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Reflexões sobre o futuro do Direito empresarial brasileiro

O Direito empresarial brasileiro precisa e merece essa atenção especial.

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Atualizado em 17 de agosto de 2016 09:51

Momentos de crise provocam reflexões, em especial sobre a forma pela qual Estado e sociedade devem se relacionar. Há momentos de maior liberdade aos agentes econômicos; em outros, mais intervenção estatal sobre as decisões da iniciativa privada. Todos os países vivem essa discussão: como o ambiente empresarial deve ser regulado? Qual deveria ser a "dosagem" ideai?E a forma adequada dessa regulação? E sobram propostas para responder a esses importantes questionamentos.

Há países, como os Estados Unidos, que preferiram historicamente deixar aos regulados mais poder de se autorregular, com baixa interferência estatal nas escolhas e decisões dos seus cidadãos e organizações privadas. Em outros, tais como a França e outros países europeus, abundam regras limitadoras dessa liberdade de autodeterminação, sempre em prol de uma proteção social mais ampla, contemplando diversos interesses em conjunto. Cada país escolheu, em sua trajetória, a forma que entendeu mais adequada para essa interação entre o público e o privado, com inúmeros modelos e variações, cada qual com vantagens e desvantagens.

Em sua curta história, o Brasil adotou um modelo mais interventor do Estado sobre as escolhas de seu povo, curiosamente sem uma participação efetiva e direta da sociedade como um todo, ao menos conscientemente, nessa importante discussão. Tivemos ditaduras, poucas décadas de democracia, mas em todas as constituições brasileiras (e na legislação infraconstitucional) nota-se uma crescente regulação sobre a atividade econômica, seja diretamente, seja indiretamente com uma maior proteção àqueles que com a empresa se relaciona. Pouco nos preocupamos com os efeitos de segunda ordem dessa regulação, em especial os custos de transação das mais variadas ordens. Juristas, cientistas políticos, sociólogos, economistas, empreendedores, trabalhadores, associações de classe e demais grupos todos buscaram proteger seus interesses, preterindo discussões colegiadas e ignorando um modelo de regulação adequado à realidade dos desafios únicos que se apresentam a todos indistintamente. Afinal, todos os interesses não deveriam convergir?

Sabe-se que os empresários veneram a previsilidade e a estabilidade das "regras do jogo", que precisam ser claras. Naturalmente, eles buscam ter poucas preocupações e mitigar ao máximo os seus riscos e responsabilidades, além daqueles que ele precificou e com os quais se dispôs a arcar. Eles entendem que suas diversas liberdades constitucionais deveriam ser absolutas, afinal eles contribuem significativamente com a geração de empregos, recolhimento de tributos e demais ganhos sociais. Com base em seu diferencial competitivo, calcado em segredos industriais dos mais diversos, o empresário busca a maior eficiência possível no resultado de suas escolhas. Ah, e quanto menos Estado, melhor!

No entanto, a evolução regulatória pelo mundo - e o Brasil segue essa "onda" - passa a se preocupar mais com os momentos de crise que ocorrerão sempre ciclicamente na economia e nas organizações, estas cada vez mais importantes como uma "teia" de relações que faz a sociedade buscar seu constante bem estar geral. Pensa-se menos na segurança jurídica clássica e mais em como amenizar os efeitos da incerteza e da complexidade do mundo moderno. Abraça-se uma visão mais multidisciplinar das questões cotidianas, premiando princípios como transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa. Mais postura e comportamento ético, menos retórica e externalidades negativas. Mais essência, menos forma. A sustentabilidade das organizações é mais importante do que seu resultado de curto prazo, perenizando os recursos empregados. Mais dignidade da pessoa humana, aliada a uma nova eficiência gerencial. A função social direciona a regulação em praticamente todos os países, redefinindo o papel do Estado como mais fiscalizador do que regulador. Estamos na era dos padrões de comportamento, menos das regras estanques, formais, do "tudo ou nada". Há riscos nessa escolha regulatória, tais como o incrível aumento da judicialização das relações humanas e empresariais, ao menos no Brasil.

Esse pêndulo entre regular "demais" e regular "de menos" varia de posição de tempos em tempos. O Brasil vive hoje novamente essa importantíssima discussão. Será que precisamos ter uma Constituição com tantos direitos e tão poucos deveres? Será que a empresa precisa ser tão regulada, tão fiscalizada? Será que o nível de burocracia em nosso país não poderia ser minimizado, fomentando uma dinâmica econômica mais saudável, mais compatível com o que se pratica no mundo? Será que precisamos mesmo de um novo Código Comercial no Brasil?

Esperanças estão não só em nossa juventude (aparentemente mais éticas e corajosas que seus antecessores), mas também em uma ambição que o brasileiro precisa começar a ter. Como se diz em inglês, trata-se de uma corrida race to the top. Livremo-nos da burocracia inútil, desse sistema tributário atrofiado e desestimulante, façamos as reformas legais e institucionais necessárias, discutamos o assunto seriamente, mas consideremos o que pensa o regulado. Incentivemos o empreendedorismo, incentivemos o bom e honesto empresário, analisemos o custo e o benefício de todas as importantes iniciativas legais que hoje rondam a nossa vida. Aproveitemos o momento de crise para discutir um projeto de país pela primeira vez.

O Direito empresarial brasileiro precisa e merece essa atenção especial. Precisamos recuperar a nossa imagem não só em nosso mercado, mas também internacionalmente. Recuperemos o nosso orgulho ferido. Ressurjamos rapidamente com força no cenário mundial. O desafio é deveras difícil, mas o benefício de longo prazo colhido por todas as nações hoje desenvolvidas é o maior exemplo de que, em tempos de crise, a coragem para mudar é recompensadora. Ressurjamos das "cinzas" e canalizemos os esforços de todos nesse sentido.

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*André Antunes Soares de Camargo é advogado, doutor em Direito Comercial pela USP, membro da Comissão de Ensino Jurídico da OAB/SP e professor e coordenador geral do Insper.

 

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