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Aplicação supletiva e subsidiária do novo CPC ao Processo Administrativo Fiscal, recepção dos julgados dos Tribunais na esfera administrativa

Além da Constituição Federal de 1988 e do Código Tributário Nacional, no âmbito federal, o processo administrativo tributário permaneceu sem disciplina própria, sendo regrado pelos preceitos específicos estabelecidos na legislação própria de cada tributo.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Atualizado em 14 de dezembro de 2016 09:14

É de notório conhecimento que o Processo Administrativo Tributário brasileiro carece de ampla sistematização, com o objetivo de melhor articular as suas diversas fases procedimentais, possibilitando, assim, uma justa análise.

Além da Constituição Federal de 1988 e do Código Tributário Nacional, no âmbito federal, o processo administrativo tributário permaneceu sem disciplina própria, sendo regrado pelos preceitos específicos estabelecidos na legislação própria de cada tributo, até o advento do decreto Federal 70.235/72, o qual rege a determinação e exigência dos créditos tributário da União e do de consulta sobre a legislação tributária aplicável (art. 1°, do DF 70.235/72). Ressalta-se que o mencionado decreto foi recepcionado pela Carta de 1988 e possui, atualmente, o status de lei ordinária.

Preenchendo uma enorme lacuna no Direito Público brasileiro, adveio a lei 9.784/99, denominada Lei Geral do Processo Administrativo Federal - LGPAF, que, na dicção de seu art. 1°, "estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração".

A própria lei 9.784/99 expressamente prevê sua aplicação subsidiária ao processo tributário, ao definir em seu art. 691 que os procedimentos administrativos específicos "continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-lhes apenas subsidiariamente os preceitos dessa Lei".

Portanto, verifica-se que a lei 9.784/99 não possui o condão de regulamentar de forma ampla o processo administrativo, até mesmo porque a aplicação da LGPAF se dará de forma subsidiária.

Entretanto, de início, faz-se necessário traçar uma diferenciação acerca do que seria aplicação supletiva ou subsidiária, tendo em vista que a depender dessa aplicação, haverá ingerência direta no curso processual.

A aplicação supletiva significa que o emprego de uma determinada lei se dará quando o regramento porventura existente não for completo, ou seja, a aplicação será complementar, possibilitando o aperfeiçoamento da lei existente, trazendo maior efetividade e justiça ao processo. Enquanto que a aplicação subsidiária dar-se-á quando inexistir instituto processual para determinado feito, lacunas ou antinomias.

Ainda que indesejável, mas com certeza inevitável, o surgimento de lacunas e antinomias não autoriza o julgador a se desincumbir de sua função judicante, haja vista que o sistema jurídico apresenta as alternativas para o deslinde de determinada demanda. Nessa linha de raciocínio, compete trazer trecho proferido nos autos do processo 13804.008106/2002-18, julgado perante o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais:

"Aqueles que navegam no direito subjetivo sabem ou deveriam saber que o mar processual é bravio e desafiador, quase sempre revolto e cheio de ondas e marolas que fazem, muitas vezes o barco perder o rumo. Isso faz com que muitos se percam e não consigam completar a travessia. Mas nem tudo está perdido, os instrumentos de navegação vem, a cada dia, se aperfeiçoando, de tal sorte, que o barqueiro que os utilizar corretamente, nunca perderá o norte e, facilmente, chegará a um porto seguro. Saindo da linguagem figurada para a real, os instrumentos são os princípios gerais e específicos que norteiam a atividade jurisdicional e, por empréstimo, a 'judicante' administrativo". Trecho extraído do Acórdão 9303- 01.179, emanado no julgamento do recurso especial pertinente aos autos do processo 13804.008106/2002-18, CARF.

Percebe-se, assim, que ainda que de forma fragmentária, as regras que se impõem ao Processo Administrativo Fiscal têm por objetivo dar eficácia e segurança ao curso processual.

Entretanto, ainda assim, muitas vezes os processos tributários administrativos necessitam da aplicação de outros comandos legais, no intuito de solucionar os conflitos normativos aparentes ou não que surgem, apresentando-se o Código de Processo Civil como instrumento extremamente importante.

