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Direito à felicidade

Direito à felicidade

Quando se alinha Direito e felicidade, tem-se uma conexão perfeita. Dá-se a impressão que são dois institutos coligados para proporcionarem ao homem as melhores condições para desenvolver sua vida.

domingo, 31 de janeiro de 2016

Atualizado em 29 de janeiro de 2016 13:22

Uma segurada recebia auxílio-doença por depressão e durante o período de afastamento de suas atividades, postou fotos no Facebook com imagens de suas viagens exibindo passeios por belas cachoeiras, com legendas que retratavam seu indescritível estado de felicidade. Foi o suficiente para que tivesse seu benefício cancelado pelo INSS, com a decretação da cassação de sua incapacidade laboral1.

Não se pretende discutir o acerto da decisão e nem mesmo o procedimento adotado para invalidar o benefício, que exigiriam um debruçar jurídico sobre a questão. O foco desloca-se para o direito à felicidade, tão esbanjado pela segurada na rede social e tão invejado e ambicionado por qualquer pessoa.

Fica até difícil definir o que é felicidade. Muitos já se aventuraram em tal árdua tarefa e, por mais amplo e abrangente que seja o conceito, sempre ficará em descoberto determinada abordagem, em razão da própria natureza humana, com sua dinâmica e mutabilidade variáveis.  A conceituação de felicidade se modifica de época para época. Pode-se arriscar, sem muito compromisso, em dizer que se trata de uma emoção humana que procura retratar uma situação, mesmo que efêmera, mas que transmite a sensação de alegria, bem-estar e que possibilite usufruir as boas coisas da vida. Quer dizer, feliz é aquele que procura viver intensamente seus momentos e retirar deles a receita para o seu bem viver.

Quando se alinha Direito e felicidade, tem-se uma conexão perfeita. Dá-se a impressão que são dois institutos coligados para proporcionarem ao homem as melhores condições para desenvolver sua vida. Se a ciência jurídica busca o bene vivere (viver bem e honestamente), neminem laedere (a ninguém prejudicar), e o suum cuique tribuere (dar a cada um o que é seu), preceitos estabelecidos por Justiniano em suas Instituições, e se toda  normatização social caminha para a vivência harmônica entre as pessoas, pode-se concluir, sem qualquer exagero, que o Direito se apresenta como um instrumento para o exercício do bem comum, de uma realização comunitária que, de certa forma, possibilitará um estilo de vida individual mais compatível com a realidade idealizada pelo cidadão. Se todos são iguais perante a lei, nada mais justo do que a existência de uma felicidade distributiva, em porções adequadas para cada pessoa. Não se trata aqui de se criar uma utopia, como pretendeu Tomas Morus, quando imaginou o lugar que possibilitasse a sociedade perfeita e ideal, onde todos ambicionassem conquistar a felicidade, porém sabendo que é inatingível.

E, por incrível que pareça, as legislações não trazem explicitamente a consagração do direito à felicidade, que teria o condão de reunir, num artigo só, tudo que está sendo conferido como direitos e obrigações entre as pessoas, assim como seu relacionamento com o Estado. A Declaração de Direitos de Virgínia, que precedeu a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, idealizada por Thomas Jefferson, proclamava em seu artigo 1º: "Todos os homens nascem igualmente livres e independentes, têm direitos certos, essenciais e naturais dos quais não podem, por nenhum contrato, privar nem despojar sua posteridade: tais são o direito de gozar a vida e a liberdade com os meios de adquirir e possuir propriedades, de procurar obter a felicidade e a segurança". Nesta vinculação, as ações sociais são de vital importância para se atingir os propósitos almejados. Não se trata de um estímulo ao cidadão e sim de uma garantia conferida pelo próprio Estado.

No mundo estranho e conturbado em que vivemos é difícil encontrar parâmetros para a felicidade. A sociedade parece refém de suas próprias regras. O homem se movimenta em círculos e vai afundando cada vez mais o chão onde pisa, ou se sente como Sísifo ao empurrar a pesada pedra até a montanha e quando estava prestes a atingir o topo, rolava novamente montanha abaixo. Parece até que a felicidade fica cada vez mais distante, inatingível e quando raramente se apresenta, tem que ser festejada com pompa e circunstância.

Assim, voltando para o caso da segurada que vivia atormentada pela depressão, num repente, vendo-se diante de tão exuberante natureza que proporcionava o espetáculo de belas cachoeiras, com montanhas iluminadas pelos raios de sol, soltou o brado de que se encontrava em verdadeiro estado de felicidade, libertou-se dos grilhões da implacável doença que a atormentava, exorcizando-a para o fundo das águas. Tenho certeza que causou inveja aos que se declaravam felizes.

Não faz mal que teve seu benefício cancelado. É bom e faz bem trabalhar depois de ter experimentado uma inesquecível experiência de momentos felizes. Pelo menos a segurada sabe que as cachoeiras representam inspiração para abrir as comportas de sua felicidade e gozar em toda sua plenitude tal direito.

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1 Folha de S.Paulo.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp.



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