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Saiba por que o bloqueio do WhatsApp fere princípios constitucionais

Embora os bloqueios tenham, de fato, se tornado "comuns", o tema ainda levanta discussões que englobam, entre tantos outros, o princípio da proporcionalidade.

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Atualizado em 9 de agosto de 2016 10:05

A primeira vez que os brasileiros foram surpreendidos com a notícia do bloqueio do WhatsApp causou um certo fervor nas pessoas. Atualmente, quando esta mesma notícia é veiculada nas mídias a reação é bem diferente. Ou melhor, a reação é quase que indiferente. Apenas mais um bloqueio, que, certamente, será derrubado antes do tempo previsto, como aconteceu com os demais.

Embora os bloqueios tenham, de fato, se tornado "comuns", o tema ainda levanta discussões que englobam, entre tantos outros, o princípio da proporcionalidade. Este princípio tem por função garantir o equilíbrio dos direitos individuais entre si e destes com os anseios da sociedade, e esta garantia é baseada na premissa de que nenhuma
garantia constitucional tem valor absoluto ou supremo de modo a aniquilar uma outra de valor e grau equivalentes.

A origem deste princípio remonta o Estado absolutista: a lei, que antes servia como fundamento para o poder do monarca, passa a funcionar como freio e limite aos seus atos. Evoluída a definição e abrangência de tal princípio, podemos dizer que ele é hoje considerado "uma máxima, um parâmetro valorativo que permite aferir a idoneidade de uma dada medida legislativa, administrativa ou judicial. Pelos critérios da proporcionalidade pode-se avaliar a adequação e a necessidade de certa medida, bem como, se outras menos gravosas aos interesses sociais não poderiam ser praticadas em substituição àquela empreendida pelo Poder Público", conforme leciona José Sérgio da Silva Cristovam, em sua obra Colisões entre princípios constitucionais. (2006).

Trazendo essas considerações teóricas para o caso do bloqueio do WhatsApp, temos um cenário com várias aspectos a serem considerados. Na quase totalidade dos bloqueios, havia, de um lado, uma investigação criminal, em que, teoricamente, o acesso às conversas transmitidas por meio do aplicativo desvendaria a autoria e/ou materialidade dos fatos; do outro lado, a empresa dona do aplicativo negando-se à fornecer tais dados, trazendo eu seu favor o direito à privacidade de seus usuários além de motivos de ordem técnica que impossibilitariam tal fornecimento; e de um outro lado, uma sociedade inteira impedida de se utilizar de um aplicativo que facilitou a comunicação de modo até mais efetivo que o próprio telefone.

A análise desses três lados conjugadas leva justamente ao confronto que deve ser solucionado pela proporcionalidade. Mas, a solução efetivamente não é fácil. No que tange à investigação criminal, esta é regida pelo princípio da verdade real. Este informa que processo penal deve haver uma busca da verdadeira realidade dos fatos.

De acordo com Luiz Flávio Gomes, "diferentemente do que pode acontecer em outros ramos do Direito, nos quais o Estado se satisfaz com os fatos trazidos nos autos pelas partes, no processo penal (que regula o andamento processual do Direito penal, orientado pelo princípio da intervenção mínima, cuidando dos bens jurídicos mais importantes), o Estado não pode se satisfazer com a realidade formal dos fatos, mas deve buscar que o ius puniendi seja concretizado com a maior eficácia possível".

Pelo ponto de vista da empresa, importa lembrar que, recentemente, o WhatsApp alterou sua política de criptografia, o que, teoricamente, torna difícil ou impossível o acesso e fornecimento dos dados. Esta alteração foi realizada justamente para a garantia da privacidade dos usuários do aplicativo.

Por fim, temos o ponto em que toda uma sociedade é tolhida do seu acesso aos meios de comunicação em detrimento de uma única investigação criminal. Nesta seara, é válido lembrar que atualmente muitas empresas realizam suas operações comerciais por meio do aplicativo e o bloqueio poderia ferir até mesmo o princípio da livre concorrência.

Diante disto, qual é o princípio mais valioso e que deve ser respeitado? O da verdade real? O da privacidade? O do acesso às comunicações? O da livre concorrência?

Acerca deste conflito é que a proporcionalidade incide. Não se trata, de fato, de um conflito de fácil solução. Os argumentos de todos os lados são fortes. Resta aguardar uma eventual posição do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, firmando um posicionamento. E enquanto isso, continuemos convivendo com os próximos eventuais bloqueios e aguardando a respectiva derrubada pelos tribunais superiores.

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*Luciana Pimenta é coordenadora pedagógica no IOB Concursos, advogada e revisora textual.

IBTP - INSTITUTO BRASILEIRO DE TREINAMENTO PROGRAMADO S.A.

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