Aplicação subsidiária e supletiva do novo Código de Processo Civil

Com o advento do novo Código de Processo Civil, lei 13.105, de 16 de março de 2015, que entrou em vigência em 17/03/16, houve alteração positiva quanto à perspectiva de sua aplicação no âmbito administrativo.

Isso porque seu art. 15 é expresso ao determinar que na ausência de normas, aplicar-se-á supletivamente e subsidiariamente nos processos eleitorais, trabalhistas ou ADMINISTRATIVOS, sendo este último o objeto do presente estudo.

Sendo a aplicação subsidiaria e supletiva, devem ser aproveitadas as regras processuais do novo código não só na ausência de norma do processo administrativo, mas também para complementação de matérias já previstas.

E ainda que não houvesse tal determinação expressa, não poderia o julgador se esquivar de seus múnus ao argumento de não existir solução legal ao caso posto sob análise, pois a aplicação do Código de Processo Civil se impõe no Processo Administrativo Fiscal por força de outros critérios para preenchimento das lacunas na lei e não somente pelo comando expresso previsto atualmente em seu bojo normativo, como bem assevera Antônio da Silva Cabral:

"Costuma-se dizer que há lacunas na lei, mas não as há no sistema jurídico de um país. Assim, para os casos omissões, valesse o julgador do CPC, caso este ofereça solução não prevista na legislação processual fiscal."

Nessa esteira, importante é a leitura do acórdão proferido pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, no qual recentemente e de forma expressa se determinou a aplicação subsidiária do NCPC.

Ementa: Assunto: Processo Administrativo Fiscal Período de apuração: 25/06/1999 a 24/09/1999 NORMAS PROCESSUAIS. ADMISSIBILIDADE DO RECURSO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. LEGITIMIDADE PASSIVA Aplicam-se, subsidiariamente, ao processo administrativo fiscal as normas do Código de Processo Civil, como a do seu art. 485 (antigo 267) que permite o conhecimento de ofício das matérias de ordem pública ali expressamente enumeradas, entre as quais consta a legitimidade das partes. (Acórdão 9303-003.834. Processo 16327.001353/2004- 16. Data de Publicação 11/08/2016. Relator Henrique Pinheiro Torres).

Interessante ainda notar, que ao se analisar o inteiro teor do acórdão acima colacionado, o voto vencedor, proferido pelo conselheiro Júlio César Alves Ramos, após explanar toda a construção de seu entendimento, ao final deixa claro que a não aplicação do novo CPC deve se dar de forma motivada. Veja:

"De sorte que, para que pudéssemos deixar de aplicar esse entendimento, necessário explicitar por que o CPC não se aplicaria, ainda que subsidiariamente, ao processo administrativo fiscal, o que não vislumbro."

Vale analisar, também, que a aplicação do Código dos Ritos não se dá de forma indiscriminada e, por certo não possui o condão de substituir o regramento porventura existente, devendo os aplicadores do Direito atuar com a devida parcimônia e cautela.

Nessa linha, cabe destacar julgado da 3ª Câmara / 1ª Turma ordinária quando da análise do Processo 15582.720351/2015-07, em 05/04/16, a qual negou aplicabilidade do Código de Processo Civil, cuja ementa assim dispôs: "Não há, nas regras de procedimento do Processo Administrativo Fiscal (decreto 70.235/72) nenhuma previsão a respeito de litisconsórcio ou aplicação subsidiária das regas do CPC".

Em síntese, nos autos em questão, em sede de Embargos de Declaração, o embargante intentava aplicar subsidiariamente o art. 191, do CPC/732, normativo que tem seu equivalente no art. 229, do NCPC/15.

Apesar de reconhecer a notória aplicação subsidiária do CPC, amplamente desvendada perante a doutrina e jurisprudência, o Relator entendeu que o sistema jurídico referente à legalidade das formas do processo é rígido, não cabendo nenhuma alteração, de qualquer natureza, principalmente quanto aos prazos já existentes3.

