê-se que já aí agrega se aos prejuízos emergentes ao credor, os juros moratórios. Mas que natureza jurídico-econômica tem tais juros da mora?

No artigo 403 par. único do código, há uma indicação clara, ao se ler: "provado que os juros de mora não cobrem o prejuízo, não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar". Assim, é a própria lei matriz quem confere aos juros de mora a qualidade de uma verba que se destina a cobrir prejuízos do credor, ao ponto tal que pode o devedor fazendo prova de valores insuficientes, pedir indenização suplementar.

Ora, estamos , diz às claras a regra do Código Civil, no campo indenizatório, de cobertura de prejuízos do credor.

A tentativa de enxergar aí um valor de remuneração peca por sua base, e pela própria realidade econômica, como se fosse compulsório ao credor buscar na taxa SELIC ou nos limitados 12% ao ano, a remuneração de seus créditos.

Também não há como se ter como correta, a atribuição de caráter ou não remuneratório aos juros de mora conforme a indenização base seja tributada ou não. Essa tese fazendária, acolhida em alguns julgados ,quer nos fazer crer que um montante isento levaria consigo juros de mora isentos, e outro tributável, como remunerações contratuais devidas, carregaria consigo a mesma tributação.Como se fosse um binômio acessório/principal, destoando da tópica da lei civil que a declara parcela indenizatória em qualquer caso.

Aliás, se fosse acréscimo de remuneração, os juros de mora em indenizações isentas, seria de todo modo tributável, pois o caráter de remuneração específica da verba da mora não se transfiguraria de todo modo. Um real contra senso, pois, permeando a tese fazendária acolhida em certos julgados.

Não há que distinguir, pois, em esforços de interpretação: seja em verbas trabalhistas, isentas ou não, seja em casos de responsabilidade civil , abarcando perdas e também lucros cessantes, estes tributáveis, os juros de mora que aí se agregam tem a função e o sentido indenizatório. Pois o atraso, que, aliás, dá origem á mora, priva o credor de seus recursos durante meses e até anos, e é em razão dessa privação injusta que a lei confere os juros de mora para compensá-la.

A sanha fazendária no Brasil anda tão acesa que recentemente na Solução de Consulta 372/14 da Receita declarou-se que as indenizações por danos materiais a pessoas físicas são tributáveis como renda. Valendo dizer que esta se criando ai um imposto dobre o patrimônio já que por definição os danos materiais só ressarcem e que o contribuinte terá perdido, não lhe concedendo nenhum acréscimo. Para tal fim, a Receita desenvolve ali um longo arrazoado sobre o conceito e a abrangência das perdas e danos, sofismando e distorcendo ao ponto de assemelhar os lucros cessantes com os danos emergentes derivados do ato danoso.

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*João Luiz Coelho da Rocha é sócio no escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha e Lopes Advogados.

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