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Bloqueio minerário: instrumento de harmonização entre a mineração e outros empreendimentos/atividades

O bloqueio minerário é um instrumento extremamente útil para harmonizar a atividade minerária com outros interesses igualmente relevantes que possam ser prejudicados pelo seu desenvolvimento em determinada localidade.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Atualizado às 07:55

Pela sua própria natureza, a atividade de mineração causa uma série de impactos ao local onde é desenvolvida, tanto na fase de sua implantação como de operação. É o caso da alteração da cobertura vegetal, da mudança da paisagem, da geração de poeira e ruído, da vibração do terreno e muitos outros1. Tais impactos muitas vezes dificultam ou inviabilizam a utilização dessa mesma área - ou de áreas localizadas em suas proximidades - para outras atividades que já existiam quando da implementação do empreendimento minerário ou que pudessem ser desenvolvidas posteriormente.

Um exemplo comum desse tipo de conflito ocorre com atividades relacionadas à geração e transmissão de energia. Muitas vezes a construção de um empreendimento dessa natureza ocorre em locais onde já existem títulos minerários (autorização de pesquisa, concessão de lavra, etc.) outorgados ou em áreas livres nas quais esses poderiam ser concedidos no futuro. Contudo, a convivência pacífica entre geração/transmissão e mineração é comumente inviável. Basta pensar na situação em que uma barragem de usina hidrelétrica tenha que ser construída em local onde possa existir extração mineral com uso de explosivos. A instabilidade causada no terreno pode ser tamanha que inviabilize não só a implementação mas também a operação desse empreendimento. Outro exemplo de dificuldade dessa natureza se dá com a realização de escavações nas proximidades das bases de torres de transmissão, as quais podem afetar sua estabilidade.

Em regra, a legislação pátria estabelece que a prévia existência de atividades incompatíveis com a mineração em determinado local não impede a concessão de títulos minerários e o efetivo exercício de pesquisa e lavra. Por ser considerada como atividade de interesse nacional e pela sua rigidez locacional, a mineração deve prevalecer, ficando salvaguardados os direitos do superficiário, que eventualmente exercia outra atividade no local, de ser indenizado pelos prejuízos que sofrer com a implementação do empreendimento minerário e receber renda pela ocupação de sua área, conforme art. 27 do Código de Mineração. Além disso, este terá direito de participar no produto da lavra, nos termos do art. 176, §2º da CF.

Contudo, o Código de Mineração também estabelece que a regra de prevalência da mineração sobre outras atividades pode ser afastada para melhor atendimento ao interesse público em algumas hipóteses. O assunto é tratado no art. 42 deste estatuto legal, o qual tem a seguinte redação:

Art. 42. A autorização será recusada, se a lavra for considerada prejudicial ao bem público ou comprometer interesses que superem a utilidade da exploração industrial, a juízo do Governo. Neste último caso, o pesquisador terá direito de receber do Governo a indenização das despesas feitas com os trabalhos de pesquisa, uma vez que haja sido aprovado o Relatório.

Como se percebe, como exceção à regra geral, esse dispositivo abre para a União (Governo) a possibilidade de recusar "autorização" em duas hipóteses: i) quando a lavra for considerada prejudicial ao bem público e ii) se comprometer interesses que superem a utilidade da exploração industrial de determinada substância. Essa recusa em conceder títulos minerários em dada localidade vem sendo tradicionalmente chamada de bloqueio minerário ou bloqueio de área para mineração2.

A primeira hipótese de bloqueio, como se vê, ocorre quando a atividade de mineração for prejudicial ao bem público. Segundo Washington dos Santos, "entende-se como tal tudo aquilo que for de interesse do povo em geral, como, p. ex., a ordem"3. Trata-se de definição que se aproxima à de bem comum, expressão prevista no art. 5º4 da lei de introdução às normas do direito brasileiro e que, segundo a doutrina5, serve para designar interesses compartilhados pela coletividade. Assim, sempre que a lavra puder ofender tais interesses, o dispositivo em questão pode ser invocado para impedir a concessão do título necessário para sua realização6.

Outra possível leitura desse dispositivo seria considerar o conceito de bem público em sua acepção civilista, como categoria contraposta à dos bens privados. Segundo o art. 98 do CC, são públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno. Partindo-se dessa premissa, possíveis prejuízos a bens de uso comum do povo, dominicais ou de uso especial, que são espécies de bens públicos7, poderiam ensejar a aplicação do art. 42. Contudo, essa não parece ser a melhor interpretação do dispositivo, seja porque a referência ao bem público é feita no singular ("ao bem público"), indicando se tratar de algo único, seja porque esse entendimento poderia acarretar consequências que enfraqueceriam de forma desarrazoada o direito à obtenção de títulos minerários, permitindo o uso do bloqueio em situações corriqueiras e irrelevantes pelo só fato de que um dos inúmeros bens públicos pudesse ser atingido.