Por fim, concluiu que as regras de procedimento do Processo Administrativo Fiscal (decreto 70.235/72) não prevê a figura do litisconsórcio (art. 191 CPC/73), portanto, não seria possível alterar a forma de contagem de prazo para recurso/manifestações.

Dessa forma observa-se que a aplicação subsidiária e supletiva do NCPC - a despeito de sua máxima importância e do ganho obtido com a previsão expressa - não se dá de forma indistinta.

Recepção dos julgados dos Tribunais na esfera administrativa.

É de amplo conhecimento a força e o impacto que um precedente jurisprudencial possui, não sendo inovadora a sua aplicabilidade para futuras demandas que se assemelhem àquela na qual já houve pronunciamento definitivo.

O NCPC inovou em seu Capítulo I, do Título I, do Livro III, ao delinear o conceito e os efeitos do que seria um precedente, o que reafirmou o empenho em preservar a celeridade processual, a segurança jurídica, evitando-se, assim, decisões conflitantes e contraditórias. Em razão da relevância, faz-se necessário colacionar logo abaixo a íntegra do citado dispositivo:

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II - os enunciados de súmula vinculante;
III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
§ 1o Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489,
§ 1o, quando decidirem com fundamento neste artigo.
§ 2o A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.
§ 3o Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.
§ 4o A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.
§ 5o Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.
Art. 928. Para os fins deste Código, considera-se julgamento de casos repetitivos a decisão proferida em:
I - incidente de resolução de demandas repetitivas;
II - recursos especial e extraordinário repetitivos.
Parágrafo único. O julgamento de casos repetitivos tem por objeto questão de direito material ou processual.

Tal comando normativo dispõe claramente a necessidade de observância das decisões já proferidas, prestigiando-se a uniformização e estabilização da jurisprudência.

A recepção dos julgados judiciais na esfera administrativa, na mesma toada de alguns institutos é alvo de inúmeras discussões, mas certa forma já possui solidez quando se está sob a égide de decisões oriundas da sistemática das demandas repetitivas.

Cabe lembrar que o Regimento Interno do CARF, alterado pela portaria 586/10, do Ministério da Fazenda determinou que os relatores de recursos que estejam tramitando perante o órgão deveriam observar a Jurisprudência dos Tribunais Superiores (STF e STJ).

Isso se expressa na obrigatoriedade das decisões de mérito prolatadas em sede de recurso repetitivo serem reproduzidas pelos conselheiros nos julgamentos do CARF, o que já se observa em alguns julgados. Veja:

Ementa: Assunto: Normas Gerais de Direito Tributário Ano- calendário: 2005 DENÚNCIA ESPONTÂNEA. HIPÓTESE CONFIGURADORA. Conforme decidido no REsp nº 1.149.022/SP, na sistemática dos recursos repetitivos, (i) quando o contribuinte declara o tributo e não efetua o pagamento no vencimento, mas o faz (acompanhado dos juros de mora) antes de iniciado o procedimento fiscal, não se trata de denúncia espontânea, sendo exigível, portanto, a multa de mora (cf. Súmula nº 360 do STJ); e (ii) quando o contribuinte declara o tributo de forma parcial e subsequentemente (antes de iniciado o procedimento fiscal) retifica a declaração, noticiando e quitando concomitantemente a diferença informada (acompanhada dos juros de mora), configura-se a denúncia espontânea em relação à correspondente infração, sendo, portanto, descabível a exigência de qualquer multa (de mora ou de ofício). DENÚNCIA ESPONTÂNEA. QUITAÇÃO. Para efeitos do que foi decidido no REsp nº 1.149.022/SP, na sistemática dos recursos repetitivos, caracteriza-se a quitação, que dá ensejo à denúncia espontânea, nos casos de compensação declarada até a apresentação da correspondente declaração retificadora.

Recurso Voluntário Provido em Parte (Acórdão: 1401-001.716. Número do Processo: 16327.720350/2011-12. Data de Publicação: 13/10/2016).

