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O direito do candidato à indenização decorrente de sua convocação tardia e a configuração da flagrante arbitrariedade

Considerações sobre o direito do candidato à indenização decorrente de sua convocação tardia e a configuração da flagrante arbitrariedade

Hugo Sampaio de Moraes

A necessidade de se responsabilizar a Administração Pública pelos danos causados quando, atuando de modo flagrantemente arbitrário, deixa de realizar uma convocação.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Atualizado em 4 de novembro de 2015 12:03

O presente artigo tem por objeto a análise do direito do candidato à indenização decorrente de sua convocação tardia, isto é, a necessidade de se responsabilizar a Administração Pública pelos danos materiais causados quando, atuando de modo flagrantemente arbitrário, deixa de convocá-lo, fazendo-o apenas após determinação judicial.

Examinará, para tanto, a evolução jurisprudencial sobre a questão e, em última instância, a configuração da flagrante arbitrariedade, definida pelo STF, em sede de repercussão geral, em sua composição Plenária, no julgamento do RExt 724.347/DF1, como exceção permissiva à responsabilização da Administração Pública.

Como se sabe, a CF/88 consagrou, em seu art. 37, inciso II2, o concurso público como forma de ingresso em cargo ou emprego público. Segundo Carvalho Filho3, o certame público positivado na Carta Magna prestigia três princípios fundamentais, a saber: o da igualdade, na medida em que permite que todos os interessados disputem a vaga em condições idênticas; o da moralidade administrativa, visto que veda favorecimentos e perseguições pessoais e privilegia a seleção dos melhores candidatos; e, por fim, o da competição, haja vista que indica aos candidatos que para ingressarem no serviço público devem se alçar a melhor classificação possível.

Em outras palavras, a derradeira Carta Republicana instituiu procedimento administrativo seletivo isento de discriminação, isto é, instrumento democrático de acesso ao serviço público que, em razão deste predicado, gera uma série de expectativas naqueles que pretendem prestá-lo.

Entretanto, não obstante ter sido o concurso público concebido constitucionalmente, por vezes, sobretudo em razão da desarmonia entre o comportamento da Administração Pública e a previsão das regras no edital do certame, o candidato acaba tendo que acionar o Poder Judiciário para que seja convocado à etapa seguinte de determinado concurso ou até mesmo nomeado.

O reconhecimento judicial do direito do candidato à convocação para próxima etapa do certame ou à nomeação, no entanto, costumeiramente ocorre apenas muito após a época em que efetivamente deveria o demandante ter sido convocado ou nomeado, surgindo, aqui, o debate em torno da responsabilização civil do Estado pelos danos materiais suportados pelo administrado inserto nesta situação.

A questão é extremamente controvertida e, mesmo após a consolidação de entendimento da Suprema Corte, em sede de repercussão geral, no sentido de que "na hipótese de posse em cargo público determinada por decisão judicial, o servidor não faz jus a indenização, sob fundamento de que deveria ter sido investido em momento anterior, salvo situação de arbitrariedade flagrante.", continuará sendo, ao menos enquanto não estabelecidos parâmetros jurisprudenciais constituintes da supra aludida flagrante arbitrariedade.

Para que se possa bem compreender o panorama atualmente concebido sobre o assunto, necessário se faz analisar a posição do STJ, Corte responsável pela uniformização da interpretação da legislação federal brasileira, antes e após o julgamento dos EREsps 825.037/DF4 e 1.117.974/RS5, ambos ocorridos em 2011.

Anteriormente, a Corte Cidadã possuía basicamente duas linhas de entendimento. Por um lado, até então as Turmas integrantes da Primeira Seção compreendiam6 que a Administração Pública deveria arcar com indenização por danos materiais em prol do candidato convocado tardiamente, com valor equivalente à importância que lhe seria devida caso tivesse sido oportunamente empossado.

Por outro, as turmas da 3ª seção entendiam7 ser inadmissível a fixação de ressarcimento por danos patrimoniais em situações similares, ao argumento de que tal conclusão implicaria pagamento de remuneração sem a correspondente prestação do serviço público.

Ou seja, havia, até aquele momento, uma dicotomia de entendimentos em torno da possibilidade ou não de responsabilização do Poder Público. De um lado, entendia-se devida a indenização em valor que correspondesse ao quantum que deveria ter sido percebido pelo candidato tardiamente convocado, e, de outro, que tal reparação não seria devida porque esta correspondência resultaria no pagamento de retribuição pecuniária que não prescinde do efetivo exercício do cargo.

