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Comemoração do dia 11 de Agosto

O 11 de agosto de cada ano deve ser relembrado com orgulho santo de que as duas primeiras Faculdades de Direito em solo brasileiro (São Paulo e Recife) foram aquelas que abriram as portas para a formação cultural e humanística de um Brasil independente.

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Atualizado em 13 de agosto de 2015 13:44

Durante mais 120 anos o dia 11 de agosto que marca em nossa história a criação dos Cursos Jurídicos em São Paulo e Recife, sempre foi comemorado pelos estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, pois era a única Academia existente na Capital. Daí porque se formou uma tradição nascida nas Arcadas, com os estudantes saindo para as ruas, entoando cânticos, dizendo versos, fazendo brincadeiras com os transeuntes, para findar em bares próximos do Largo São Francisco, onde descansavam em mesas de bar, saboreando um bom chope.

No período em que cursei Direito (1958-1962), três eram as Faculdades existentes em São Paulo: a Faculdade do Largo de São Francisco; a Faculdade Católica na Rua Monte Alegre e o Mackenzie na Rua Itambé, onde me formei em 1962, sendo integrante de sua 4ª Turma, pois a primeira completou o seu curso em 1959. Meu saudoso e querido tio professor Alberto da Rocha Barros, lente da Faculdade do Largo de São Francisco e que concluiu o seu curso de Direito no ano do centenário daquela Escola (1927), costumava dizer-me que as três Faculdades da Capital naquela época, somente se diferenciavam pelas crenças que representavam, pois vários eram os professores que lecionavam, concomitantemente, nas três Academias. Assim, duas eram, respectivamente, católica e protestante e a terceira maçônica. Quanto à São Francisco ser maçônica, levou-me a perguntar-lhe a razão disso, quando me contou aquilo que passo a relatar.

Nos idos de 1834 a 1841, as aulas de História Universal e Filosofia no Curso Anexo à Faculdade de Direito eram ministradas pelo professor alemão Julius Franck, que resolveu criar, à semelhança de congêneres na Alemanha, a sociedade secreta denominada Burschenscraft, formada pela junção de Bursch (camarada) e Scraft (confraria). Passou a ser conhecida pelo nome de Bucha e seus camaradas associados de bucheiros. O estudante que pretendesse fazer parte da Bucha, depois de ter seu nome indicado pelo Conselho da sociedade, era submetido a um rito de iniciação bastante rigoroso, para conseguir sua aprovação. Integrado à Bucha, passava a ser beneficiário de sua assistência. Como ex-aluno, depois de terminado o seu curso, como membro da sociedade permanecia e todos os bucheiros se auxiliavam, mutuamente, através dos tempos e poderiam alcançar altos cargos no Magistério e, até mesmo, no Governo. Suas regras eram semelhantes àquelas vigentes na Maçonaria, bem como observava vários de seus ritos e a liturgia de suas reuniões. O bucheiro que viesse a quebrar o compromisso ou voto do sigilo absoluto, era considerado indigno de participar da sociedade secreta, além de se transformar em um ser humano desprezível e abjeto. Seu poder de assistência e de associação entre amigos foi tão marcante, que vários dos professores da Faculdade eram bucheiros e essa qualidade foi, muitas vezes, decisiva para aprovação nos concursos.1 Seu poder era de tal monta, bastando citar que três Presidentes da República foram bucheiros (Campos Sales, Rodrigues Alves e Artur Bernardes), um foi Ministro do Supremo Tribunal Federal (Pedro Lessa) e o maior dos advogados brasileiros (Rui Barbosa), além de vários professores catedráticos da Faculdade.2 A influência de Julius Franck foi de tal monta, que o prédio da Faculdade de Direito abriga em um dos seus pátios internos a tumba de Julius Franck.

Daí a razão pela qual meu tio considerava a Faculdade do Largo de São Francisco como maçônica.

As denominadas "peruadas" eram tradicionais, além de ruidosas, patrocinadas pelos estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.3 Eram comuns as serestas, com a entoação dos versos iniciais do belíssimo poema de Guilherme de Almeida sobre a Revolução de 1932: "Deixa-se a folha dobrada, enquanto se vai morrer... As "peruadas" terminavam, quase sempre, regadas ao bom chope com a presença constante, alegre e esfuziante de Chico Emídio, tesoureiro da Faculdade.4 A prática do conhecido "pindura" surgiu depois. No início, eram as casas que ofereciam, gratuitamente, quitutes para acompanhar o chope. Com o passar do tempo, os estudantes chegavam de mansinho, comiam e bebiam fartamente, e na hora da conta pediam que fosse apresentada "para o Abreu". Alguns restaurantes deixavam passar, mas outros tomavam providências e chamavam a Polícia...

Em razão de tudo isso, a maioria dos estudantes de minha Faculdade de Direito do Mackenzie, como eu, não nos aventurávamos a participar das "peruadas", que não eram nossas, muito menos a imitá-las, diante da ausência de tradição.5

Tenho para mim, velho amante do são Direito, que o diz 11 de agosto de cada ano deve ser relembrado com orgulho santo de que as duas primeiras Faculdades de Direito em solo brasileiro (São Paulo e Recife) foram aquelas que abriram as portas para a formação cultural e humanística de um Brasil independente. Recordar e comemorar, ainda, que foram elas os celeiros de formação de grandes professores, juristas, juízes, advogados, promotores e políticos, que acabaram por ornamentar a vida política, social e jurídica da Nação brasileira. Se exerceram tão importante marco em nossa História, não podemos olvidar que a Faculdade de Direito de São Paulo teve por abrigo o Convento de São Francisco e a de Recife, o Mosteiro de Santo Antonio, na recordação perene e eterna de que o Brasil nasceu sob a inspiração da Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. Tradição cristã esta tão vilipendiada, nos tempos modernos, com armas dirigidas para a destruição da Civilização Ocidental Cristã, em nome de uma ideologia materialista e desumana apelidada, hipocritamente, como socialismo marxista.

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1 Posso citar, como exceção, um caso em que o fato de ser bucheiro não impediu a vitória brilhante de um candidato que nenhuma vinculação mantinha com a Busha e que contava apenas 35 anos de idade. Falo da vitória consagradora do professor Vicente Ráo, em 1927, no concurso de cátedra de Direito Civil, contra o conhecido bucheiro professor Jorge Americano.

2 Acredito que muitos dos atuais professores da São Francisco têm avôs, bisavôs e tataravôs que foram bucheiros.

3 O Migalhas, no ano de 2012, bem pesquisou sobre a origem do vocábulo "peruada". Aduz que os estudantes furtaram diversos perus, orgulhosamente criados no quintal de um Professor da Faculdade e saíram belos e brejeiros a preparar um alegre jantar, convidando o professor que tivera suas aves surrupiadas de seu quintal para participar...

4 O bom humor dos estudantes era intenso. Estudante pobre costumava almoçar, antes de seguir para o meu emprego público na Secretaria de Justiça, no Restaurante do Centro Acadêmico XI de Agosto, almoço bem feito, barato, e acompanhado de um copo de leite. O gerente do Restaurante era conhecido por Chico Elefante, um homem pequenino e magérrimo...

5 Na época em que cursava o 4º e o 5º anos da Faculdade (1961 e 1962), aceitando amáveis convites, participei de jantares no Jockey Club de São Paulo, em comemoração ao 11 de agosto.

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*Ovídio Rocha Barros Sandoval é advogado do escritório Rocha Barros Sandoval & Ronaldo Marzagão Sociedade de Advogados.

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