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Há água em muitos lugares do Brasil. E você, tem sede de quê?

Considerações sobre o momento crítico que assola o país.

quinta-feira, 12 de março de 2015

Atualizado em 11 de março de 2015 15:02

Venho procurando por água própria para o consumo do ser humano desde 2014. Recentemente estive em Ubá, interior de Minas, quando me falaram que alguns bairros do município já não têm água faz tempo. Esta semana fui à capital de São Paulo. Ainda no avião, li que a chance do governador Geraldo Alckmin decretar o rodízio oficial de água na região metropolitana só seria "praticamente zero" se o volume morto do Sistema Cantareira fosse recuperado ainda em março.  No mesmo dia voltei para Belo Horizonte, onde o governo do Estado de Minas Gerais já "fala" da sobretaxa pelo consumo de água.  Conclui que a crise hídrica é muito mais grave do que se imagina, mas são poucos os que acreditam nisso.

Desembarcando em BH, lembrei-me que o professor Pasquale escreveu em um artigo que "Crise Hídrica" é um eufemismo para a incompetência no gerenciamento da água.  Segundo Pasquale, passava da hora de dar nome aos responsáveis pela tal crise, citando a música dos Titãs "Nome aos Bois".  Disse que já havia espaço para uma segunda música, inclusive, tamanha a incompetência.

Ainda no caminho do aeroporto para nossa capital, lembrei-me de um lugar onde há água sobrando no Brasil: Rio Branco, capital do Acre.  Essa cidade está passando pela maior cheia dos últimos 132 anos, com mais de 71 mil pessoas desalojadas e uma morte. Conheci Rio Branco há uns 2 anos, em uma viagem para o município de Boca do Acre, região noroeste do Estado do Amazonas.  De Rio Branco a Boca do Acre são 200km.  Ônibus e taxis fazem esse percurso diariamente, em uma rodoviária precária, cheia de buracos. A viagem costuma durar umas 4 horas. 

Boca do Acre também é banhada pelo rio Acre e uma cheia desse rio causou muito estrago em 2014. A rodovia acima ficou interditada por vários meses. Boca do Acre ficou ilhada, tudo ficou mais caro, faltou muita coisa. Só não faltou água, embora imprópria para consumo humano.

Ainda na estrada do aeroporto para BH, procurando por água, lembrei-me de outra música dos Titãs.  Coloquei o CD no carro e escutei a antológica "Comida" de 1987, letra de Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e do meu amigo Sérgio Britto.  É uma poesia feita em protesto contra a dificuldade econômica pela qual passava o Brasil no final dos anos 80 e escutá-la me animou muito.

Apesar dos estragos causados pela cheia do rio Acre, não vou descansar. A minha sede aumentou, a minha fome também, a procura pela água é só um trampolim. Quero me investir contra a poluição urbana, que mata 200 mil pessoas no Brasil a cada ano, segundo a Organização Mundial de Saúde, quero ajudar no combate contra a inacreditável deficiência dos nossos sistemas públicos de saneamento, afinal quase 40% das residências no país não estão ligadas a redes de esgoto. Enquanto isso, coloquei outro CD dos Titãs para escutar, o excelente disco "Nheengatu", lançado em 2014. As canções desse CD falam muito do que deve ser dito e ouvido neste momento crítico que assola o Brasil. E você, tem sede de que? Tem fome de que?

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*Leandro Eustaquio é coordenador do departamento de Direito Ambiental da banca Décio Freire e Associados. Mestre em Direito Público pela PUC/MG e professor de Direito Ambiental.


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