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Judiciário, desenvolvimento econômico e o novo Código

Essa importante reforma tem potencial para melhorar o ambiente de negócios do Brasil, contribuindo para a retomada de nosso desenvolvimento.

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Atualizado às 08:35

Foi sancionado no dia 16 de março, pela presidente Dilma Rousseff, o novo CPC, uma das leis mais importantes do país, pois regula o modo de agir dos litigantes e dos magistrados em todos os processos judiciais de natureza não-penal, o que abrange desde ações fiscais até conflitos de família, perpassando questões empresariais, trabalhistas, previdenciárias, administrativas etc. Essa importante reforma tem potencial para melhorar o ambiente de negócios do Brasil, contribuindo para a retomada de nosso desenvolvimento.

É fato notório, comprovado e mensurado, que uma Justiça morosa, instável e inefetiva acarreta efeitos perversos na economia. Não é sem motivo que o "fator Judiciário" tem sido, cada vez mais, considerado nos planejamentos e nas planilhas de custos das empresas brasileiras. Ninguém tem dúvidas de que um Judiciário disfuncional favorece o calote e lança imprevisibilidade sobre contratos cuidadosamente negociados.

Durante muitas décadas, entretanto, essa percepção no Brasil não passava de mera intuição, pois até o advento do CNJ em 2005 não existiam estatísticas confiáveis de âmbito nacional. Dados como taxas de litigiosidade e de congestionamento, e carga de trabalho e produtividade por magistrado, eram simplesmente desconhecidos devido à ausência de uma instituição nacional que coletasse, tratasse e divulgasse sistematicamente esses dados. Atualmente, o Relatório Justiça em Números contém dados valiosíssimos.

Para exemplificar, nos dias de hoje é possível saber com precisão que em 2013 chegaram à Justiça 28.286.324 processos novos e foram julgados 25.703.030, revelando um déficit de julgamentos superior a 2,5 milhões e uma taxa de congestionamento crescente que atingiu 70,9%. Se acrescermos a isso o acervo histórico, chegamos ao número de 67 milhões de processos em tramitação. Tudo isso para 16.429 magistrados e 202 milhões de habitantes.

Isso nos dá um panorama sobre a necessidade de não apenas aparelhar e preparar os nossos tribunais para uma boa gestão, mas também de como era urgente promover avanços na legislação processual. O relatório "Doing Business 2012", do Banco Mundial, apontou o CC/02 e a lei de recuperação de empresas de 2005 como importantes avanços institucionais. Há grande expectativa de que o novo CPC, elaborado com elevado rigor técnico por uma Comissão de Juristas presidida pelo ministro Luiz Fux, do STF, quando entrar em vigor em 17 de março de 2016, seguirá a mesma senda, principalmente no que concerne à previsibilidade e ao respeito aos precedentes dos tribunais superiores.

Há outros dados, além daqueles referentes ao panorama geral da Justiça Civil, ainda mais preocupantes e que a reforma processual acaba sendo o principal caminho de resolução. Por exemplo, em 2013, segundo o CNJ, a taxa de congestionamento em 1º grau de jurisdição era de 60,3% na fase de conhecimento e 85,7% na fase de execução. Ou seja: no Brasil, prevalece o "ganha, mas não leva", fato que nos coloca na vexatória 118ª posição do ranking do Banco Mundial de cumprimento dos contratos.

As novas regras de leilão eletrônico, de penhora de faturamento e quotas de empresas, bem como os novos mecanismos para se descobrir, avaliar e bloquear os bens do devedor prometem atenuar esse quadro. Ademais, a possibilidade de se levar a protesto as sentenças judiciais, negativando-se o nome do devedor, cria um instrumento a mais de coerção à disposição dos credores.

Outro grande problema da atual processualística são os incentivos existentes à recorribilidade. No Brasil, os litigantes contumazes se esforçam para confundir "acesso universal à Justiça" com "recorribilidade gratuita e ilimitada". Não é possível desconhecer que muitas vezes o Judiciário é utilizado como parte de uma estratégia empresarial perversa, segundo a qual é preferível pagar os módicos juros da Justiça (6% ao ano) do que admitir imediatamente uma dívida já reconhecida por tribunais superiores em casos semelhantes.

A "aventura judicial" desses litigantes, em casos assim, nada mais é do que uma forma tão barata quanto cruel de financiar seu capital de giro às custas, muitas vezes, de consumidores hipossuficientes, que são obrigados a aguardar anos a fio até que um tribunal superior lhes assegure aquilo que desde o início já se sabia qual seria o desfecho.

Para inibir esse tipo de comportamento o novo Código criou mecanismos relevantes, como a "sucumbência recursal", que amplia as despesas do processo a cada instância que um litigante contumaz é derrotado, e a possibilidade de concessão da "tutela da evidência" no início do processo, quando a postulação do autor estiver amparada em súmula dos tribunais superiores, o que inverte o ônus da demora da tramitação e permite a fruição desde o início do direito que, pelo regime atual, somente seria outorgado na sentença final.

O novo CPC, de certa forma, é a primeira reforma estrutural realizada para concretizar as promessas de razoável duração dos processos, efetividade das decisões judiciais e transparência, que emergiram da Reforma do Judiciário de 2004. Suas disposições colocam o Brasil em posição de vanguarda no cenário mundial e, se bem aplicadas por nossos tribunais, colaborarão para a melhoria do ambiente de negócios, num momento crucial para a economia nacional.

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*Bruno Dantas é ministro do TCU.

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