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A dispensa discriminatória e os postulados da segurança jurídica

Carlos Eduardo Corrêa de Morais e Juliana Dal Moro Amarante

A iniciativa privada enfrenta sérias dificuldades diante do cenário econômico-financeiro que assola o país.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Atualizado em 25 de junho de 2015 14:09

Recentemente a 7ª turma do C. TST ratificou sua tendência ao "elastecer" o conceito de dispensa discriminatória. Segundo o julgado de lavra do ministro Cláudio Brandão, ao demitir metalúrgico que apresentava sintomas do Mal de Alzheimer, a empregadora praticou conduta discriminatória, tornando, via de consequência, a dispensa nula, circunstância que tem gerado insegurança e instabilidade nas relações jurídicas travadas no momento rescisório.

O tema em debate na decisão não é, igualmente, novo nos tribunais brasileiros. Isso porque há uma expressiva e pungente corrente de decisões judiciais que, fundadas em princípios e interpretações gerais extraídas do texto constitucional, criam, à revelia de lei complementar e de instrumentos de negociação coletiva, tal como determina os incisos I e XXVI do artigo 7º da CRFB, estabilidades advindas de doenças totalmente dissociadas da relação empregatícia ou que, ainda que a ela vinculadas, não geram incapacidade para o trabalho, na esteira da lei 8.213/91, ancorando-se, pois, na presunção de sua de ocorrência.

É sabido que discriminação, em matéria trabalhista, encontra guarida e definição na convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho, sendo ela delineada pela prática de todo ato, fato ou comportamento que tenha por objetivo dar preferência ou excluir alguém. No mesmo sentido, a lei 9.029/95 proíbe a adoção de qualquer prática discriminatória para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, facultando ao empregado a readmissão com ressarcimento integral do período de afastamento ou a percepção em dobro da remuneração do mesmo período (artigo 4º).

Nada obstante o cenário delineado, tratando-se de situação excepcional, a legislação brasileira apenas prevê a garantia de emprego aos membros da CIPA (artigo 10, II, a, do ADCT e artigo 165, da CLT), às gestantes (artigo 10, II, b, do ADCT), aos dirigentes sindicais (artigo 8º, da CRFB) e de associação profissional (§ 3º do artigo 543, da CLT), aos acidentados e aos portadores de doença ocupacional (artigo 118, da lei 8.213/91), aos empregados membros do Conselho Nacional da Previdência Social (artigo 3º, §7º, da lei 8.213/91), aos empregados eleitos diretores de sociedades cooperativas (artigo 55, da lei 5.764/71) e aos empregados eleitos para representar os trabalhadores na Comissão de Conciliação Prévia (artigo 625-B, §1º, da CLT).

Logo, é possível concluir que, à expressa exceção de tais hipóteses legais, não há que se falar em garantia de emprego conferida pelo Poder Judiciário, notadamente quando esta funda-se na premissa de dispensa presumivelmente discriminatória, pois assim encontra-se descrita na redação da súmula 443 do TST.

Com efeito, amparado na lei 9.029/95, o Poder Judiciário Trabalhista, expressa e taxativamente, impôs às empresas o encargo probatório de demonstrar robusta e cabalmente, acaso a dispensa seja questionada em juízo, que esta não decorreu de ato discriminatório, pouco importando se se trata de despedida de empregado portador do vírus HIV, mas indo além, de empregado portador de qualquer doença grave que suscite estigma ou preconceito.

Na confluência deste posicionamento e visando impedir entraves processuais causados por empregadores que se sentem lesados frente à ordem judicial de reintegração nos processos trabalhistas que gravitam em torno da questão posta, a Orientação Jurisprudencial 142, da 2ª seção de Dissídios Individuais do TST, sedimentou entendimento segundo o qual não fere direito líquido e certo a decisão judicial que ordena apenas a reintegração de empregado dispensado em caso de anistiado pela lei 8.878/94, aposentado, integrante de comissão de fábrica, dirigente sindical, portador de doença profissional, portador de vírus HIV ou detentor de estabilidade provisória prevista em instrumento normativo.

É cediço, nessa toada, que o Poder Judiciário Trabalhista, ancorado em interpretações distorcidas dos princípios da dignidade da pessoa humana e da função social do trabalho, com o devido respeito, ampliam o conceito de doença que suscite preconceito, aplicando critérios de índole subjetiva nas decisões recentes.

Os precedentes firmados ignoram o desempenho de suas múltiplas e relevantes funções, pois lhes cabe velar pelo direito posto, conferindo aos jurisdicionados igualdade de tratamento, previsibilidade e certeza dos efeitos decorrentes dos atos praticados, atribuindo, de igual modo, estabilidade às relações jurídicas constituídas sob a égide do Estado Democrático de Direito, pois somente desta forma preserva-se o respeito à ética e à confiança social nas ações do Estado.

Nesse sentido já se posicionou o STF no julgamento do MS 26.603-1, sob a relatoria do ministro Celso de Melo:

"Os postulados da segurança jurídica e da proteção da confiança, enquanto expressões do Estado Democrático de Direito, mostram-se impregnados de elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as relações jurídicas, as de direito público, sempre que se registre alteração substancial de diretrizes hermenêuticas, impondo-se à observância de qualquer dos Poderes do Estado e, desse modo, permitindo preservar situações já consolidadas no passado e anteriores aos marcos temporais definidos pelo próprio Tribunal."

Tal porque, é uníssono, que a iniciativa privada enfrenta sérias dificuldades, notadamente, diante do cenário econômico-financeiro que assola o país, na correta caracterização e identificação da dispensa discriminatória, bem assim em relação aos meios de prova aptos a afastar essa presunção em juízo, afetando sensivelmente seu poder diretivo na manutenção ou extinção da relação de emprego, faculdade inserta no artigo 7º, inciso I, da CRFB c/c o artigo 10, inciso I, do ADCT, a qual não pode e não deve ser alijada no conhecimento das causas que envolvam trabalhadores portadores de enfermidades, sob pena de negar vigência ao Estado Democrático de Direito.

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*Carlos Eduardo Corrêa de Morais e Juliana Dal Moro Amarante são advogados associados à área Trabalhista e Previdenciária do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados.

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