Mas, no início de 2011, no julgamento do EREsp 825.037/DF, a Corte Especial do Egrégio STJ, à unanimidade, consolidou compreensão de que, nas hipóteses em que demandado o Poder Público para que pague indenização por danos patrimoniais decorrentes da convocação tardia do candidato, há de se reconhecer a responsabilidade estatal pela perda de uma chance, e não do direito do candidato à remuneração. Assim, concluiu que o valor da indenização deveria corresponder à quantia que poderia ter recebido, deduzido o valor que, efetivamente, recebeu pelo exercício de outro cargo ou do exercício de outro vínculo contratual.

Sucede que, no fim do mesmo ano, ao apreciar o EREsp 1.117.974/RS, aquele órgão colegiado, revendo seu posicionamento recém firmado, por maioria de votos, considerou que, em face da existência de diversas decisões singulares e colegiadas de ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal no sentido de que, se a convocação decorre de sentença judicial, o retardamento não configura preterição ou ato ilegítimo da Administração Pública a justificar uma contrapartida indenizatória, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça deveria se alinhar à da Excelsa Corte.

Assentou, portanto, compreensão ampla e genérica de que não seria devida indenização ao candidato que teve de mover a máquina judiciária para ver reconhecido seu direito à convocação/nomeação, sem nem mesmo excetuar casos, por exemplo, em que configurada preterição - o que levou à formação, posteriormente, de maciça e indiscriminada (visto que não consideradas as particularidades dos casos concretos) jurisprudência no âmbito daquele Tribunal no sentido de que é indevido o ressarcimento por danos materiais derivados da convocação tardia do candidato8.

Apesar da alusão feita pela Corte Especial à suposta pacificação da questão no âmbito do STF, verdade é que, no âmbito da Excelsa Corte, ela se encontrava controvertida antes do julgamento do leading casecom repercussão geral reconhecida supramencionado.

Em numerosas oportunidades a Corte Constitucional se debruçou sobre esta controvérsia e, primando pela autoaplicabilidade do art. 37, § 6º, da Carta Republicana de 19889, se posicionou a favor da responsabilização objetiva do Poder Público com a fixação de indenização por danos materiais emquantum equivalente aos valores a que o candidato teria direito caso tivesse sido convocado a tempo e modo10.

Em contrapartida, tem-se, também preteritamente ao julgamento do precedente que efetivamente veio a harmonizar a compreensão jurisprudencial sobre o tema, decisões consagrando o entendimento de que o pagamento de indenização referente a período em que não houve prestação de serviços configuraria enriquecimento sem causa11.

Diante deste cenário jurisprudencial, o Excelso STF, apreciando o multicitado RExt 724.347/DF, em julgamento finalizado em 26/2/2015, adotou orientação de que, na hipótese de posse em cargo público determinada por decisão judicial, o servidor não faz jus a indenização, sob fundamento de que deveria ter sido investido em momento anterior, salvo situação de flagrante arbitrariedade.
Em sua fundamentação, o Exmo. ministro relator Roberto Barroso informou as hipóteses em que a Corte entenderia, no caso concreto, se tratarem de flagrante arbitrariedade, para os fins de indenização.

Estabeleceram-se, naquela assentada, as seguintes exceções à regra de não responsabilização do Poder Público: (i) descumprimento de ordens judiciais; (ii) litigância meramente procrastinatória; (iii) má-fé; e (iv) outras manifestações de desprezo ou mau uso das instituições12.

Portanto, estipularam-se parâmetros abertos para que se possa indenizar o candidato convocado tardiamente. O min. Luís Roberto Barroso, ao longo de seu voto-condutor, apontou, citando precedentes da própria Excelsa Corte, duas hipóteses em que a patente arbitrariedade havia se configurado.

É o caso, por exemplo, de candidata ao cargo de Juiz do Trabalho que participou de certame em 1967 - RE 188.093/RS13. A administrada foi preterida por outros candidatos com classificação inferior e, mesmo após o trânsito em julgado, em 5/12/1968, da concessão de ordem de seu mandado de segurança impetrado, não foi nomeada.

