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A verdade sobre as imunidades das filantrópicas

Ives Gandra da Silva Martins e Fátima Fernandes Rodrigues de Souza

É de se lamentar que para defender o seu projeto, o deputado distorça a verdade dos fatos.

sexta-feira, 10 de março de 2017

Atualizado em 8 de março de 2017 17:35

O deputado Arthur Oliveira Maia, relator da reforma da Previdência declarou que pretende incluir, em seu parecer, o fim das desonerações das contribuições sociais auferidas pelas instituições "filantrópicas", que classifica como "um escárnio e uma aberração", afirmando que deverão neste ano "custar R$ 12945 bi" aos cofres do INSS.

É importante ressaltar que tais desonerações encontram-se previstas na Constituição de 1988, nos arts. 150, VI, "c" e art. 195, § 7° e são destinadas às entidades sem fins lucrativos que se dediquem à educação, saúde e assistência social, a fim de estimular a iniciativa privada a colaborar com o Estado em áreas essenciais para as comunidades carentes, como forma de contraprestação por fazerem aquilo que o Estado deveria fazer e que não faz, quer pela insuficiência de recursos, quer pelo assalto aos cofres públicos, de que cotidianamente temos notícias.

Tratando-se, portanto de desonerações constitucionais, que, nos termos da Lei Maior, representam limitações ao poder de tributar (o Estado não pode tributar), o não pagamento dessas contribuições por tais entidades não representa "renúncia fiscal", simplesmente porque não é possível ao Estado renunciar aquilo que não tem.

Os serviços prestados por tais entidades à coletividade carente são inestimáveis, bastando levar em conta que, na área da saúde, o SUS não reajusta os preços dos procedimentos há 10 anos, obrigando as entidades beneficentes de assistência social a subsidiá-los com recursos próprios para que o atendimento à população não seja interrompido. Na área da educação, o mesmo ocorre, pois, mediante o sistema de concessão de bolsas de estudos integrais e parciais, as instituições privadas sem finalidades lucrativas superam e muito os programas oficiais que, reiteradamente, descumprem contratos e interrompem os benefícios. Tanto é assim que, um trabalho técnico desenvolvido ao longo de 13 meses pelo FONIF - Fórum Nacional das Instituições Filantrópicas registra em pormenores o relevante papel das entidades do terceiro setor em suprir as conhecidas dificuldades do Estado no cumprimento de suas obrigações para com a saúde, educação e assistência social. O estudo revela, por exemplo, o alarmante fato de que, em quase 1.000 municípios brasileiros, o único hospital existente é o filantrópico.

Toda essa prestação de serviços "custa" para o Estado 2,7% do total da arrecadação da previdência social. Para R$ 100,00 de desoneração (imunidade), as "filantrópicas" de saúde beneficiaram a sociedade em mais de R$ 635,00; no setor de assistência social, a cada R$ 100,00 que a entidade deixou de recolher, dispendeu em favor da coletividade mais de R$ 473,00 no desempenho de atividades caritativas; na educação, para cada R$ 100,00 de isenção, as entidades desembolsaram R$ 286,00. Vale dizer, a contrapartida de cada um dos setores desonerados em prol da coletividade corresponde a 3,65 vezes mais do que o valor que recolheriam ao Erário, se não fossem as imunidades constitucionais.

Não obstante isso, como o Poder Público está sempre mais interessado em obter receita - mesmo que indevidamente - do que em respeitar a Constituição e atender ao interesse público, vem, ao longo do tempo, editando leis ordinárias e atos administrativos "instituindo" requisitos para ao gozo da imunidade, deixando de expedir os certificados previstos nessa legislação ordinária, tudo com o fito de impedir o gozo da desoneração tributária a que fazem jus. Olvidando que, nos termos da Constituição (art. 146), somente a lei complementar pode estabelecer condições para tal desoneração, e que esses requisitos já estão estabelecidos no art. 14 do Código Tributário Nacional, o Poder Público vem autuando as entidades por falta de recolhimento daquilo que, constitucionalmente, não estão obrigadas a recolher.

Para atalhar esse abusivo procedimento, manifestamente divorciado do interesse público, da lei e da moralidade, a Confederação Nacional da Saúde ajuizou 3 ações diretas de inconstitucionalidade perante o STF, pleiteando o reconhecimento da inconstitucionalidade dessa legislação ordinária. Até porque as imunidades, a teor do art. 146, II da CF, só podem ser reguladas por lei complementar, sendo o art. 14 do Código Tributário Nacional o dispositivo apto a definir os requisitos que devem ser seguidos pelas instituições para gozarem do benefício constitucional.

Após 18 anos de tramitação dessas ações, no último dia 23 de fevereiro, foi, afinal, concluído o julgamento, tendo o Supremo Tribunal Federal, ao apreciá-las juntamente com o RE 566.622 sob o regime de repercussão geral, reconhecido, por unanimidade, que somente a lei complementar pode regular as imunidades constitucionais, e declarando, por maioria, a inconstitucionalidade da lei 9.732/98 na parte em que alterou a redação do art. 55, III e lhe acrescentou os parágrafos 3º, 4º, 5º; da lei 9.732/98, arts. 4º, 5°, 7º; da lei 8212/91, art. 55, inciso II, na redação da lei 9.429/96; da lei 8.742/93, art. 18, III e IV; do decreto 2.536/98, art. 2º, IV e art. 3º, VI, §§ 1º e 4º e único e do decreto 7.752/91, arts. 1º, IV, art. 2º, IV, §§ 3º, 4º e 7º.

Ao exarar o seu voto no RE 566.622, o ministro Teori aventou a possibilidade de, embora reconhecendo a inconstitucionalidade da legislação ordinária, manter sua validade por 24 meses, até que o Congresso editasse nova lei complementar. Porém, Sua Excelência restou vencido, até porque a atribuição de "efeitos prospectivos" em ação em que se reconhece a inconstitucionalidade de lei não é acatada pela jurisprudência da Corte.

Finalmente, é de se lamentar que para defender o seu projeto, o deputado distorça a verdade dos fatos, como voltou a fazer, em entrevista no Jornal da Manhã da Rádio Jovem Pan, acusando instituições de educação prestigiadas em São Paulo de não pagarem as contribuições previdenciárias patronais, como se estivessem descumprindo a lei, sem esclarecer que não pagam porque são desoneradas pela Constituição.

Estamos, todos os brasileiros, sedentos para que este país seja passado a limpo, proscrevendo-se as mentiras e a corrupção. Porém, para tanto, não basta que a Lava Jato e o Judiciário apontem os corruptos, punindo-os exemplarmente. É indispensável que o Poder Público passe a agir com ética, com respeito à Constituição que no seu art. 37 exige de todos os agentes públicos obediência ao princípio da moralidade.

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*Ives Gandra da Silva Martins, da banca Advocacia Gandra Martins, é é professor emérito das Universidades Mackenzie, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, do CIEE/O ESTADO DE SÃO PAULO, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército - ECEME, Superior de Guerra - ESG e da Magistratura do TRF - 1ª Região; Professor Honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia); Doutor Honoris Causa das Universidades de Craiova (Romênia) e da PUC-Paraná, e Catedrático da Universidade do Minho (Portugal); Presidente do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO - SP; Fundador e Presidente Honorário do Centro de Extensão Universitária - CEU/Instituto Internacional de Ciências Sociais - IICS.

*Fátima Fernandes Rodrigues de Souza é advogada em SP e professora do Centro de Extensão Universitária - Escola de Direito.

Advocacia Gandra Martins

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