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Juizados, sonho que se desfez!

Os juizados são adjuntos e isso implica em usar a péssima estrutura da Justiça comum para movimentar as reclamações, prejudicando a Justiça Comum e os Juizados.

sábado, 26 de novembro de 2016

Atualizado em 25 de novembro de 2016 08:26

A "Justiça de Crédito" ou de "Exceção", criada pelos empresários vai muito bem, amedrontando e causando danos aos consumidores, quando negativa seu nome, às vezes indevidamente; os juizados Especiais, a outra Justiça que seria para os pobres e destinada a solucionar pequenos problemas do dia a dia, é que vai muito mal, porque desvirtuados de seus mais lídimos propósitos.

A cada movimento do legislador, dos advogados e dos tribunais, o sistema distanciou do seu verdadeiro sentido para o qual foi idealizado. O atendimento piorou e a burocracia passou a infernizar a vida dos que necessitam buscar a recomposição do seu direito. Já não se julga as pequenas causas, as reclamações sem complexidade; ficou difícil, porque os juizados tornaram-se o estuário também de empresas e de pessoas que têm recursos para pagar custas e advogados.

A primeira lei 7.244/84 admitia nos juizados somente os litígios de natureza patrimonial com valor não excedente a 20 salários mínimos; a lei 9.099/95 ampliou o alcance e inseriu as causas de até 40 salários mínimos, com a presença de advogado para reclamações que ultrapassem a 20 salários mínimos; uma, a primeira, condizente com a informalidade, dispôs sobre o sistema em 59 artigos; outra, a mais sofisticada, trata da matéria em 97 artigos.

A massificação foi de tal ordem que a "Justiça em Números", CNJ, informa que 30% dos novos processos são destinados aos juizados Especiais. E o pior é que não instituíram estrutura alguma para suportar o peso do grande número de reclamações que ancoraram no sistema.

A lei dos juizados Especiais admite quatro alternativas para solução das reclamações: conciliação, art. 21 segs lei 9.099/95, juiz leigo, art. 21 segs e a arbitragem, art. 24 segs; o juiz leigo passou a atuar muito recentemente na Bahia; a arbitragem, apesar de contemplada na lei, nunca foi experimentada; instrução e julgamento, arts. 27 segs.

As microempresas, através da lei 9.841/99, passou a requerer como autora, quando a permissão era somente pessoa física.

Muitos projetos tramitam no Congresso Nacional e um deles, PL 3.283/97, de autoria do deputado Paulo Lustosa, busca aumentar o valor das causas de competência dos juizados para 200 salários mínimos; outro, o projeto 3.112/97 de autoria do deputado Basílio Villani torna obrigatória a contratação de advogado para todas as causas. Na prática, a contratação de advogado para todas as causas nos juizados já ocorre, diferentemente do que acontecia na vigência da lei 7.244/84.

Os juizados foram definidos pelo desembargador gaúcho, Luiz Melíbrio Machado, da seguinte forma: "A maioria das pessoas passa a vida sem ter uma grande causa, mas não passa um dia sem enfrentar mil contrariedades". Infelizmente, o sistema não mais pode ser assim conceituado, pelos desvios sucessivos que foi vítima.

Além disso, o juiz de direito entendeu de aplicar o CPC, como lei maior, ao invés de tê-lo como subsidiário.

A lei criou para apreciar os recursos uma turma composta de três juízes togados, em exercício no 1º grau de jurisdição, e impôs-lhe a obrigação de reunir na sede do Juizado exatamente para ganhar tempo e evitar a suspensão do julgamento com diligências, além de fazer com que os julgadores convivam com a estrutura de um sistema novo e desburocratizante, art. 41 lei 9.099/95. Aqui mesmo na Bahia, tivemos Turmas Recursais por região, no interior, e descentralizadas na capital. Todavia, a mente complexa e burocrática dos operadores do direito violam a lei e criam Turmas Recursais que se reúnem em local diverso, buscando mais o conforto de salas apropriadas para o bem-estar e o conceito de seus membros do que mesmo para o impulso célere dos recursos. Ademais, desativaram as Turmas Recursais do interior e todos os recursos de toda a Bahia devem ser direcionados para o "pequeno Tribunal", em Salvador.

E o prazo para recurso que deveria ser contado a partir da ciência da sentença, art. 42 lei 9.099/95, mas a burocracia firmou o entendimento de que deve ser a partir da juntada aos autos de mandado ou de AR.

A lei 13.105/15 alterou a redação do art. 48 que permitia à própria parte ingressar com Embargos de Declaração, nas reclamações de até 20 salários mínimo.

Agora já não se trata de reclamação, termo usado pela lei 9.099/95, mas de ação; já não se usa sessão, mas audiência; já não se tem os juízes vocacionados para esse tipo desburocratizante de justiça, mas dispõe-se de Varas judiciais; de descentralizados passou-se a centralizar os juizados e as Turmas Recursais, atendendo mais aos desígnios dos juízes e advogados do que das partes; a Bahia centralizou no bairro do Imbuí e dificultou para quem mora no subúrbio; a morosidade, principal inconveniente da Justiça, contribui para desestabilizar os juizados.

Em decorrência do princípio da oralidade - concentração, imediatidade, identidade física do juiz e irrecorribilidade das decisões interlocutórias -, considerando os princípios da celeridade e da informalidade, nos juizados Especiais, a audiência de instrução e julgamento deve ser única e contínua, encerrando sempre com a sentença. Isso já não ocorre, exatamente pela massificação que se imprimiu a Justiça que deveria ser dos pobres.

O CPC é usado, por exemplo, nas intimações que só se aperfeiçoam depois de intimadas as partes pelo DOE, mesmo com a vigência do art. 19, § 1º da lei 9.099/95, que determina sejam consideradas as partes intimadas com a simples presença na audiência.

Qual o Juizado que aplica o art. 28 da lei 9.099/95: "Na audiência de instrução e julgamento serão ouvidas as partes, colhida a prova e, em seguida, proferida a sentença".

A ata exigida pela Justiça comum, para registro dos atos praticados, é peça dispensável no Juizado, porque substituída por simples anotações de registro da presença das partes; as provas produzidas são anotadas e apreciadas, em resumo, na própria sentença. Essa simplicidade já não existe nos juizados.

A precatória, que antes se fazia por telefonema, de juiz para juiz, já não é usada, deixando-se de aplicar o disposto no art. 13 da lei 9.099/95.

Os juizados Especiais, semelhante ao STF, embrenharam-se pela concessão de liminares, porque o processo demanda anos para ser concluído.

Em grande parte das Comarcas, os juizados são adjuntos e isso implica em usar a péssima estrutura da Justiça comum para movimentar as reclamações, prejudicando a Justiça Comum e os juizados.

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*Antonio Pessoa Cardoso é desembargador aposentado e advogado do escritório Pessoa Cardoso Advogados.

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