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Das decisões judiciais e da emblemática expressão "decisão interlocutória" do processo civil brasileiro

Em vários anos como professor universitário e em cursos preparatórios para OAB e concursos públicos tenho observado alguma dificuldade de alunos e mesmo de leigos na compreensão da expressão decisão interlocutória - esse meio termo entre a sentença e o despacho de mero expediente.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Atualizado às 10:03

Em vários anos como professor universitário e em cursos preparatórios para OAB e concursos públicos tenho observado alguma dificuldade de alunos e mesmo de leigos na compreensão da expressão decisão interlocutória - esse meio termo entre a sentença e o despacho de mero expediente.

Como sabido, desde há muito, se tem considerado como função primordial do Poder Judicial o exercício do jurisdicere, ou função jurisdicional (atividade de dizer o direito e impor uma decisão), de sorte tal que, quando alguém cogita de que uma decisão interlocutória foi lançada logo pensa, ou ao menos fica com a impressão de que seria um termo técnico próprio do julgamento da causa.

Não é tão simples assim. Autores como José Eduardo Faria já há algum tempo se referem a um certo misticismo do direito (função onírica do direito) que conferiria uma certa aura de respeitabilidade ao ordenamento jurídico e aos órgãos judiciais (nosso modo de falar termos técnicos, nossa linguagem que por vezes parece usar cartola e polainas, nosso modo de se vestir que instiga no imaginário popular um mundo totalmente diferente daquele que efetivamente vivenciamos na práxis judicial - Luiz Alberto Warat nos refere mesmo a um senso comum teórico dos operadores do direito em alusão ao modo como nós, operadores do direito, pensamos).

Isso explicaria porque uma decisão interlocutória não seria uma decisão do processo, apesar do nome decisão, pequena introdução que faço aos leigos que me derem a honra da leitura dessas linhas.

Em termos mais técnicos, em primeiro lugar há que se acabar com um mito : nem todo ato judicial é uma decisão - existem atos reais (materiais) como por exemplo, a pergunta de um juiz a uma testemunha ou o estabelecimento de quesitos em uma decisão (esses são atos instrutórios que nada decidem, mas não são decisões judiciais).

Portanto, ato judicial é gênero (que além dos atos instrutórios comporta os atos de certificação como o juiz ditar a ata de audiência), do qual decisão é uma simples espécie (os assim chamados provimentos judiciais).

Dentro das decisões judiciais (provimentos) há três espécies principais, as sentenças, as decisões interlocutórias e os despachos de mero expediente. Melhor começar pelos extremos (sentença e despacho) para que se possa compreender o meio-termo (decisão interlocutória).

Antes era fácil dizer que sentença seria o ato em que o juiz punha fim ao processo (realmente, antes da alteração de 2.005 ao CPC/73 - lei 11.232/05, a sentença encerrava a prestação da atividade jurisdicional de primeiro grau e quando os autos tornavam do Tribunal se iniciava outro processo - o de execução de título judicial - que ainda existe - tema a ser abordado em outro artigo - eis que ainda existem títulos executivos judiciais que não tiveram processo anterior no juízo cível - por exemplo sentença penal condenatória), mas com o cumprimento de sentença sendo fase do processo de conhecimento (teoria de Schlosser) em era de processo sincrético, não ficou fácil decidir o que seria sentença (o processo não mais se encerra com a sentença).

De um modo fácil sentença pode ser apontada como decisão lançada com fundamento nos artigos 485, 487 e seus consectários CPC (mas há decisões interlocutórias de mérito, portanto não sentenças, que podem, por exemplo, reconhecer prescrição de parte do pedido ou julgar pedido incontroverso parcialmente com resolução do mérito e fundamento no artigo 487 CPC - constatação que impede que sentenças sejam definidas de modo tão simplista), por isso tem sido mais correto definir sentença como ato que põe fim à fase de acertamento da relação jurídica processual (encerramento e ápice da fase decisória do procedimento).

O despacho, por sua vez, tem forma, mas não conteúdo de decisão (nada decide, somente faz o processo andar, como por exemplo, para assegurar o cumprimento do contraditório, manda uma parte falar sobre o documento juntado pela outra). Por não ter conteúdo decisório, geralmente se assevera que o mesmo não comporta recurso (mito - o STF admite embargos de declaração em face de despachos tumultuários, mesmo contra a letra expressa da lei - o princípio da motivação com base superior preponderaria sobre a lei que nega o recurso - Min. Marco Aurélio), nem tampouco precisaria ser fundamentado.

Separados os dois extremos, ou seja, sentença e despacho, o que resta, no universo das decisões judiciais (provimentos) é a decisão interlocutória - decisão em que se resolve uma questão (controvérsia) mas sem pôr fim à fase de acertamento da relação jurídica processual (por exemplo, quando se resolve uma questão incidental a respeito do valor da causa ou se prolata decisão a respeito de tutela provisória).

Antes todas eram agraváveis, agora a questão se toma em sistema de numerus clausus - somente cabe agravo nas hipóteses do artigo 1.015 CPC (nos demais casos ocorre o que se chama preclusão elástica - ou seja, não se verifica preclusão enquanto não for interposto o recurso de apelação (espécie recursal cabível em face de sentenças), eis que, o que não objeto de agravo típico, pode vir a ser questionado como preliminar desta apelação pelo sistema do NCPC.

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*Júlio César Ballerini Silva é magistrado, professor e coordenador nacional da pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil da ESD/Proordem.

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