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A greve de 1917

A greve de 1917, encerrada no dia 17 de julho, deve ser rememorada como capítulo heroico da luta do nascente operariado paulista contra o capitalismo selvagem.

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Atualizado em 20 de julho de 2017 08:27

Passou despercebido o centenário da greve paulista de 1917, deflagrada por trabalhadores têxteis. O movimento teve início no dia 10 de junho na indústria de tecidos Rodolfo Crespi, localizada no bairro do Brás. Os operários reivindicavam aumento salarial de 25%. O proprietário recusa-se a entrar em negociações, ameaça os grevistas de demissão e afirma que fechará a fábrica.

Em poucas horas a paralisação ganha o apoio dos empregados de outras indústrias do bairro. Os empresários acreditam na derrota do movimento pelo cansaço e fome, e pedem o auxílio da polícia. A Força Pública intervém e passa a efetuar prisões de homens e mulheres. No final do mês o movimento paredista havia se espalhado pelo interior do Estado. A direção da Votorantin, em Sorocaba, dispensa alguns operários, provocando intensa agitação em todas as seções da fábrica.

A greve permanece firme e avança pelo mês de julho. Everardo Dias (1886-1966), anarco-sindicalista espanhol imigrara criança para o Brasil, acompanhando o pai Antonio Dias, professor e maçon, envolvido em fracassado levante republicano. Aos 13 anos começa a trabalhar como tipógrafo no jornal "O Estado de S. Paulo", onde permanece até concluir os estudos de professor. Autor do clássico História das Lutas Sociais no Brasil, editado em 1962, como uma das lideranças do movimento, assim descreveu a greve: "8 e 9 de julho - Densas demonstrações operárias no Brás e Mooca. Os estabelecimentos fabris vão paralisando o trabalho e os operários aderem imediatamente à massa que está na porta. Algumas fábricas onde se verifica que há operários trabalhando são apupadas e apedrejadas. A polícia, que guarnece as portas das fábricas, coloca-se, à ordem do delegado que patrulha, em posição de atirar, mas ninguém se intimida. Já não são alguns milhares, mas dezenas de milhares de grevistas que tomam conta das ruas. Na fábrica Mariângela, à Rua Flórida, a cavalaria carrega sobre a multidão, enquanto os agentes da polícia, à ordem do delegado, descarregam suas armas sobre os grevistas. Cai ferido mortalmente um jovem operário Antonio I. Martinez, enquanto muitos outros estão também machucados. Efetuam-se prisões em massa" (pág. 293).

O enterro de Antonio Martinez, falecido no dia 11, é realizado no dia 12. O féretro sai às 8 horas da Rua Caetano Pinto para o cemitério do Araçá. Escreve Everardo Dias: "Desde muito antes, a Rua fica intransitável pela massa popular que se aglomera e se espalha pela Avenida Rangel Pestana. Há também grande aparato de força militar: um batalhão forma na calçada fronteira de baioneta calada".

O espírito libertário, que dava vida ao sindicalismo nas duas primeiras décadas do século XX, foi estrangulado pela Carta Constitucional de 1937, outorgada por Getúlio Vargas, e sepultado em 1943 pelos autores da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que encontraram na Carta Del Lavoro, de Benito Mussolini, a inspiração que buscavam para submeter a estrutura sindical ao controle do governo.

A redemocratização em 1946, e o restabelecimento das liberdades democráticas em 1988, não foram suficientes para proporcionar o direito à autonomia de organização às classes trabalhadoras e patronais. O art. 8º da Constituição conserva os sindicatos sob o controle do Ministério do Trabalho, mantém a divisão de empregados e patrões em categorias, garante o monopólio de representação, preserva a Contribuição Sindical, que deixará de ser compulsória.

Os estudiosos da matéria advertem sobre a possibilidade do desaparecimento das organizações sindicais como instrumentos de luta. Diversos fatores atuariam nesse sentido: a) a incapacidade de formularem propostas convincentes de combate ao desemprego; b) o desaparecimento dos antagonismos de classes; c) a legislação trabalhista; d) a politização das organizações; g) o desencanto dos jovens.

A greve de 1917, encerrada no dia 17 de julho, mediante acordo negociado com o governo e os empresários pelos jornalistas Nestor Pestana, Amadeu Amaral, Paulo Mazzoldi, João Castaldi, Valdomiro Fleury, J.M. Lisboa Júnior, Umberto Serpieri, Valente de Andrade, João Silveira Junior, deve ser rememorada como capítulo heroico da luta do nascente operariado paulista contra o capitalismo selvagem.

O sindicalismo do século XXI dá demonstrações de perda do conteúdo ideológico, para se tornar fisiológico, alimentado por ambições pessoais alheias aos problemas das classes trabalhadoras.

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*Almir Pazzianotto Pinto é advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do TST.

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