Ementa: Assunto: Normas de Administração Tributária Período de apuração: 01/06/2004 a 30/06/2004 MULTA DE MORA. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. COMPROVAÇÃO DA OCORRÊNCIA. Nos termos dos REsp 962.379 e 1.149.022, submetidos ao rito dos processos repetitivos previsto no art. 543C do Código de Processo Civil, portanto, de observância obrigatória no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, nos termos regimentais, para que se configure a denúncia espontânea nos casos de tributos sujeitos a lançamento por homologação, o pagamento deve preceder a constituição da obrigação tributária, ou seja, a entrega da DCTF, excluindo-se, inclusive, a multa de mora.(Acórdão 3201- 002.308. Número do Processo: 10480.914465/2009-94. Data de Publicação: 10/10/2016)

E como já mencionado, tal sistemática demonstra a preocupação com a segurança jurídica, contribuindo, também, para a coerência entre as instâncias judiciais e administrativas, evitando assim a imprevisibilidade e a quebra de confiança do jurisdicionado perante os tribunais, seja judicial ou administrativo.

Conclusão

Ainda que os regramentos do processo administrativo fiscal não disponham expressamente acerca da aplicação do Código de Processo Civil, percebe-se que com a vigência do NCPC, se consolidou no art. 15 do Código de Ritos a utilização deste para suprimir eventuais lacunas e antinomias porventura existentes, o que sagra e evidencia os princípios basilares do Direito Processual, como o devido processo legal e principalmente o da segurança jurídica como pilares de um processo justo.

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BRASIL. Lei 13.105, de 16 de Março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em clique aqui. Acesso em 20 Out. 2016.

BRASIL. Decreto n° 70.235, de 6 de Março de 1972. Dispõe sobre o processo administrativo fiscal e dá outras providências. Clique aqui. Acesso em Acesso em 20 Out. 2016.

BRASIL. Lei 9.784, de 29 de Janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Clique aqui. Acesso em Acesso em 20 Out. 2016.

BRASIL. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Processo 13804.008106/2002-18. Disponível em clique aqui. Acesso em Acesso em 18 Out. 2016.

BRASIL. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Acórdão 9303- 003.834. Processo 16327.001353/2004-16. Data de Publicação 11/08/2016. Relator Henrique Pinheiro Torres. Disponível em clique aqui. Acesso em 18 Out. 2016.

BRASIL. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Processo 15582.720351/2015-07, em 05/04/2016. Disponível em clique aqui. Acesso em 18 Out. 2016.

BRASIL. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.. Acórdão: 1401- 001.716. Número do Processo: 16327.720350/2011-12. Data de Publicação: 13/10/2016. Disponível em clique aqui. Acesso em 19 Out. 2016.

BRASIL. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Acórdão 3201- 002.308. Número do Processo: 10480.914465/2009-94. Data de Publicação: 10/10/2016. Disponível em clique aqui. Acesso em 19 Out. 2016.

Faro. Mauricio Pereira; MOREIRA. Bernardo Motta. Novo CPC e o Processo Tributário: o novo código de processo civil e seus reflexos no processo tributário administrativo. São Paulo. P. 279-304. 2015.

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1 Art. 69. Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta lei.

2 Art. 191. Quando os litisconsortes tiverem diferentes procuradores, ser-lhes-ão contados em dobro os prazos para contestar, para recorrer e, de modo geral, para falar nos autos.

3 "Do mesmo modo, entendo, não haver, nas regras de procedimento do PAF nenhuma previsão de litisconsórcio. O sistema jurídico brasileiro referente à legalidade das formas é do tipo rígido, pelo qual o prazo estabelecido para fins de instauração e prosseguimento da fase litigiosa do procedimento fiscal não admite tergiversação de qualquer natureza. Delimitado tal prazo com clareza pelas normas legais que regem a apresentação do recurso voluntário, sua inobservância caracteriza a preclusão temporal, impeditiva da admissibilidade do mesmo (Processo 15582.720351/2015-07, em 05/04/2016)".

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*Clairen Saana Moura Santos Lima é advogada do escritório Chenut Oliveira Santiago Sociedade de Advogados.


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