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O cartório, o papel na vida do cidadão

O carimbo, o edital, a certidão, o reconhecimento de firma, a autenticação de documento, os cartórios, o processo judicial e a montanha de papelório exigida para movimentação do homem em qualquer atividade servem de escudo para o trânsito livre da propina, da corrupção, da incompetência e da insegurança.

sexta-feira, 11 de agosto de 2006

Atualizado em 20 de junho de 2006 15:04

 

O cartório, o papel na vida do cidadão

 

Antonio Pessoa Cardoso*

 

O carimbo, o edital, a certidão, o reconhecimento de firma, a autenticação de documento, os cartórios, o processo judicial e a montanha de papelório exigida para movimentação do homem em qualquer atividade servem de escudo para o trânsito livre da propina, da corrupção, da incompetência e da insegurança. Todos os elementos anotados acima são necessários, mas perde sentido quando sua exigência se torna exagerada. Aliás, na era da informação, o critério para avaliar o progresso do serviço público situa-se exatamente no uso da informática, recurso apto para diminuir a burocracia, que aprofunda a desigualdade e fere a dignidade do homem. A cidadania reclama dinamização, racionalização, simplificação, segurança, honestidade e competência na administração da coisa pública.

 

O processo burocrático, o papel continua a perturbar o sossego do dia-a-dia do cidadão. Senão vejamos:

 

A existência civil prova-se através da certidão de nascimento; a certidão de óbito comprova a morte; a certidão de casamento exibe novo estado da pessoa; o título de eleitor confere ao portador o direito de votar; a carteira de identidade individua o cidadão; a carteira profissional identifica o trabalhador. 

 

Para viajar para fora do país o cidadão tem de obter o passaporte; o Certificado de Alistamento Militar gera o Certificado de Dispensa de Incorporação ou o Certificado de Reservista que  comprova cumprimento da obrigação militar.

 

Para ser atendido nos hospitais reclama-se identificação, obtida junto ao INSS ou ao plano de saúde público ou particular; para mostrar a vacinação contra esta ou aquela moléstia é fornecido o Cartão Vacinal.

 

Para o exercício de atividade comercial necessária a exibição do cartão de Identificação do Contribuinte, CPF, além de outros documentos. O cidadão guarda o dinheiro nos bancos, mas para movimentá-lo torna-se indispensável o uso de um cartão de plástico ou o cheque. O Cartão do PIS habilita o trabalhador ao recebimento do FGTS e seguro-desemprego.

 

O motorista para dirigir terá de possuir carteira de habilitação; para cobrir eventuais danos no patrimônio móvel obriga-se a possuir o seguro do veículo e para comprovar a propriedade, já não se pede registro, mas, de qualquer forma, querem outro documento, o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo. Sem este papel as autoridades podem apreender o carro.

 

O cidadão não estará tranqüilo em sua residência se não obtiver a escritura pública do imóvel lavrada em um cartório e registrada em outro. Se quiser fazer algum melhoramento na casa ou apartamento, necessita do alvará de autorização do Poder Público. Se pretender vender enfrenta verdadeira tortura com exigências de comprovações de toda natureza.  

 

Sem a guia de sepultamente a família não consegue enterrar o morto. Sem custoso processo judicial, não se apodera dos bens deixados em herança e sem rumorosa ação de divórcio não se obtém a condição de divorciado. O casamento dar-se através da habilitação junto ao Cartório e celebração pela autoridade judiciária ou religiosa; para divorciar-se as coisas se complicam, porque corre processo judicial que pode demorar anos.

     

Para obtenção desta papelada toda gasta-se tempo, dinheiro e paciência, junto a prepostos do Executivo ou do Judiciário.

 

Nessas ações envolvem o Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais, o Tabelionato, o Cartório de Registro de Imóveis, o Cartório dos Feitos Cíveis, órgãos vinculados ao Judiciário; no Executivo, o instituto que fornece a Identidade, o Departamento de Trânsito, o Serviço de Polícia Marítima Aeroportuária e de Fronteiras, a Receita Federal e outros órgãos municipais, estaduais e federais.