Naquele caso concreto ainda havia a particularidade - mencionada pelo ministro como caracterizadora de regime de exceção que - de que em meados de 1969 a candidata teve seus direitos políticos suspensos. Passados dez anos, solicitou administrativamente sua nomeação, pedido que foi negado.

Assim, em face do descumprimento da ordem judicial, a candidata uma vez mais teve que ingressar em juízo postulando, além de sua posse, indenização correspondente às vantagens de todo período pretérito, excetuado aquele em que estiveram suspensos seus direitos políticos. Os pedidos formulados na exordial foram julgados procedentes e o STF repeliu a alegação da Administração de enriquecimento sem causa.

Noutra hipótese, apreciada pelo Tribunal no julgamento do RE 194.657/RS14, a candidata aprovada dentro das vagas em concurso para Juiz de Direito foi vetada após sessão administrativa secreta realizada pelo TJ/RS sem representante da OAB, em decisão imotivada.

No processo, a Administração alegou que a razão para o veto fora o resultado de exame psicotécnico, mas a Corte Suprema não considerou válido tal poder de veto absoluto. Aqui, considerou o Ministro que se caracterizou a flagrante arbitrariedade e, apesar de não reconhecer expressamente, poder-se-ia enquadrar o caso na hipótese de mau uso das instituições.

Em razão da ampla gama interpretativa da qual ficará incumbido o Poder Judiciário, os candidatos que de alguma forma se sentirem lesados deverão buscar uma solução judicial para que saibam se sua situação se ajusta à alguma das hipóteses apontadas pelo Excelso Tribunal Federal como configurativas da arbitrariedade flagrante.

Dessa forma, certo é que há uma vasta diversidade de situações que se amolda às premissas que esteiam a flagrante arbitrariedade. Caberá aos juízes a apreciação do caso concreto para que, ao fim e ao cabo, definam se há, ou não, o dever de indenizar.

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1 RExt 724347, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 26/02/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-088 DIVULG 12-05-2015 PUBLIC 13-05-2015

2 Redação original, previamente à Emenda Constitucional nº 19, de 1998, que acresceu a expressão "de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei": a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

3 CARVALHO FILHO, José dos Santos. "Manual de Direito Administrativo", 19ª edição, Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, ano 2007. p. 563

4 EREsp 825.037/DF, Rel. Ministra ELIANA CALMON, CORTE ESPECIAL, julgado em 01/02/2011, DJe 22/02/2011

5 EREsp 1117974/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/09/2011, DJe 19/12/2011

6 Vide, a título ilustrativo: AgRg no REsp 1026855/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/02/2009, DJe 04/03/2009 e REsp 942361/AP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/05/2008, DJe 26/05/2008

7 Vide, a título exemplificativo: AgRg no REsp 922.977/RS, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 25/06/2009, DJe 03/08/2009 e REsp 956.055/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 14/10/2008, DJe 03/11/2008

8 Vide, a título exemplificativo: AgRg no REsp 1486726/PE, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/05/2015, DJe 02/06/2015 e, AgRg no REsp 1457197/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/10/2014, DJe 13/10/2014

9 Reza o dispositivo constitucional: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."

10 Vide: RE 194657, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 04/10/2001, DJ 14-12-2001 PP-00083 EMENT VOL-02053-07 PP-0148; RE 247349, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. OCTAVIO GALLOTTI, Primeira Turma, julgado em 29/02/2000, DJ 27-04-2001 PP-00101 EMENT VOL-02028-06 PP-01281; e RE 339852 AgR, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 26/04/2011, DJe-158 DIVULG 17-08-2011 PUBLIC 18-08-2011 EMENT VOL-02568-01 PP-00077

11 Vide: RE 593373 AgR, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 05/04/2011, DJe-073 DIVULG 15-04-2011 PUBLIC 18-04-2011 EMENT VOL-02505-01 PP-00121 e AI 839459 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 05/03/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 29-04-2013 PUBLIC 30-04-2013

12 RE 724347, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 26/02/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-088 DIVULG 12-05-2015 PUBLIC 13-05-2015 - página 17 do inteiro teor

13 (RE 188093, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, julgado em 31/08/1999, DJ 08-10-1999 PP-00057 EMENT VOL-01966-02 PP-00388)

14 (RE 194657, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 04/10/2001, DJ 14-12-2001 PP-00083 EMENT VOL-02053-07 PP-01487)

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*Hugo Sampaio de Moraes é sócio do escritório Alino & Roberto e Advogados.


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