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A punição dos pobres

Projeto de lei visava proibir mendigos ou moradores de rua de pedirem esmola e artistas de exibirem suas artes, nos semáforos da cidade.

sexta-feira, 28 de abril de 2017

Atualizado às 07:44

Já constitui estudo sociológico a tendência firmada na Europa, no final do século passado, e vinte  anos antes nos Estados Unidos, a gestão do combate à violência,  cuja tendência é a da criminalização e punição dos pobres,  politica pública que multiplicou a população carcerária, não só dos Estados Unidos. Conta-se nessa gestão contra a violência a necessidade do espetáculo para cada ação policial, o que constitui o novo ritual da sociedade de consumo, como querendo dizer agora, que, amanhã, ela será melhor, graças a policia e seus parceiros da lei.

O estudo enraíza-se no chamado neoliberalismo, que festeja o Estado mínimo, a revogação de benefícios sociais, a precarização das relações do trabalho, austeridade fiscal, o mercado desregulamentado, pai da crise financeira que abalou o mundo em 2008, e cujos efeitos são sentidos gravemente, até hoje.

Nessa vertente de pensamento é que se colocou, inadvertidamente, o projeto de lei, que entrou na pauta da Câmara Municipal de Ribeirão Preto, mas que foi retirado, após forte pressão da Comissão anti - discriminação e Direitos Humanos, da 12ª. Subseção da OAB de Ribeirão Preto e região.

O tal projeto visava, em síntese, proibir mendigos ou moradores de rua  de pedirem esmola e artistas de exibirem suas artes, nos semáforos da cidade.

Os textos, que serviram à oposição ao projeto, são do brilhante advogado Eduardo Silveira Martins, que sinteticamente apontam as violações jurídicas e os efeitos sociais perversos  de tal projeto, com os precedentes dos Tribunais, que já tinham declarado a  inconstitucionalidade de projetos iguais, da cidade de Franca e Campinas.

Não é pelo acontecido agora, mas a Câmara de Ribeirão Preto  já foi considerada em Acórdãos do Tribunal de Justiça de São Paulo, durante um bom tempo, a "fabricante" recordista de leis inconstitucionais.

Não fora só por isso, a Comissão de Constituição e Justiça, que se manifesta obrigatoriamente na tramitação de qualquer projeto, deveria ter rejeitado, liminarmente, o prosseguimento de tal matéria, tal a intensidade de sua afronta à lei fundamental do país, que é nossa Constituição, como ao nosso Código Civil, que estabelece que os logradouros públicos, que constituem áreas de uso comum do povo, todos possam usá-las sem restrições, dispensando-se para isso qualquer permissão especial.

Essa obviedade jurídico-social, quando não a eficaz fiscalização da advocacia militante, deve servir de alerta aos agentes políticos, para que compreendam adequadamente o juramento que juram, quando assumem as respectivas cadeiras de representantes do povo.

É verdade que, uma vez, ouviu-se que as leis inconstitucionais eram importantes porque queriam que fosse mudada a Constituição, mas tal justificativa se não se enquadra no humor politico, se qualifica com rematada ignorância.

No esforço que a nova Câmara tem feito para se firmar no conceito e no apreço popular, espera-se que tal precedente, longe de aumentar preconceito, será uma alavanca de esforço de compreensão e clareza em  e  para cada ato e projeto parlamentar.

E  quanto à vertente nascida do neoliberalismo, seu registro serve para que  resistamos a tentação para revogarmos, em nossa vida diária e em nosso contexto social,  a prática teimosa da tolerância e da solidariedade social.

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*Feres Sabino é advogado.

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