 

Mas o cidadão não cumpre sua obrigação somente com os documentos enumerados acima; tem de guardar por cinco anos comprovantes usados na declaração do imposto de renda; a empresa de energia elétrica, de água, telefone podem questionar eventual dívida pelo consumo dos serviços contratados. Se o consumidor pagou e não guarda o papel que prova a liquidação do título sujeita-se a pagar duas vezes pelo mesmo serviço.      

 

O Cartório de Registro de Imóveis é resquício da época agrária, onde os bens de grandes valores limitavam-se aos imóveis. Hoje os carros, aviões, máquinas possuem altos valores e nem por isto necessitam de registro para garantir a propriedade. Assim como os Detrans, com mais razão as prefeituras poderiam receber competência para registrar e controlar a compra e venda de imóveis, através de cadastro próprio, sem necessidade de intervenção do Judiciário.

 

Reclama-se validade para a escritura particular, o contrato particular de compra e venda celebrado entre as partes, independentemente de lavratura ou registro neste ou naquele cartório. Muitos cartórios prestam-se mais para dificultar a vida do cidadão do que mesmo para oferecer-lhe segurança. Além de toda a burocracia, fundamento maior de sua existência causa perda de tempo, alto custo dos atos que pratica além de muitos outros aborrecimentos.

 

O registro de nascimento, de óbito, de casamento são atribuições mais adequadas para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (IBGE). Este órgão vinculado ao Executivo já promove a contagem da população brasileira; nada mais normal do que anotar e, se for o caso, expedir documento para atestar que fulano está vivo ou beltrano está morto.

 

O ofício de reconhecimento de firma, as autenticações de documentos, a exigência de procuração pública, o protesto de títulos são ações que não conferem segurança, mas prestam-se para atazanar a vida do cidadão.

 

Os cartórios servem para criar o empreguismo, manter a fabricação de carimbos, contribuem enormemente para a morosidade e encarecimento dos negócios, para a poluição do ambiente com exigências de papéis de toda natureza e para enorme prejuízo à cidadania.

 

As simplificações são possíveis e já há pioneiros desbravando o terreno da incompetência. Os sistemas de Gerenciamento Eletrônico de Documentos (GED) para as empresas públicas ou privadas, os certificados e-CPF e e-CNPJ, versões digitais dos documentos tradicionais, contribuem enormemente para uma nova realidade. São medidas que coíbem transtornos na vida já complicada dos cidadãos.

 

O cidadão brasileiro nem mais reclama dos abusos, porque já se acostumou a preencher papéis, a reconhecer firmas sem utilidade alguma, a enfrentar filas nos guichês das repartições públicas até mesmo para retirar o salário do trabalho desenvolvido no mês. Hélio Beltrão, nomeado Ministro da Desburocratização no governo Figueiredo, trabalhou na revogação de leis, decretos e portarias e acabou com muitas filas, com o reconhecimento de firmas em montanhas de documentos, com a autenticação de papéis sem objetivo algum. As atividades do Estado começaram a ser agilizadas, passou-se a encontrar soluções simples para simples problemas e iniciou-se a desmoronar uma estrutura arcaica, tradicional, lenta e preguiçosa da máquina estatal.

 

O Ministério da Desburocratização importunou muita gente graúda, desmontou muitos mitos de interesses e facilitou inúmeras atividades do cidadão comum; a pressão dos poderosos inviabilizou a continuidade de um ministério que tinha tudo para diminuir o sofrimento do cidadão comum.

 

A exigência das certidões, das carteiras, dos documentos não deve ser encarada como um álbum de autógrafos, nem deve sacrificar a liberdade em benefício da segurança, mas deve constituir caminho sem atribulação para o passaporte da decência e da segurança, sem violar a liberdade.

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*Juiz

 

 

 

 

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