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Análise jurisprudencial em relação às sociedades simples e o ISS com base no DL 406/68 e legislação de Porto Alegre/RS

A mera opção da forma societária não enseja a descaracterização das sociedades simples.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Atualizado em 22 de fevereiro de 2016 15:28

A sociedade Simples é constituída por profissionais de determinado ramo, cuja profissão seja devidamente regulamentada por lei. Sendo que o legislador pátrio identificou diferenças entre uma sociedade que presta serviços através da pessoa de seus sócios para uma sociedade cujos sócios apenas aportem capital e não exerçam a atividade-fim da mesma. O Código Civil de 2002 distinguiu as sociedades Empresárias das sociedades Simples, considerando empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços. Em contraponto, o mesmo Código não considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

No entanto, a Constituição Federal de 1988, concedeu aos municípios a competência para instituir imposto sobre serviços de qualquer natureza, excetuando os serviços destinados à competência dos Estados e Distrito Federal. Mediante lei complementar, o Congresso Nacional, foi autorizado a editar regras gerais de tributação sobre circulação de mercadorias e sobre serviços de qualquer natureza para que os entes políticos pudessem exercer sua competência tributária. O então DL 406/68, recepcionado pela CF/88 e posteriormente alterado pela LC 116/03, assinala a forma diferenciada de apuração da base de cálculo do ISS inerente às sociedades Simples. A LC 116, ao ser editada, manteve vigente as regras do antigo decreto-lei 406 (alteradas anteriormente pelo DL 834/69 e LC 56/87) no tocante ao artigo 9º §§ 1º e 3º o qual faz referência à base de cálculo do ISS quando se tratar de sociedades Simples. Assim, a LC 116/03 introduziu mudanças na lista de serviços a serem tributados pelo ISS, fazendo com que se implementasse um número maior de serviços a serem alcançados pelo imposto municipal.

A fim de exercer sua competência tributária, os municípios instituíram leis para regulamentar a incidência do ISS. O município de Porto Alegre/RS, por exemplo, manteve vigente sua lei complementar 7/1973, a qual estabelece o exercício da sua competência tributária. Sendo que, atualmente, o decreto municipal de 15.416 de 2006 regulamenta na capital do Estado do RS, a então LC 7/73.

Assim, a legislação Municipal deve obedecer às regras contidas no DL 406/68 e na LC 116/03 e, para tanto, regulamentar a prática da base de cálculo diferenciada inserta no decreto-lei. Perante isso, concretizado normativamente o preceito estabelecido perante às sociedades Simples, esta poderá fazer jus ao recolhimento cuja base de cálculo é calcada sobre cada profissional habilitado a prestar serviço em nome da sociedade.

A sociedade que perder o caráter de sociedade não empresária - Simples - deverá, consequentemente, recolher ISS com base de cálculo sobre o preço do serviço. Pode-se observar nas jurisprudências tanto em âmbito administrativo quanto judicial, as diferentes interpretações sobre a constatação de descaracterização das sociedades Simples. Em decisões na esfera administrativa, entende-se que o fato de a sociedade ser constituída sob a forma de limitada e os sócios serem de profissões diferentes enseja caráter empresarial, devendo ser tributada sobre a receita bruta. O Superior Tribunal de Justiça pacificou seu entendimento de maneira semelhante ao administrativo de Porto Alegre/RS. Os Ministros votam no sentido de que a sociedade Simples perde seu caráter na medida em que seus sócios a constituem sob a forma de responsabilidade limitada às quotas societárias. Há julgados, no STJ, que vão além, ou seja, imputam à sociedade a forma de apuração do ISS sobre o preço do serviço quando estas efetuam retiradas a título de pró-labore. Já o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entende de forma contrária às decisões administrativas e da Corte Superior. No entanto, os desembargadores do TJ/RS, explicam em seus votos que a responsabilidade limitada dos sócios em nada implica a descaracterização do caráter não empresarial das sociedades Simples, tão pouco a retirada de pró-labore e aferição de lucros.

Divergências à parte, ao estudar a doutrina vê-se que há diferenciação entre a forma societária e a natureza da sociedade. Os julgados do STJ confundem estas duas grandezas, não observando o que deve ser realmente constatado nas sociedades Simples. Ou seja, o que deve ser observado é se o objeto social é de cunho intelectual, científico, literário e/ou artístico e, se as profissões de seus sócios são condizentes com este. Assim, a escolha da espécie societária não importará na descaracterização das sociedades Simples, uma vez que, a forma limitada faz referência à responsabilidade dos sócios perante as dívidas da sociedade. Além disso, o próprio Código Civil é claro em seu artigo 983 que a sociedade Simples pode optar por qualquer das espécies societárias destinadas às sociedades empresárias (Limitada, Sociedade em Nome Coletivo, em Comandita Simples, etc.). Quanto à retirada de pró-labore, é totalmente perversa a decisão que associa a retirada deste pelos sócios como sendo típica de atividade empresarial. Pois, a natureza deste, é de provento dos sócios pelos serviços prestados à sociedade, podendo ser associada como um "salário" dos sócios. Em relação à aferição de lucros, o próprio TJ/RS afirma a normalidade de tal conduta, haja vista, se tratar de um rendimento, pois, nada obsta de os sócios atribuírem lucros em casos em que a receita da sociedade superar suas despesas.

Conclui-se, portanto, que a mera opção da forma societária não enseja a descaracterização das sociedades Simples. Também não pode ser descaracterizada se os sócios tiverem formação profissional diferentes entre si, desde que as profissões estejam de acordo com o objeto social e os sócios prestem os serviços em nome da sociedade. Entretanto, pode ser decretada a perda do benefício trazido pelo DL 406/68 se a sociedade realizar serviços diferentes da formação de seus sócios; tiver além da prestação de serviços, outra atividade como a venda de produtos; fizer parte do capital social de uma sociedade empresária; utilizar-se de outra pessoa jurídica para realizar sua atividade-fim, entre outras. Com isso, considera-se como mais adequadas as decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por ir ao encontro de grande parte da doutrina respeitando as características das sociedades Simples e diferenciando os conceitos das espécies societárias e suas características.

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*Gustavo Freire da Cunha é assessor jurídico do escritório MZ Advocacia.

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