Um exemplo de caso em que o Departamento Nacional de Produção Mineral ("DNPM") invocou o art. 42 para bloquear requerimentos de direito minerário se deu no Polo Petroquímico de Camaçari, na Bahia. Em razão do risco de contaminação do aquífero São Sebastião, importante fonte de abastecimento de água para a população local, a autarquia impediu a outorga de títulos para aproveitamento de água mineral8. O objetivo do DNPM foi claramente proteger o bem público/bem comum.

A segunda hipótese de bloqueio minerário é mais ampla. Permite-se que o uso desse instrumento seja feito sempre que a atividade minerária comprometer interesses que superem a utilidade da exploração industrial de determinada substância. Veja-se que neste caso não há necessidade de ofensa ao bem público. O interesse afetado pode ser menor e ainda assim merecer a proteção do art. 42. O que se exige é tão-somente que este seja, a critério da União, mais relevante do que a utilidade de exploração de determinada substância no local.

Imagine-se, por exemplo, que determinada atividade industrial desenvolvida em uma área gere importantes empregos e renda para a população local, assim como recolhimento de tributos aos cofres públicos. Considere-se ainda que esse empreendimento seja financiado por bancos públicos, tais como o BNDES ou a Caixa Econômica Federal. Ainda que se trate de indústria privada, nada impede que a União, com fundamento no art. 42, avalie que o interesse em sua manutenção supera a utilidade da pesquisa e exploração industrial de determinada substância no local, especialmente se essa puder ser obtida em quantidade suficiente em outra localidade ou se for de baixo interesse econômico.

Com mais razão ainda se poderá utilizar o bloqueio para a proteção de atividades que, assim como a minerária, sejam legalmente classificadas como de utilidade pública, como se dá com a geração, transmissão ou mesmo distribuição de energia elétrica9. Isso porque tais atividades são absolutamente fundamentais para o desenvolvimento econômico e social do País, uma vez que tratam de um bem considerado essencial: a energia elétrica. Por isso mesmo, o próprio DNPM já adotou, com caráter vinculante, parecer de sua Procuradoria Jurídica Especializada que fixou regramento específico para tratar destes casos, estabelecendo os parâmetros a serem seguidos10.

Ainda em relação ao bloqueio minerário, um aspecto que merece ser destacado diz respeito à sua abrangência. Discute-se se este poderia alcançar apenas a concessão de lavra ou também impedir a própria autorização de pesquisa. De um lado, há quem11 sustente que somente a concessão de lavra poderia ser bloqueada, seja pela redação do artigo 42, que fala em lavra, seja porque ele está localizado topograficamente no Capítulo III do Código de Mineração, o qual versa sobre a lavra. Agrega-se a esses argumentos o fato de que apenas com a efetiva conclusão da pesquisa seria possível aferir com precisão o interesse a prevalecer no caso concreto, se o relativo ao exercício da atividade minerária ou outro qualquer.

De outro lado, é possível defender que a interpretação do dispositivo deva ser no sentido de impedir também a própria concessão de autorização para pesquisa mineral ou viabilizar sua revogação mesmo antes do término da pesquisa. Primeiro, porque o texto fala na possibilidade de se negar "autorização" e não concessão, sendo certo que o primeiro instituto é utilizado pelo Código Minerário apenas para se referir à pesquisa mineral, reservando-se a concessão para a lavra. Segundo, porque a mera realização de pesquisa pode resultar em ofensa ao interesse que esteja em jogo, especialmente quando envolver extração mediante guia de utilização12. Terceiro, porque a não concessão da lavra após efetiva realização de pesquisa pode acarretar dever de indenização para a União se o relatório for aprovado, nos termos do art. 42, parte final. Além disso, vale destacar que o próprio Código reconhece que a pesquisa não precisa ter sido finalizada para que o bloqueio ocorra, tanto é assim que estabelece que apenas nos casos em que o relatório de pesquisa tiver sido aprovado haverá indenização. Logo, a contrário senso, admite que o bloqueio também ocorra quando nem mesmo haja relatório concluído.

No Parecer PROGE 500/08-FMM-LBTL-MP-SDM-JA, aprovado com força vinculante, a Procuradoria Jurídica do DNPM encampou essa segunda posição sustentando que "a interpretação a ser dada ao art. 42 deve ser, nesse aspecto, extensiva, de modo a abarcar o indeferimento de outros requerimentos e a revogação de títulos minerários menos robustos, como permissões de lavra garimpeira, autorizações de pesquisa, dentre outros". Esse entendimento também foi aplicado no bloqueio realizado pelo DNPM no Polo de Camaçari, a que nos referimos anteriormente, situação em que foram bloqueados quaisquer "novos requerimentos de direito minerário que objetivem o aproveitamento de água mineral ou potável".

Caso o bloqueio se dê após a concessão de alvará de pesquisa, é possível que o titular deste direito minerário já tenha realizado despesas com os trabalhos necessários à definição da jazida, sua avaliação e a determinação da exequibilidade do seu aproveitamento econômico. Para evitar que este seja prejudicado por confiar em título recebido da União que autorizava a realização dos trabalhos, o art. 42 estabelece que, estando o relatório de pesquisa aprovado, este deverá ser indenizado pelas despesas realizadas. Como pondera William Freire, essa indenização deve ser a "mais abrangente possível e englobar todos os custos diretos e indiretos com a pesquisa mineral, desde a fase de preparação do requerimento de pesquisa"13.

