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A inaplicabilidade da súmula 517, do STJ, nas condenações de pequeno valor à Fazenda Pública

A edição da súmula 517 não implica alteração da jurisprudência consolidada no sentido de que são devidos honorários advocatícios, pela Fazenda, com o simples o início do cumprimento de sentença pelo credor.

segunda-feira, 24 de julho de 2017

Atualizado às 09:03

Os honorários advocatícios devidos pelo Fazenda Pública, como sabido, obedecem a uma sistemática própria e disposta no artigo 1-D, da lei 9.494/97, com a redação dada pela Medida Provisória 2.180-35/01. Assim, em fase de cumprimento de sentença (ou execução, se se tratar de uma obrigação de quantia certa), somente quando houver embargos é que será devida nova verba advocatícia.

Em que pese a aparente inconstitucionalidade da diferença no tratamento entre o particular e o Poder Público, o Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou pela constitucionalidade do supracitado dispositivo. Uma vez que a própria Constituição Federal (CF), em seu artigo 100, dispõe que as dívidas públicas serão pagas por meio de precatórios e na ordem de sua apresentação, o cumprimento de sentença é fase indispensável para o credor ver sua dívida satisfeita.

Logo, não podendo a Fazenda Pública espontânea e voluntariamente inscrever em precatório o montante que entende ser devido, o vencedor deve apresentar os cálculos do seu crédito, o que ocorre por meio do cumprimento de sentença. Por isso não se discute o arbitramento de honorários advocatícios quando não houver embargos, pois a execução consiste em um ato prévio e necessário ao recebimento do crédito em face do Estado.

Contudo, nas obrigações definidas por lei como de pequeno valor, o pagamento não é feito por precatório (artigo 100, § 3, CF). Apenas para esclarecer, isso significa dizer que o credor não precisa praticar nenhum ato para receber seu crédito, pois não há a necessidade de inscrevê-lo em uma ordem cronológica de pagamentos.

Nesse viés, o STF, em sede de julgamento de Recurso Extraordinário (RE 420.816), entendeu que, sendo necessário o início do cumprimento de sentença nas condenações de pequeno valor, haja ou não impugnação, incidem honorários advocatícios. Ora, a verba sucumbencial tem seu fundamento no princípio da causalidade: a parte que dá causa ao processo deve arcar com as despesas dele decorrentes.

Se não há o pagamento voluntário, o vencedor terá de praticar atos que seriam desnecessários se já tivesse havido o adimplemento, motivo pelo qual o advogado faz jus a novos honorários nessa fase satisfativa. Dessa maneira, se a parte dá causa ao trabalho do advogado, deve remunerar pelo trabalho desse profissional.

Nos tribunais superiores, então, é pacífica a jurisprudência: nas obrigações de pequeno valor impostas à Fazenda Pública, apenas o pagamento espontâneo, por meio de Requisição de Pequeno Valor (RPV), obsta a condenação em honorários advocatícios (EREsp 676.719-SC, AgRg no REsp 682.828-SC, AgRg no REsp 1.572.722-RS, REsp 1.605.876-RS, entre outros). Vale dizer: somente não há honorários na chamada "execução invertida".

Esse instituto, que teve origem no Rio Grande do Sul, consiste na antecipação do Estado a qualquer ato do credor no intuito de receber o valor a que tem direito. Assim, intimada do trânsito em julgado da decisão judicial, a Fazenda apresenta os cálculos do montante da condenação e, em sendo aceitos pela parte vencedora, há a expedição do RPV. Para ser claro, execução invertida é o pagamento espontâneo que a Fazenda Pública realiza quando a condenação lhe é definitiva, motivo pelo qual não há a necessidade da propositura da execução para a satisfação do crédito.

Porém, no início de 2015, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) editou a súmula 517, que acabou por criar certa confusão nessa matéria já pacificada. O enunciado dispõe que "são devidos honorários advocatícios no cumprimento de sentença, haja ou não impugnação, depois de escoado o prazo para pagamento voluntário, que se inicia após a intimação do advogado da parte executada". Assim, em um primeiro momento, nas obrigações de pequeno valor também deveria haver o escoamento do prazo para pagamento voluntário, na fase satisfativa, antes de nova condenação em honorários.

Essa discussão do cabimento de honorários no cumprimento de sentença teve início juntamente com o processo sincrético, introduzido pela lei 11.232/05. Não sendo mais necessária uma verdadeira nova ação, passou-se a questionar se seriam devidos novos honorários ou se os fixados ao final do processo cognitivo (que passou a ser uma mera fase) já remunerariam eventual trabalho do advogado na satisfação do direito de seu cliente.

A jurisprudência e a doutrina, acertadamente, a nosso ver, entenderam que não; os honorários advocatícios estão restritos à fase cognitiva do processo. Os advogados, salvo raras exceções e honrosas circunstâncias, não trabalham apenas por prazer e tiram seu sustento dos atos que praticam, em juízo ou fora dele, na defesa dos interesses do cliente.

Dessa maneira, a fase satisfativa não está remunerada pelos honorários arbitrados em sentença porquanto ela somente vai ocorrer no caso de mora do vencido. Em sendo assim, o devedor não pode ter o benefício de não arcar com as despesas desse cumprimento de sentença.

Ao analisarmos o Recurso Especial (REsp) 1.134.186-RS, de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão e a partir do qual foi criada a tese consubstanciada na supracitada súmula 517, concluímos pela sua inaplicabilidade à Fazenda Pública nas condenações tidas como de pequeno valor. Primeiro, é de se ressaltar que a ela está fundada no artigo 475-J, do Código de Processo Civil (CPC) de 1973 (corresponde ao artigo 523, do CPC de 2015).

Ou seja, trata-se de um dispositivo que, por si só, já não pode ser aplicado ao Estado. A execução por quantia certa em face da Fazenda tinha e ainda tem norma específica, prevista no artigo 730, do CPC de 1973 (corresponde ao artigo 534, do CPC em vigência). Logo, se uma súmula está firmada em um artigo que não se aplica à Fazenda, por conseguinte, também não se pode defender que o enunciado seja aplicável à ela.

Depois, é sabido que um enunciado apenas e tão somente consiste em uma tentativa de uniformizar entendimentos já pacíficos em um tribunal. Assim sendo, a edição da súmula 517 não implica alteração da jurisprudência consolidada no sentido de que são devidos honorários advocatícios, pela Fazenda, com o simples o início do cumprimento de sentença pelo credor.

Ora, de maneira alguma há que se falar que, de um momento para outro, os tribunais vão mudar de entendimento apenas e tão somente porque foi aprovada essa ou aquela súmula. Por esse motivo, é essencial que se compreenda o contexto, a fundamentação e o julgamento que deram origem a uma tese consubstanciada por um enunciado.

Por tudo isso, a súmula 517, do STJ, não é aplicável à Fazenda Pública naquelas condenações em obrigações de pequeno valor, pois está fundada em artigo processual que se refere apenas às execuções contra o particular e, também, porque significaria esvaziar toda a jurisprudência dos tribunais superiores no sentido de que o mero início do cumprimento de sentença, nesses casos, implica o arbitramento de nova verba advocatícia sucumbencial.

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*Bernardo Cordeiro Kaufmann é graduado em Direito pela Faculdade Milton Campos e assistente na segunda câmara cível do TJMG.

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