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A chacina em Campinas, o ódio às mulheres e a posição da imprensa

Em termos jurídicos, não há o que se analisar sobre o caso. Em termos sociais, por outro lado, a análise deve ser tão profunda que assusta.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Atualizado em 12 de janeiro de 2017 08:42

Enquanto ainda nos recuperávamos da comemoração do Ano Novo, a primeira notícia de 2017 com repercussão nas mídias sociais já cumpria seu papel de dividir opiniões e estimular comentários que vão desde o absurdo até uma reflexão bastante profunda.

Mas não nos bastava saber que um homem assassinou sua ex-mulher, seu filho, mais outras dez pessoas e depois se matou com um tiro na cabeça. Era preciso que posteriormente, tivéssemos acesso a uma carta e a alguns áudios deixados por este homem, que destilavam um misto de insanidade e ódio. E não é possível identificar qual dos dois adjetivos é mais marcante. Ou assustador.

A justificativa do atirador teria sido a perda da guarda do filho para a ex-mulher. A ex-mulher o teria denunciado por abuso sexual contra a criança. A criança teria dito, na escola, que quando crescesse mataria o pai. O pai teria matado a criança para que ela não sofresse nas mãos da mãe, e esta era a sua forma de amar a criança.

São muitas as informações. E nenhuma certeza. Foi vingança? Foi feminicídio?

No fundo, essas questões não serão respondidas. E nem precisam. De que adianta encontrar em qual artigo do Código Penal se enquadraria o atirador? Está morto. E morto não é julgado. Mas talvez possamos aprender algumas lições de todo esse ocorrido.

A primeira delas é a assustadora noção de que uma tragédia deste porte atualmente não basta por si só. Ela gera uma necessidade de se falar sobre. É como se fosse realmente necessário linká-la com os mais diversos temas. É preciso opinar. É preciso que cada um tenha o seu ponto de vista exposto.

Mas veja que ironia.

A imprensa apressou-se em publicar as palavras do assassino. Como já fez tantas vezes. "Inconformado com o fim do relacionamento." Foi assim que o definiram. E da leitura da tal carta, que não vale ter nenhuma de suas palavras reproduzidas, o que se enxerga é que esta pessoa, supostamente abalada pelo fim de um relacionamento, estava tão à vontade com a violência contra a mulher que sentiu a necessidade de demonstrar para toda a sociedade o seu poder, que, supostamente, foi, em algum momento, violado. Não houve nenhum vestígio de que ele procurava se esconder pelo fato de cometer um crime tão bárbaro. Pelo contrário: o que ele queria é que todos soubessem. É como se gritasse: "eu mando em tudo isso aqui".

E esse grito, que, novamente, não foi ouvido pela imprensa, tem sido ouvido por milhares de mulheres há tempos. O Brasil é o quinto país em morte de mulheres, dentro de em um ranking de 83 nações. Não é preciso pesquisa muito aprofundada para encontrar os casos deste tipo de violência que ganharam repercussão nacional. Imagine-se, então, quantos são os casos que não são divulgados pela mídia.

Os gritos de misoginia, machismo e ódio não têm mesmo sido ouvidos. São abafados pelo choro silencioso de quem paga com a vida. São abafados por expressões como "ela tirou ele do sério", "não se deve mexer com um homem", "estava tomado de forte emoção", "foi o ciúme", e etc.

Em termos jurídicos, não há o que se analisar sobre o caso. Em termos sociais, por outro lado, a análise deve ser tão profunda que assusta. E faz com que nós, especialmente nós mulheres, percamos mais um pouco da fé na humanidade.

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*Luciana Pimenta é coordenadora pedagógica no IOB Concursos, advogada e revisora textual.

IBTP - INSTITUTO BRASILEIRO DE TREINAMENTO PROGRAMADO S.A.

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