A realização do bloqueio pode se dar de ofício ou mediante provocação do interessado, o que tende a ser mais comum. Ainda que não haja regramento específico, a realização de pedido desse tipo tem fundamento no direito de petição, assegurado pela CF (art. 5º, XXXIV, a), e no art. 5º da lei Federal 9.784/99, que dá aos interessados o direito de instaurar processos administrativos em âmbito federal. Esse pedido deve ser instruído com todos os documentos necessários para demonstrar a legitimidade do requerente e o efetivo enquadramento de sua situação em uma das hipóteses de incidência previstas no art. 42 do Código de Mineração.

Como se percebe, apesar de pouco conhecido, o bloqueio minerário é um instrumento extremamente útil para harmonizar a atividade minerária, cuja relevância para a Sociedade é inquestionável, com outros interesses igualmente relevantes que possam ser prejudicados pelo seu desenvolvimento em determinada localidade. Por isso mesmo, apesar do escasso detalhamento normativo, tem se tornado cada vez mais comum o seu uso para viabilizar ou salvaguardar empreendimentos, novos ou já em operação, de futuras outorgas de autorizações de pesquisa ou concessões de lavra e do exercício das atividades por eles facultadas (pesquisa mineral e lavra). Estando presentes os requisitos previstos no art. 42, cabe a cada empreendedor avaliar, caso a caso, a conveniência de pleitear sua realização, o que também pode ser feito de ofício pela União.

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1. Impactos ambientais provocados pela exploração mineral. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 13 de jan. 2017.

2. DIAS, Maria Tereza Fonseca. Extinção e bloqueio de concessão minerária em caso de conflito de interesses: a situação atual e a alteração proposta no novo Código Minerário. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 12 de jan. 2017.

3. DOS SANTOS, Washington. Dicionário jurídico brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p.44.

4. Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

5. SOUZA, Carlos Aurélio Mota. Bem comum, bem de todos. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 13 de jan. 2017.

6. Nesse sentido é o posicionamento de Lauro Lacerda Rocha: "a primeira hipótese é de proteção ao bem-estar da coletividade: quando incidir a exploração sobre vias públicas, sobre trechos de estradas de ferro ou de rodagem, sobre mananciais de água potável, logradouros públicos, cursos de rios navegáveis ou flutuáveis, zonas de reserva nacional (art. 54). Áreas compreendidas em Monumentos ou Parques Nacionais, áreas de reserva indígena, salvo se nestas últimas houver assentimento do órgão ou autoridade competente" (grifamos). (ROCHA, Lauro Lacerda. Comentários ao Código de Mineração do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1983.p. 365).

7. Art. 99. São bens públicos: I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias; III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades. Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.

8. O bloqueio foi realizado por meio da Portaria DNPM no 391, de 22 de outubro de 2009. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 12 jan. 2017. Um dos considerandos deste ato administrativo deixa clara a busca de proteção do bem comum.

9. Art. 3o, VII, b, da lei 12.651/12; art. 5º, f, do Decreto-lei no 3.365/41; art. 10, da lei 9.074/95.

10. Parecer PROGE nº 500/2008-FMM-LBTL-MP-SDM-JA. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 12 de jan. 2017.

11. FREIRE, William. Comentários ao Código de Mineração. 2.ed. Rio de Janeiro: Aide, 1996.p.112

12. Art. 22(...) § 2º. É admitida, em caráter excepcional, a extração de substâncias minerais em área titulada, antes da outorga da concessão de lavra, mediante prévia autorização do DNPM, observada a legislação ambiental pertinente.

13. FREIRE, William. Comentários ao Código de Mineração. 2.ed. Rio de Janeiro: Aide, 1996.p.109.

 

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DIAS, Maria Tereza Fonseca. Extinção e bloqueio de concessão minerária em caso de conflito de interesses: a situação atual e a alteração proposta no novo Código Minerário. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 12 de jan. 2017.

FEIGELSON, Bruno. Curso de Direito Minerário. 2.ed. Saraiva: São Paulo, 2014.

FREIRE, William. Comentários ao Código de Mineração. 2.ed. Rio de Janeiro: Aide, 1996.

FREIRE, William. Código de Mineração Anotado. 3.ed. Mandamentos: Belo Horizonte, 2003.

RIBEIRO, Carlos Luiz. Direito Minerário: escrito e aplicado. Del Rey: Belo Horizonte, 2006.

Impactos ambientais provocados pela exploração mineral. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 13 de jan.2017.

SANTOS, Washington dos. Dicionário jurídico brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

ROCHA, Lauro Lacerda. Comentários ao Código de Mineração do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1983.

SOUZA, Carlos Aurélio Mota. Bem comum, bem de todos. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 13 de jan. 2017.

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*João Emmanuel Cordeiro Lima é sócio do escritório Nascimento e Mourão Advogados e professor palestrante da FGV Direito/SP.

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