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Novo CPC e honorários advocatícios: fim da súmula 453 do STJ

Com a entrada em vigor do novo Código a súmula 453 do STJ não encontrará mais substrato legal para sua aplicação.

sexta-feira, 13 de março de 2015

Atualizado em 12 de março de 2015 13:04

De acordo com o enunciado da súmula 453 do STJ, editada no ano de 2010, "os honorários sucumbenciais, quando omitidos em decisão transitada em julgado, não podem ser cobrados em execução ou em ação própria". Da análise que se faz das decisões que resultaram na edição dessa súmula, como, aliás, sempre se deve proceder quando se recorrer à interpretação e aplicação desses enunciados normativos, pode-se constatar que o STJ se valeu do seguinte raciocínio para instituir referido enunciado: considerando que a condenação da parte sucumbente a pagar à parte vencedora honorários sucumbenciais decorre de um pedido implícito, caso não tenham sido opostos embargos de declaração contra decisão omissa a respeito dos honorários sucumbenciais, referido capítulo da decisão transitaria em julgado. Essa interpretação que acabou se consolidando no STJ merece ser questionada, contudo, em particular, por duas incongruências teóricas com significativo impacto na prática forense.

Em primeiro lugar, não há espaço para a expressão "pedido implícito" em sistemas como o ordenamento jurídico brasileiro que consagram a inércia da jurisdição e o seu consectário lógico, o princípio dispositivo. As hipóteses apontadas pela doutrina, como exemplos de pedidos implícitos, nada mais consistem do que na imposição ao juiz de um dever de se manifestar sobre determinada matéria independentemente de qualquer manifestação de vontade da parte nesse sentido, evitando-se com isso o non liquet inadmissível em nosso sistema jurídico. Não se pode, portanto, impor à parte uma situação jurídica que de acordo com a lei não lhe pertence. Tanto o art. 20, caput, do CPC de 1973, quanto o art. 85, caput, do NCPC, utilizam expressão ("a sentença condenará o vencido") que bem delimita o conteúdo da sentença, impondo-lhe seja destinado um capítulo à condenação do vencido ao pagamento de honorários.

Não é ônus da parte, portanto, opor embargos de declaração contra decisão omissa a respeito do pagamento de honorários, porque é dever do juiz manifestar-se a esse respeito. A modificação de determinada situação jurídica imposta aos sujeitos processuais, como a realizada pelo STJ, por si só é um ato injusto, porque contra legem. Nesse caso, no entanto, a injustiça é sobrelevada, porque resulta na violação da máxima chiovendiana do "tutto quello e proprio quello", já que se retira da parte vencedora a possibilidade de ela preservar o direito de ter seu patrimônio jurídico tal como ele seria caso não se tivesse instaurado processo judicial.

Não se há de falar, portanto, em pedido implícito quando desde o início do processo referido pedido era já dispensável. Apenas a partir dessa noção, por exemplo, é possível compreender a condenação do autor de uma demanda ao pagamento de honorários sucumbenciais quando do julgamento de improcedência do pedido. Para que se possa considerar que a condenação ao pagamento de honorários decorra de um certo pedido implícito, em respeito à coerência na argumentação, ter-se-á de admitir que o réu na contestação, ao pugnar pela improcedência do pedido com a dedução de fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito do autor, formularia também um pedido condenatório em face dele.

A segunda incongruência teórica que se pode apontar na interpretação que até então o STJ atribuía a essa matéria, decorre da admissão da hipótese de que a autoridade da coisa julgada recairia também sobre pedido formulado pelo autor, mas a respeito do qual o juiz não se pronunciou. Em caso de omissão judicial é de se negar qualquer impedimento decorrente da autoridade de coisa julgada à propositura de nova demanda visando a obter manifestação judicial antes não proferida.1 Para melhor compreensão dessa afirmativa basta recordar-se que o objetivo precípuo de se considerar imutável determinada decisão é evitar a sua rediscussão em um futuro processo, promovendo-se, com isso, a segurança jurídica sob a ótica da estabilidade. Logo, não há razão para se considerar imutável o que decidido não foi.

Daí o equívoco dessa orientação do STJ de considerar insuscetível de apreciação pelo Poder Judiciário em uma nova demanda, capítulo relativo aos honorários sucumbenciais a respeito do qual o juiz anterior que tinha o dever de se manifestar a respeito não o fez. Por isso, andou bem o novo CPC em retirar substrato normativo para a aplicação de referida súmula ao estabelecer em seu art. 85, §18 que "caso a decisão transitada em julgado seja omissa quanto ao direito aos honorários ou ao seu valor, é cabível ação autônoma para sua definição e cobrança". Parte legítima à propositura dessa demanda autônoma é o advogado da parte vencedora, já que de acordo com o art. 23 da lei 8.906/94 os honorários incluídos na condenação pertencem a ele.

Por consequência, como visto, com a entrada em vigor do novo Código a súmula 453 do STJ não encontrará mais substrato legal para sua aplicação. Esse é um exemplo interessante e cada vez mais frequente nos dias de hoje de diálogo institucional entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário. Ainda que se reconheça cada vez mais o caráter normativo das decisões judiciais, seja por meio da valorização dos precedentes judiciais ou do estímulo à edição de súmulas, estão essas fontes sempre a reboque das decisões tomadas pelo legislador. Eventual interpretação que venha a ser atribuída pelo Poder Judiciário a um determinado dispositivo legal, está sempre sujeita ao controle do Poder Legislativo, que pode modificar a legislação vigente para afastar o sentido "indesejado" a ela atribuído pela decisão judicial, embora o que mais costumeiramente tem ocorrido, nos dias de hoje, seja justamente o contrário, ou seja, o legislador é quem tem procurado pautar sua atuação de acordo com as orientações pretorianas.2

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1 Ver: SERGIO MENCHINI, I limiti oggettivi del giudicato civile, Milano: Giuffre, 1987, pp. 14 e ss.

2 Ver: "Quer se considere ou não a jurisprudência como fonte do Direito Positivo, uma realidade não pode ser negada: No mínimo, ela abre ensejo para a formação e atuação das fontes usualmente reconhecidas, nisso que as respostas judiciárias acabam repercutindo ao interno dos Parlamentos, alertando o legislador para a defasagem de certos textos, para a necessidade de normatização de algumas ocorrências sociais ou para a conveniência de melhor regulação de dadas matérias" (RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, Divergência jurisprudencial e súmula vinculante, 4ª ed., São Paulo: RT, 2010, p. 63). 

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*Paulo Henrique dos Santos Lucon é professor doutor da Faculdade de Direito da USP, vice-presidente do IASP e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Integrou a comissão especial do novo CPC na Câmara. Advogado do escritório Lucon Advogados.

 

 

 

 

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